publicado no site da CESE*
Foi com muita tristeza e revolta que acompanhamos mais um terrível crime ambiental provocado pela Vale. O modelo de desenvolvimento e a mineração predatória que produziram rompimento da barragem em Mariana e arruinou o Rio Doce, hoje protagoniza mais uma violação ambiental e direitos humanos, em Brumadinho. Até o momento são 157 mortes confirmadas, 165 pessoas desaparecidas, 133 desalojadas e mais bombeiros/as 369 envolvidos/das no resgate.
O rompimento da barragem liberou 12 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério no Córrego do Feijão. A lama tóxica atravessou sete quilômetros atingiu o Rio Paraopeba, um dos afluentes do São Francisco. A expectativa é de que a lama chegue à hidrelétrica de Três Marias a partir do dia 15 fevereiro. Se ultrapassar esse trecho, contaminará o maior rio do Nordeste.
Em conversa com a CESE, Moisés Borges representante do Movimento Atingidos por Barragens -MAB, faz um panorama dos últimos acontecimentos na região e descreve os impactos desse descaso criminoso na vida das pessoas do Rio São Francisco: “Infelizmente é inevitável que o rio São Francisco não seja contaminado. No momento não é possível prever o nível de contaminação, por que isso vai depender com esse rejeito vai chegar à Três Marias.”.
Moisés ressaltou que metais pesados presentes na lama que matou o Rio Paraopeba, se deslocarão para o Rio São Francisco, mesmo com a utilização da barreira de Retiro Baixo. Metais esses, muito parecidos com os minérios que deixaram a bacia hidrográfica do Rio Doce praticamente sem vida.
O militante do MAB alerta que o cenário é muito instável e há a possibilidade de uma tragédia para o Nilo brasileiro com uma proporção incalculável: “Com o aumento de chuva, que está acontecendo na região, parte da lama que solidificou no Córrego do Feijão pode ser diluída. Além disso, Brumadinho corre risco de rompimento da barragem de contenção de água, a B6, também de propriedade da Vale. Se isso acontecer, vai gerar um caos ainda maior. A lama descerá com mais velocidade e mais força para o Velho Chico”.
Leia a entrevista na íntegra:
Quando a lama vai chegar às comunidades banhadas pelo Rio São Francisco?
É uma questão que nos preocupa muito, principalmente porque estamos aqui na Bahia. Seguindo um pouco do que aconteceu em Mariana, todo rio foi devastado. Com o rompimento da barragem de Fundão, a lama espalhou-se de forma bem veloz e chegou rapidamente na foz do Rio Doce. Já a lama de Brumandinho é mais densa e lenta no seu deslocamento ao longo do rio. O que favorece a sua contenção dessa lama enquanto rejeito.
Apesar de possuir características diferentes, ambas possuem metais pesados. O primeiro laudo Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM demonstra que os metais pesados responsáveis por matar o Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, são muito próximos ou iguais àqueles encontrados no Rio Doce. Já foram encontrados níveis altíssimos de arsênio, cádmio, chumbo, cromo, níquel, mercúrio e cobre. São esses contaminantes que nos preocupa. A lama enquanto rejeito não passará de Três Marias. Mas, esses metais tóxicos provavelmente já estão diluídos na água, abaixo da lama, porque dissolvem mais rápido do que o próprio rejeito.
Infelizmente é inevitável que o Rio São Francisco não seja contaminado. Um rio tão importante para o Nordeste. No momento não é possível prever o nível de contaminação, por que isso vai depender com esse rejeito vai chegar à hidrelétrica de Três Marias. A chegada dos rejeitos está prevista para o dia 15 de fevereiro.
Algumas medidas estão sendo tomadas para conter o avanço da lama, como a utilização de represas e cortina de contenção de rejeitos. Existem alternativas? Como as comunidades devem se preparar?
A Vale e o governo colocaram três membranas de contenção de rejeitos, mas em especial de contenção de matéria orgânica na tentativa de segurar lama ao longo do Rio Paraopeba. A barreira que esperam conter a maior quantidade de rejeito é a hidrelétrica chamada Retiro Baixo, propriedade de Furnas dos sistemas Eletrobrás.
A usina será esvaziada para conter o máximo possível dessa lama. Contudo, existe a possibilidade dessa barreira não conseguir reprimir todo o rejeito, estando exposta ao perigo de rompimento. Então, há uma perspectiva, bem real, de que ainda chegará rejeito de lama na hidrelétrica de Três Marias, que é de responsabilidade da CEMIG, empresa de energia de Minas Gerais.
No entanto, esse cenário é muito instável. Com o aumento de chuva, que está acontecendo na região, parte da lama que solidificou no Córrego do Feijão pode ser diluída. Além disso, Brumadinho corre risco de rompimento da barragem de contenção de água, a B6, também de propriedade da Vale. Se isso acontecer, vai gerar um caos ainda maior. A lama descerá com mais velocidade e mais força para o Velho Chico. Por isso, temos que acompanhar e monitorar, dia a dia, praticamente hora a hora todo esse processo.
