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O negócio do zika e os mosquitos transgênicos

O negócio do zika e os mosquitos transgênicos
Os dados nos quais se baseia a declaração de emergência internacional sobre o zika vírus são surpreendentes. Não pelos riscos que a expansão deste vírus implicaria, mas pela falta de evidências para motivar tão grandiloquente declaração por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), ante uma enfermidade leve, com escassos indícios de conexão com doenças mais sérias e sem provas científicas. Para suprir essas ausências, agrega que o vetor da enfermidade – o mosquito Aedes Aegypti – é também um vetor da dengue e chikungunya, e está atacando com as três.

Este contexto alarmista, focado em aspectos singulares – o “ataque” ao vetor, isolado de suas causas – favorece enfoques mais estreitos, errôneos e até mesmo perigosos. Por exemplo, a empresa Oxitec, que tem feito controversos experimentos com mosquitos transgênicos, os promove agora como solução (em realidade como negócio) diante da expansão do zika. Obviamente sem mencionar os riscos que consigo leva e que os tais mosquitos transgênicos podiam inclusive piorar ainda mais a situação.

A Oxitec já realizou experimentos de liberação de mosquitos transgênicos nas Ilhas Cayman, Malásia, Panamá e Brasil, tentou fazê-lo na Europa, o que não foi permitido por razões de biossegurança e carência de estudos de impacto. Encontrou regulações “flexíveis” no Brasil, onde fez experimentos no Nordeste, ainda que sem conseguir autorização da ANVISA, autoridade sanitária do país. Sua técnica é produzir Aedes Aegyptis transgênicos, manipulados com um gene letal condicional, que não se expressa se aplicado o antibiótico tetraciclina, o que fazem durante dias à cria. Logo os liberam para se cruzarem com mosquitos silvestres, que, se não encontram o antibiótico, em tese produziriam descendência estéril.

A Oxitec reporta uma redução de 80% a 90% da população de mosquitos nas zonas de experimento. Mas segundo documentados informes de Edward Hammond (Rede do Terceiro Mundo e GeneWatch, organizações que vigiam essas questões) a realidade é muito distinta da apresentada pela empresa.

Em seu informe de 2015, a GeneWatch explica que a diminuição de mosquitos não está comprovada porque os mosquitos silvestres podem ter se transladado a zonas vizinhas. Os resultados das Ilhas Cayman sugerem que a técnica é muito eficaz, já que usaram 2,8 milhões de mosquitos por semana para combater uma população silvestre de 20 bilhões de mosquitos e, de todas as formas, ainda informaram uma baixa na zona de liberação, enquanto que nas áreas vizinhas houve aumento da população de mosquitos.

Enfim, ainda que tenha baixado provisoriamente a quantidade de mosquitos, não existe evidência, em nenhuma parte do mundo, de que os mosquitos transgênicos tenham reduzido a incidência de dengue ou de quaisquer outras enfermidades.

Pelo lado contrário, uma das preocupações sobre os impactos dos mosquitos transgênicos, particularmente em zonas endêmicas, é que a diminuição temporal possa baixar a resistência cruzada a vários serótipos de dengue que existem nessas populações, favorecendo o avanço de formas mais agressivas, como a dengue hemorrágica. Ademais, o deslocamento do Aedes Aegypti pode favorecer a expansão de transmissores rivais, no caso da dengue, o Aedes Albopictus, que é mais difícil de erradicar.

A GeneWatch também afirma que a Oxitec não apresentou provas de que a proteína que expressa nos mosquitos transgênicos, chamada tTA, não tenha efeitos alérgicos ou tóxicos em animais ou humanos, pese que já se observou toxicidade e neurotoxicidade em ratos de laboratório.

Desde 2005 a Oxitec passou a ser propriedade da Intrexon, empresa estadunidense de biologia sintética, pelo que poderia estar considerando o uso de tecnologias de biologia sintética com mosquitos, com ainda mais riscos, como o uso de condutores genéticos (gene drives) que poderiam modificar toda uma população de mosquitos em uma ou duas gerações. As consequências de modificar toda uma espécie teriam implicações imprevisíveis, incluindo sérios impactos potenciais no ecossistema, além de mutações nos agentes das enfermidades.

Já existem experimentos confinados de modificação de insetos com esta técnica em universidades dos Estados Unidos, o que motivou um alerta de cientistas sobre seus altos riscos, inclusive seu potencial uso como arma biológica (The Independent, 02/08/2015). Todavia, nas águas “emergenciais”, graças ao zika, aumentam a propaganda e também as pressões para o uso desta tecnologia.

São remendos técnicos estreitos, concebidos mais como negócio que para enfrentar realmente os problemas. Mais além dos impactos que carregam, desviam a consideração das causas e atrasam sua real atenção.

Segundo dados oficiais divulgados no último dia 2 de fevereiro, foram confirmados 404 casos de microcefalia no Brasil. Somente 17 teriam simultaneamente o zika vírus. Isso representa 4,2% dos casos confirmados e apenas mostra que o vírus estava presente, não que fora a causa da microcefalia – anomalia que tem um amplo espectro de causas possíveis, como exposição durante a gravidez a elementos tóxicos, desnutrição e outras infecções: todos são fatores da alta incidência entre a população pobre do Nordeste brasileiro, onde se localizam 98% dos casos referidos.

A ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva – publicou uma excelente Nota Técnica e carta aberta ao povo, recordando que o aumento da microcefalia pode estar relacionado ao uso de inseticidas e larvicidas que são postos na água potável (!), cuja concentração aumentou no Nordeste, no período em questão, devido ao racionamento de água feito a partir das secas inesperadamente mais intensas que o normal. A ABRASCO exige uma ampla consideração das causas da microcefalia, com participação da população a partir de suas condições, o que, ao contrário destes enfoques técnicos de alto risco, é a única forma efetiva de enfrentar as epidemias.

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