Notícias

Povos Guarani-Kaiowá e Pankararu sofrem ataques no dia das Eleições

por Elaíze Farias via Amazônia Real*

No domingo, 28 de outubro, indígenas foram feridos por arma de fogo e bala de borracha e prédios públicos incendiados: os responsáveis pelos crimes não foram presos

Manaus (AM) – Dois povos indígenas sofreram ataques durante o segundo turno das Eleições no domingo (28), confirmou à agência Amazônia Real à Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal. No Mato Grosso do Sul, de dez a 15 pessoas da etnia Guarani-Kaiowá ficaram feridas por disparos de arma de fogo e balas de borracha. Em Pernambuco, uma escola e um posto de saúde que atendem os povos Pankararu foram incendiados. Não houve registro de mortes nos atentados. A Polícia Federal, que está investigando o casos, mas não prendeu ninguém até o momento e não tem pistas dos responsáveis pelos crimes.

O ataque aos Guarani-Kaiowá aconteceu em uma área próxima da aldeia Bororó, no município de Dourados, por volta das 4h da manhã do domingo das Eleições. Entre os feridos, segundo o site Correio do Estado, está uma criança de nove anos de idade.

A Escola Municipal São José e um posto do Programa de Saúde da Família, que atendem os indígenas Pankararu da aldeia Bem Querer de Baixo, no município de Jatobá, amanheceram nesta segunda-feira (29) destruídos por um incêndio criminoso. O território da etnia fica no oeste do sertão do estado de Pernambuco e é alvo de conflito com posseiros.“Foram destruídos pelo fogo, ódio e intolerância”, diz uma nota oficial dos Pankararu divulgada na internet.

A pedido da Funai e do Ministério Público Federal, a Polícia Federal está investigando os ataques contra os povos indígenas. No caso do atentado contra o acampamento dos Guarani-Kaiowá, há suspeitas do envolvimento de fazendeiros, que teriam arregimentados pessoas para o ataque na rede social Whatsapp.

A Funai não comentou se os ataques contras as duas etnias têm relação com o discurso do candidato eleito no domingo à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL) contra aos povos indígenas. Durante a campanha, ele afirmou que as demarcações de terras atenderiam a interesses de outros países e atentariam contra o interesse nacional. Também afirmou que haveria risco de povos indígenas formarem Estados independentes do Brasil. As declarações provocaram uma reação de várias entidades, ente eles, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Em nota enviada à agência Amazônia Real, a Funai disse que “dispôs de todos os seus recursos logísticos e pessoais para contribuir com o processo eleitoral, mas conseguiu deslocar dois servidores que iniciaram os atendimentos e a articulação com outras instituições, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e os bombeiros, por exemplo”, para atender os povos Guarani-Kaiowá, em Dourados (MS). O órgão indigenista destacou que “acompanha as investigações e espera obter mais informações no decorrer desta semana”.

O local onde aconteceu o ataque a tiros é uma das inúmeras áreas retomadas pelos Guarani-Kaiowá e que fazem parte da Reserva Indígena de Dourados. Essas áreas são denominadas por eles de Tekoha, em referência a seu lugar de origem.

Localizada no perímetro urbano, a Reserva Indígena de Dourados foi criada há 100 anos pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista extinto em 1967 e substituído pela Funai. Na reserva também vivem povos Guarani-Ñandeva e Terena, com um extensão de 3.465 hectares e uma população de 15 mil pessoas. A região é permanentemente tensa por causa de conflito territorial com fazendeiros, que invadiram as terras da reserva.

Segundo o site Correio do Estado, o ataque aos Guarani-Kaiowá aconteceu por volta de 4h de domingo (28). Uma jovem, que não foi é identificada na reportagem, diz que homens chegaram em caminhonetes e um trator. Eles derrubaram barracos e destruíram alimentos. Segundo a jovem, cerca de 15 pessoas ficaram feridas, entre elas, uma criança de nove anos.