O MAB juntamente com movimentos da Via Campesina, pastorais e sindicatos têm feito ações humanitárias na região de Brumadinho para garantia de direito das famílias. Para o Rio São Francisco estamos organizando um processo de denúncia, porque nem todos têm a dimensão do que pode acontecer e do risco real da contaminação. Estamos também fazendo contato com o Governo do Estado para iniciar os monitoramentos do rio na Bahia e fazer comparativos da água de hoje e com a água após a chegada dos rejeitos. Esse monitoramento é importante para que população tenha outra fonte hídrica em caso de confirmação da contaminação.
Além disso, estamos convocando toda população para atos que vamos realizar no dia 25/02, quando será um mês desse crime da Vale em Brumadinho. Queremos chamar atenção para essa situação. Tivemos sete baianos que foram mortos por uma empresa assassina, cujas famílias merecem nossa solidariedade.
Qual a perspectiva do tamanho desse crime/ tragédia para o Rio São Francisco e número de pessoas atingidas?
O tamanho desse crime no Rio São Francisco ainda é difícil de calcular, um nível alarmante enquanto bacia. O tamanho do crime na perspectiva social é muito maior que Mariana. Na perspectiva ambiental chegará próximo, embora a quantidade de lama em Brumadinho seja menor. Foram em torno de 12 milhões de metros cúbicos de rejeito. Mariana era três vezes mais do que isso.
Socialmente é um desastre ter 300 pessoas mortas e 95 km do Rio Paraopeba já morto. Três Marias é uma grande produtora de peixes de cativeiro, provavelmente todos morrerão. O que causa um grande impacto, inclusive econômico, sobretudo para as populações ribeirinhas que vivem em torno dessa região do rio.
Já no Rio São Francisco, ao chegar em Três Marias, não se sabe qual será a contaminação. Mas, se a concentração for alta, o consumo de água tem de ser imediatamente suspenso, seja para animais ou para o consumo humano. E será necessário fazer outro tipo de abastecimento de água.
Só para ter uma dimensão, o Velho Chico engloba cinco estados, quatro nordestinos: Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, e um do sudeste: Minas Gerais. Dessas cinco regiões há pelo menos na margem 521 municípios que dependem diretamente do rio, além de outras localidades que dependem da água. Segundo os dados da ASA (Articulação do Semiárido) são em torno de 14,2 milhões de pessoas que dependem diretamente do São Francisco. Então, pode ser uma tragédia com uma proporção incalculável.
Uma das promessas do atual presidente é flexibilizar as regras na mineração, e incluir a Amazônia na rota das mineradoras. Como você avalia essa perspectiva de menos fiscalização e menos controle ambiental?
O presidente afirmou que não é um problema dele o que aconteceu em Brumadinho, e defende a flexibilização de leis ambientais, sendo este um dos motivos que levou ao rompimento do Córrego do Feijão. A flexibilização abre brechas para corrupção, fraude de laudos técnicos, manipulação de informações, diminuição custos de segurança de barragem e aumento da exploração sobre o trabalhador e a natureza. Colocar nas mãos do privado o processo de fiscalização significa que o dinheiro fala mais alto do que as vidas.
Ver o ministro do meio ambiente dizer que o entrave brasileiro é a rigidez das leis ambientais é um grande absurdo. Isso é um desrespeito com as 300 famílias que tiveram seus entes queridos perdidos. É um desrespeito com o Brasil. É vergonhoso ter um governo com essa postura, que mesmo diante de um crime como este insiste na perspectiva de flexibilzação. Para nós essa afirmação não tem nenhum cabimento, pelo contrário, é preciso aumentar a rigidez do licenciamento ambiental e da fiscalização para que isso nunca mais aconteça.
Apesar de termos alertado várias vezes os riscos de Mariana e do Córrego do Feijão. Infelizmente nada foi feito. É importante continuarmos com as denuncias e repudiar essas afirmações.
Sabemos que há mais de 20 anos o MAB tem feito um trabalho grandioso junto às comunidades atingidas barragens, e neste de momento crítico lança uma campanha de arrecadação em apoio à população atingida em Brumadinho-MG. Como funciona essa campanha?
O movimento tem lidado com essa questão de forma muito voluntária e com a solidariedade de organizações nacionais e internacionais. Estamos com mais de 30 pessoas trabalhando em Brumadinho e 15 pessoas na região do São Francisco, com custos reais de alimentação, roupa, transporte, e outros. Em virtude disso, o MAB lança a campanha de mobilização de recursos com o objetivo é arrecadar fundos para fortalecer a organização dos atingidos no local, no envio de brigadas, em apoio às famílias desabrigadas e parentes das vítimas, na garantia de seus direitos.
Para acessar a campanha clique aqui!
–
Por Moisés Borges, representante do Movimento Atingidos por Barragens –MAB analisa as perspectivas do crime de Brumadinho para o Rio São Francisco. Publicado no site da CESE.