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O clamor dos que sofrem [José Antonio Pagola]

O clamor dos que sofrem [José Antonio Pagola]
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo Lucas 18,1-8 que corresponde ao 29° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.
Eis o texto

A parábola da viúva e do juiz sem escrúpulos é, como tantos outros, um relato aberto que pode suscitar nos ouvintes diferentes ressonâncias. Segundo Lucas, é uma chamada para orar sem desanimar-se, mas é também um convite para confiar que Deus fará justiça a quem lhe grita dia e noite. Que ressonância pode ter hoje em nós este relato dramático que nos recorda tantas vítimas abandonadas injustamente à sua sorte?

Na tradição bíblica a viúva é símbolo por excelência da pessoa que vive só e desamparada. Esta mulher não tem marido nem filhos que a defendam. Não conta com apoios nem recomendações. Só tem adversários que abusam dela, e um juiz sem religião nem consciência a quem não importa o sofrimento de ninguém.
O que pede a mulher não é um capricho. Só reclama justiça. Este é o seu protesto repetido com firmeza ante o juiz: “Faça-me justiça”. A sua petição é a de todos os oprimidos injustamente. Um grito que está na linha do que dizia Jesus aos seus: "Buscai o reino de Deus e a sua justiça".

É certo que Deus tem a última palavra e fará justiça a quem lhe grita dia e noite. Esta é a esperança que acendeu em nós Cristo, ressuscitado pelo Pai de uma morte injusta. Mas, enquanto chega essa hora, o clamor de quem vive gritando sem que ninguém escute o seu grito, não cessa.

Para uma grande maioria da humanidade a vida é uma interminável noite de espera. As religiões predicam Salvação. O cristianismo proclama a vitória do Amor de Deus encarnado em Jesus crucificado. Entretanto, milhões de seres humanos só experimentam a dureza dos irmãos e irmãs e o silêncio de Deus. E, muitas vezes, somos os mesmos crentes que ocultamos seu rosto de Pai velando-o com o nosso egoísmo religioso.

Por que é que a nossa comunicação com Deus não nos faz escutar por fim o clamor dos que sofrem injustamente e nos gritam de mil formas: «Fazei-nos justiça»? Se, ao rezar, nos encontramos de verdade com Deus, como não somos capazes de escutar com mais força as exigências de justiça que chegam até ao seu coração de Pai?

A parábola interpela-nos a todos os crentes. Seguiremos alimentando as nossas devoções privadas esquecendo quem vive no sofrimento? Continuaremos rezando a Deus para colocá-lo a serviço dos nossos interesses, sem que nos importem muito as injustiças que há no mundo? E se rezar fosse se esquecer de cada um e procurar do lado de Deus um mundo mais justo para todos?

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