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Professor é o agente da esperança para transformação das cidades

via Carta Capital*

‘Lembrando nosso patrono da educação, Paulo Freire, nós professores estamos vivos e mudar o mundo é tão difícil quanto possível’

Em tempos de redução das políticas sociais e Emenda 95, o quadro de miséria aumenta a cada dia. As populações estão ficando sem moradia e saúde dignas, as ocupações urbanas são condenadas a remoções e ativistas sociais urbanos são presos. A necropolítica urbana se instala ferozmente e jovens das periferias são baleados com uniformes de escola. A militarização das escolas chega como solução e junto com ela as “Escolas Sem Partido” e o “Future-se” nas universidades. A esperança se esvai a cada dia. Será que chegamos no final dos tempos? Será o fim da educação e está chegando o dia em que a convulsão social se instalando em nossas cidades?

Não, não pode ser o fim… Lembrando o mestre dos mestres, nosso patrono da educação no Brasil, Paulo Freire, nós professores estamos vivos e “mudar o mundo é tão difícil quanto possível” (Pedagogia da Indignação). A desesperança nos imobiliza (Pedagogia da Esperança)!

Nossas vidas, nossos ideais, não podem ser indiferentes. “Algumas vidas carecem do mais vital para serem” e estarem no mundo (Paulo Freire Mais que Nunca).

O professor libertador nunca pode se calar a respeito das questões sociais, não pode lavar as mãos. Nessa perspectiva o professor tem o direito de questionar o status quo (Medo e Ousadia, o cotidiano do professor).

Educar é colocar em questão, problematizar, sacudir, resistir a esse mundo que é menos mundo. Para muitos, é transformar vidas, embora a gente não saiba o destino final de nossas aspirações e ações. Portanto, “educar é um ato político”. Que me desculpem os que se acham neutros, neutralidade é Escola Sem Partido.

O mundo pode ser diferente, as cidades podem ser diferentes. “Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo” (Pedagogia da Esperança).

Os professores da rede pública, bravos guerreiros, devem trazer à tona as injustiças sociais e demonstrar aos próprios cidadãos que vivenciam ou têm contato diariamente com as cidades – e nelas sofrem por causa das desigualdades – para, assim, erradicar o Analfabetismo Urbanístico, conforme já disse a também professora Ermínia Maricato. A pedagogia urbana e a cidadania ativa podem se tornar a base da retomada da democratização e da sustentabilidade na medida em que, ao trabalhar a conjuntura dos problemas urbanos fundamentais da atualidade resultado da elevada desigualdade socioespacial, os jovens aprendem a lutar desde cedo pelos direitos fundamentais.

Lutar pelo direito à cidade, o direito à moradia, o direito à mobilidade, o direito à água e ao saneamento, o direito ao lazer, o direito à cultura popular, o direito à natureza, o direito à qualidade de vida e pela resiliência às mudança climáticas, pelo acesso à educação de qualidade, à saúde, à alimentação saudável. Porque são esses fatores que se configuram como desiguais, pautados no maior ou menor acesso aos recursos monetários de um indivíduo e de sua família. Lembrando Lefebvre, o direito à cidade é um clamor, uma necessidade de todos e de todas de reclamarem, de gritarem, de demandarem direitos fundamentais para a sua reprodução na cidade.

Os jovens das periferias têm uma linguagem própria de entender as cidades, seja pelo rap, pelo hip hop, eles se identificam com músicas como a dos Racionais Fim de Semana no Parque: “Olha só aquele clube que da hora, olha o pretinho vendo tudo do lado de fora; nem se lembra do dinheiro que tem que levar, do seu pai bem louco gritando dentro do bar; nem se lembra de ontem, de hoje e o futuro, ele apenas sonha através do muro”. Não é possível que continuemos a ignorar esses clamores que se fazem ouvir nas cidades.

As soluções vêm da participação da população nos processos das cidades

Com a educação libertadora, essa linguagem pode ser transformada em códigos geradores de processo de planejamento em laboratórios de cidadania como instrumentos de pedagogia urbana.

As cidades ensinam às gerações mais novas. É necessário restaurar e inventar de novo o poder local, criar possibilidades diferentes que tornem possível a experiência da solidariedade para criar bairros e cidades educadores. Todos os membros da comunidade se tornam educadores, artistas, pintores, cantores, artesãos, na medida em que todos contam histórias de como sobreviver com solidariedade (Pedagogia da Solidariedade).

A participação das comunidades no processo de planejamento ainda é muito incipiente, apesar de a gestão democrática ser um dos requisitos básicos do Estatuto da Cidade (Lei no 10.257 de 2001) para alcançar o direito à cidade por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

O processo participativo no planejamento urbano e regional permite que os cidadãos se reconheçam em seu bairro e em sua cidade. A realidade da localidade, conforme entendida pelos membros da própria comunidade, pode ser bastante distinta daquela idealizada nos ambientes acadêmico e profissional da Arquitetura e do Urbanismo.

O campo do urbanismo, planejamentos urbano e regional precisa avançar na questão da participação nos processos de organização. A prática urbanística tecnocrática está desacreditada e as teorias foram superadas pela realidade. É necessário refletir sobre novas epistemologias para o urbanismo contemporâneo.

Instrumentos como o Plano de Bairro têm se tornado ferramentas importantes de luta. É através deles que, com a participação dos moradores, é possível identificar o conjunto de necessidades que garanta o bem estar e a vida coletiva dos habitantes de um bairro, assim, é possível apresentar propostas para o encaminhamento das soluções apontadas em situações de vulnerabilidade social e ambiental identificadas na região. Com os Planos de Bairro, é possível desenvolver análises e levantamentos de demandas referentes a habitação, espaços públicos, transportes, saneamento, meio ambiente e impactos gerados por projetos localizados nas proximidades da região. Este plano também serve como instrumento de enfrentamento dos conflitos atuais, impostos tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada.

Uma sociedade mais justa passa pelos professores

Os professores da rede pública da educação libertária, por meio de uma formação em Licenciatura em Arquitetura e Urbanismo integrada a outras áreas e outros saberes, podem contribuir no diálogo com as populações e aumentar o envolvimento das comunidades, bem como os seus saberes e bens culturais, no atendimento das demandas emergenciais e emergentes e também contribuir para que essa população possa obter recursos financeiros e alcançar a sustentabilidade em sua essência.

Neste contexto, o professor se torna um agente importante de esperança para contribuir na formação da cidadania e no desenvolvimento de estratégias para a produção do espaço junto às classes sociais com o intuito de transformação de nossas cidades em lugares mais justos e sustentáveis. Para Paulo Freire, a cidade enquanto educadora é também educanda. Muito de sua ação educativa implica a nossa posição política, seja ela a política dos gastos públicos, a política cultural, educacional, de saúde, do saneamento, dos transportes, ou do lazer. Enfim, “a cidade somos nós e nós somos a cidade” (Política e Educação).

Vamos à luta, Paulo Freire-se!

Por Liza Maria Souza de Andrade, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, líder do Grupo de Pesquisa “Periférico, trabalhos emergentes”, membro da coordenação operacional do Núcleo DF da Rede BrCidades. Publicado por Carta Capital.

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