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O Julgamento

Texto opinativo partilhado por Gervásio Toffoli, professor e assessor do Centro de Estudos Bíblicos. O artigo fala sobre a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 24 de janeiro.

Boa leitura!

Dividindo ideias com amigos/amigas (e também, com “não simpatizantes”)

Este dia 24 de janeiro de 2018 vem sendo considerado “histórico” em muitos comentários e artigos. Alguns inclusive apontando como um dia decisivo para a história da democracia, da política ou da justiça brasileira. No meu entendimento é sim um dia histórico para entender a história. Não mais decisivo do que outros.

Há pouco, quando ouvia o início do depoimento do relator do processo que decidiu condenar o ex-presidente Lula, ficou evidente a minha tese. Nada se decide hoje, senão apenas a expressão de uma decisão que já está tomada historicamente.

A história é composta por disputas. E se há disputas é porque há lados distintos. Lados que em alguns momentos vivem uma espécie de trégua, geralmente pela imposição de um ou pela ineficácia e inércia de outro. Em outros momentos os lados se digladiam para firmar seus princípios. E é este o momento histórico que estamos vivendo. No mais, apenas tentativas para dizer que não há lados.

De que “lados” estou me referindo?

Poderíamos usar diferentes nomenclaturas como esquerda X direita, democracia X oligarquia ou república X autoritarismo. Prefiro algo mais direto: povo X elites. O que está em jogo é a afirmação de poder dos lados. A elite vem demonstrando sua força ao controlar algumas instâncias de poder por ela instituídos e que, em alguns momentos, correu o risco de fugir de seu domínio. Refiro-me aos “Tribunais de Justiça”.

O Brasil vive este momento em que a Justiça precisa deixar claro “seu lado”.

Poderá alguém refutar-me dizendo que os que apoiam a condenação de Lula também são povo. Sim, fazem parte do povo. Mas não assumem o lado do povo. O povo a que me refiro aqui é o setor da sociedade que se articula em movimentos sociais e “populares” por estar a serviço de causas que resgatam o direito dos que historicamente foram excluídos. Este povo também manifesta sua força neste “dia histórico”. Uma força diferenciada, que não se mede em alguns metros quadrados de uma sala da Justiça ou numa discorrida tese de “evidências”.

Um lado que se expressa no colorido das ruas por acreditar que um outro jeito de viver é possível. Um lado que experimentou esta possibilidade, ainda que em doses aperitivas:

  • É possível um Brasil com mais investimentos para que todos tenham acesso à educação de qualidade, também no chamado nível superior;
  • É possível um Brasil que redistribua renda, a começar pela valorização do salário mínimo e das leis que garantem os direitos dos trabalhadores e aposentados;
  • É possível um Brasil que invista em saúde a começar pelo jeito com que se tratam as doenças com “mais médicos” e agentes comunitários de saúde;
  • É possível um Brasil com menos corrupção pelo fortalecimento de instâncias investigativas e não vingativas e com uma Reforma Política que limite a força das velhas oligarquias (governo de poucos) econômicas;
  • É possível um Brasil com políticas de habitação que oportunizem o acesso a uma casa digna;
  • Um Brasil que privilegie a agricultura familiar que produz alimento;
  • Um Brasil que ouça e não criminalize as manifestações e organizações sociais e populares;
  • Um Brasil… mais nas mãos do povo.

Este é o lado que está sendo julgado. E a condenação deste lado não é a decisão da História. É apenas a manifestação de que os lados estão vivos e em disputa. O que é histórico são as circunstâncias de um hoje que nos colocam diante de uma decisão: de que lado estamos?

Eu estou do lado povo. O outro lado é elite, é o lado dos poucos que querem se perpetuar no poder como “senhores” da vida e do mundo.

A condenação judicial de hoje é apenas a confirmação de “seu” lado. Mas, que fique claro: tal decisão não é a afirmação absoluta da verdade. Há uma verdade que não pode ser omitida e que está nas ruas. Esta verdade, hoje protagonizada, aponta para horizontes ainda não conquistados, mas possíveis. Esta data é apenas mais um dia para reafirmar que a História continua e que a luta por dias melhores e mais dignos está em curso.

Fonte: O texto foi escrito e partilhado por Gervásio Toffoli, professor e assessor do CEBI, 24/01/2018.

Foto de capa: Crédito para Ben Rosett.

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