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O SUS em tempos de golpe parlamentar

O SUS em tempos de golpe parlamentar
Em 1988, a Saúde foi reconhecida na Constituição como Direito de todos/as e dever do Estado. Durante esses 28 anos de conquista, o Sistema Único de Saúde (SUS) nunca sofreu tanto ataque e desconstrução como está sofrendo em apenas 15 dias do governo interino de Michael Temer. Embora sejam amplamente conhecidas as dificuldades e os limites do SUS desde sua criação, como a insuficiência de recursos e sua organização interfederativa, para ficar em apenas dois exemplos, durante todo esse tempo nunca os ataques foram tão brutais e estruturais como o que este governo provisório e setores da sociedade vêm empreendendo contra o Sistema Único de Saúde.

O novo ministro da Saúde Ricardo Barros (PP) tem defendido em declarações públicas a ideia de que o SUS não tem condições de ser universal e, por essa razão, precisaria ser, nas palavras dele, “repensado o seu tamanho”. Disse também que o País ainda não está em um nível de desenvolvimento capaz de oferecer direitos universais a todos os brasileiros e brasileiras. Com isso, segundo o ministro, o governo poderá “repactuar direitos universais previstos na Constituição”. Estas declarações afrontam de forma brutal os princípios básicos e elementares do sistema público de saúde brasileiro e vão contra todo o processo de construção do SUS pautado no princípio da universalidade, equidade e gratuidade como princípios constitutivos do sistema público brasileiro.

As declarações do ministro vão ao encontro de iniciativas que estão sendo tomadas dentro do governo e que afetam diretamente a saúde pública. É o caso do plano econômico apresentado ao Congresso pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles e pelo presidente interino Michel Temer. Na proposta, duas áreas fundamentais terão seus recursos desvinculados do orçamento geral, o que significa que as regras, que até então, valiam para os gastos da União nessas duas áreas – Saúde e Educação -, serão alteradas e, consequentemente, os recursos serão menores. No caso da Saúde, isso significa que a regra que, até então, definia o montante de recursos destinados a essa pasta, que é a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) e a inflação, ou seja, o crescimento acrescido pela inflação, não valeria mais. No lugar desse cálculo, o governo interino quer corrigir apenas pela inflação, desvinculando o montante da variação nominal do PIB. Isso geraria diminuição dos recursos para o SUS e atenderia, do ponto de vista da estratégia de gastos, às declarações do próprio ministro, de que não há dinheiro suficiente para financiar sistemas universais.

Ainda na onda dos ataques ao SUS vale lembrar outra medida que está sendo pensada: a diminuição do número de médicos/as cubanos/as vinculados/as ao Programa Mais Médicos e que hoje estão distribuídos pelo Brasil afora, especialmente nos lugares mais distantes dos centros urbanos. É importante registrar que esse programa atende a mais de 60 milhões de brasileiros e brasileiras e tem tido resultados extraordinários como atestam as inúmeras pesquisas realizadas até agora sobre o impacto da iniciativa. Segundo informações veiculadas pela imprensa, o Ministério da Saúde estaria pensando em reduzir de 11 para três mil o número de médicos/as cubanos/as, atendendo, com essa medida, a setores da classe médica que aderiram ao Impeachment com o compromisso de que o programa seja repensado. Também é importante lembrar que a classe médica, desde o início, contestou a necessidade do programa implementado pelo governo federal.

O conjunto das medidas que estão sendo pensadas e as declarações públicas dos gestores provisórios indicam tempos difíceis para os que historicamente lutam por um sistema de saúde público e universal calcado no princípio dos Direitos Humanos, reconhecendo a Saúde como um Direito Humano fundamental em que o Estado tem o principal papel de garantir tal direito. As iniciativas que buscam tirar do SUS sua universalidade sob o argumento falacioso da insuficiência de recursos ou da necessidade de primeiro crescer para depois distribuir não são novas. Em todo o processo de luta dos inúmeros movimentos de saúde, especialmente o Movimento da Reforma Sanitária, os principais argumentos contrários a essa proposta sempre foram os argumentos financeiros. Porém, apesar das dificuldades, o SUS tem produzido nos seus mais de 25 anos resultados extraordinários, sendo visto por muitos países como o modelo de saúde a ser seguido. Apesar disso, setores importantes da classe política e econômica têm defendido cada vez com mais força a ideia de que gratuito deveria ser apenas para os mais pobres. O resultado dessa lógica o país já experimentou: um sistema pobre para pobres.

Em tempos de retrocessos de direitos, especialmente os direitos sociais, é importante reafirmar a convicção por um modelo de Estado em que este não exerce apenas o papel de regulador da economia, mas sim o principal sujeito de garantia dos mais variados direitos, entre eles a Saúde. Por isso, a saída para a crise econômica não é menos Estado, como defendem os/as liberais, e sim mais Estado, cumprindo este o seu papel fundamental de ofertar os serviços para que o direito seja atendido e arrecadar de forma justa para que os serviços sejam financiados. Isso significa dizer que a maneira de implementar os programas sociais em tempos de crise econômica não é tirando-lhe o seu caráter universal e sim arrecadando daqueles/as que historicamente sonegam o Estado brasileiro, sonegação que hoje é calculada em mais de 500 bilhões, segundo o ‘sonegômetro’. Arrecadar de forma progressiva, de modo que quem tem mais paga mais e quem tem menos paga menos.

O SUS, hoje, está ameaçado como nunca esteve durante os seus mais de 25 anos. Exigirá de todos nós que acreditamos num modelo de Estado que garanta direitos uma luta mais árdua do que aquela que temos travado durante esses anos todos. Tempos sombrios para a Saúde Pública brasileira.

*Jorge Gimenez é educador popular do Centro de Educação e Assessoramento Popular (Ceap), organização associada à Abong

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