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Neto, morte e justiça: Lula, Arthur e Moro

por Marcos Monteiro*

Misturar neto, morte e justiça neste texto é responsabilidade de quem escreve. E é carnaval, festa de todas e todos, que esses três foliões só podem participar mascarados. A morte, criança travessa, muitas vezes natural e até benevolente, ensaiou passos terríveis, aterrorizando as festas e atrapalhando o ritmo do bloco da esperança. Morreu Arthur, o neto de Lula, o preso político perseguido sistematicamente pela justiça de Moro. A ala das crianças canta todos os chorinhos possíveis e a justiça esqueceu a balança e foi para as ruas com a espada, disfarçada de Marte.

As crianças que fomos e as que não conseguimos ser são liberadas durante o carnaval, catarse coletiva, estética meio psicanalítica, que distendemos sempre por bem mais dos que os três dias oficiais, prolongando um antes, para respeitar as cinzas do depois. O carnaval deste ano começou com gosto de cinzas.

Tenho um neto de quatro anos, Heitor, e meu amigo José Renivaldo tem três ou quatro. Falo dele, desse Zé paraibano, porque anota as falas das netas e netos, para escrever sobre Agostinho, o de Hipona. Não sei se fez o doutorado na USP em Agostinho para compreender os netos, mas sei que através dos netos compreende melhor Agostinho. Estava pensando aqui que Agostinho não teve o privilégio de netos, porque o filho Adeodato morreu adolescente. Se ele pode ser considerado o pai da sociedade ocidental, somos uma civilização sem netos que, teimosamente, à sua revelia nos tornamos avós. E viva o carnaval e a transgressão.

Luiz Inácio estava preso pela justiça que persegue avós, mas foi liberado para o funeral de Artur, atingido por essa morte que não respeita crianças. Luís é Lula, porque no Nordeste todo Luís é Lula, como todo José é Zé. Com todo orgulho. Quem conhece a história mais pitoresca de Lula sabe do seu lado de criança e sabe que com Artur, neto e avô se confundiam. Porque os netos servem para nos guiar novamente à infância, idade em que o amor e o corpo são naturais.

Agostinho tentou nos legar uma história desconfiada do amor e do corpo. Amar a Deus acima das pessoas, amor sem carne, sem osso, sem sexo, mascarado de amor cristão. Mas, apesar de Agostinho, católicos e protestantes estaremos no carnaval. Os protestantes chegando devagar, mas um grupo cada vez mais expressivo. Afinal, é preciso respeitar Lutero e Calvino, os quais, apesar das reformas que empreenderam, foram mais agostinianos do que Agostinho e, apesar de rejeitarem o celibato, prescreveram uma sociedade tão casta que proibia as festas e a alegria. O juiz Moro é protestante, de tradição batista, os quais somos uns calvinistas meio bizarros. Então, eu me pergunto, como figura pública participará do carnaval? Com que fantasia? Ou se abrigará em um retiro, esses estranhos mosteiros protestantes, ocasionais?

Nessa mistura toda, o que está mesmo em pauta é o futuro, ou a sociedade de nossos netos. Lula tentou e conseguiu uma redistribuição de renda das mais inesperadas da história da humanidade, talvez porque acredite em outros mundos, como as crianças. Mas ficou cada vez mais claro que sem uma redistribuição de justiça e de alegria não haverá uma redistribuição permanente de igualdade. A festa de todas, o carnaval, carrega as contradições da sociedade, o camarote e a pipoca, e todas as violências tentam dançar. E conseguem. Teremos no futuro um carnaval com mais equidade? O projeto em andamento não é esse.

O “Brasil acima de tudo” é um bloco de mascarados, cujo enredo não é bom nem para as avós nem para os netos. Nem para o Brasil. Se depender do apoio dos protestantes e de parte dos cristãos, no futuro ideal não teremos mais carnaval. Teremos desfiles ou de militares, ou de trabalhadores autômatos. Aprenderemos a viver enfileirados, prestando continência e apertando parafusos, sob a sloganização educativa e a vigilância dos milicianos. Lula chorou descontroladamente no enterro de Artur. Um convite a chorarmos pelas nossas avós e pelos nossos netos.

Maceió, 03 de março de 2019. Publicado originalmente no blog do autor.

Foto de capa: Arquivo pessoal / Divulgação Arthur Araújo – via Gaúcha ZH.

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