Em Caarapó o clima é tenso

Na nota enviada à Amazônia Real, a Funai negou que tenha havido ataques contra a indígenas Guarani-Kaiowá das cidades de Caarapó e Miranda, na região de Buriti, no Mato Grosso do Sul, desmentindo notícias que foram publicadas em redes sociais, como o Facebook, e sites locais.

A região das aldeias de Caarapó também é alvo de forte conflito entre fazendeiros e indígenas Guarani-Kaiowá, da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1. Os conflitos foram intensificados no processo de retomada dos Tekoha, um movimento de reocupação do território tradicional da etnia que já dura há alguns anos e provoca reação de fazendeiros.

Eliel Benites, liderança indígena Guarani-Kaiowá de Caarapó, disse à Amazônia Real que a aparente normalidade na região é momentânea. Segundo ele, os ataques podem acontecer a qualquer momento, o que tem deixado os indígenas apreensivos, especialmente após a eleição deste domingo.

“Com o resultado das eleições presidentes e com o ganho do Bolsonaro, as pessoas estão incentivando cada vez mais os ataques às retomadas. Isso vai constante agora. Estive em Caarapó, uma movimentação diferente, uma tendência a isso”, disse ele.

Em 2016, a Polícia Federal prendeu cinco fazendeiros por acusação de atacar a tiros aos menos 50 índios Guarani-Kaiowá dentro da fazenda Yvu, em Caarapó, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. No ataque, que aconteceu em 14 de junho daquele ano, foi assassinado o indígena Clodiodi de Souza, 26 anos.

Escola Pankararu é queimada

Nesta segunda-feira (29), os indígenas da etnia Pankararu comunicaram por meio de nota oficial que a Escola Municipal São José e um posto do Programa de Saúde da Família, da aldeia Bem Querer de Baixo, no município de Jato, foram incendiados por volta de 23h do dia das eleições (28). Os prédios são públicos, pois pertencem à prefeitura da cidade de Jatobá. Segundo os Pankararu, houve perda total da estrutura, móveis, equipamentos e documentos.

“A comunidade Bem Querer de Baixo é uma das principais áreas de conflitos entre indígenas e posseiros e onde recentemente tivemos ganhos de causa pela reintegração de posse do nosso território. Os maiores prejudicados são as crianças sem escola nas vésperas do fim do ano letivo, a comunidade sem o PSF onde eram realizados cerca de 500 atendimentos mensais e a nossa alma que é constantemente ferida, machucada… Mas jamais silenciada. Que se faça a devida investigação, que os culpados sejam punidos, que haja justiça!”, disse em nota os índios Pankararu.

O Ministério Público Federal informou à Amazônia Real que pediu que a Polícia Federal investigue o ataque. A Polícia Militar esteve no local, mas alegou que a competência da investigação é federal.

O cacique Sarapó Pankararu informou que está arrasado e que as lideranças indígenas estão sem forças e desacreditadas das instituições. Ele teme que a situação dos indígenas fique mais complicada depois da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República.

“A Justiça e o MPF não conseguiram mobilizar a Polícia Militar do Estado antes da vitória de Bolsonaro, agora que está complicado. Sem a presença da polícia, não há conserto da adutora. A Funai não se faz presente na comunidade. As escolas só estavam funcionando durante o dia, justamente com o posto médico”, disse o cacique Sarapó.

Nos dias 15 e 16 de setembro, os posseiros danificaram com picaretas os canos da rede de abastecimento deixando 2.937 indígenas sem água potável nas aldeias Bem Querer de Baixo, Bem Querer de Cima, Caldeirão, Carrapateira, Caxiado, Saco e Tapera, da Terra Indígena Pankararu. O atentado foi confirmado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), pelo Ministério Público Federal de Pernambuco e pela Polícia Federal no município de Serra Talhada, mas ninguém foi preso pelo crime até o momento.

A reportagem voltou a procurar novamente a Funai para que o órgão comentasse o ataque aos prédios públicos que atendem os Pankararu, mas a fundação disse estava apurando o caso e irá responder à reportagem nesta terça-feira (30).

Publicado originalmente por Amazônia Real, texto de Elaíze Farias, 30/10/2018.

Foto de capa: Izabela Sanchez

Nenhum produto no carrinho.