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Negra e feminista: A pastora evangélica que defende a liberdade de Lula

via Brasil de Fato*

Cleusa Caldeira foi uma das lideranças do ato inter-religioso na vigília pela liberdade do ex-presidente em Curitiba

“Eu sou uma das primeiras pastoras mulheres da igreja e eu acho que a única na instituição que tem consciência de negritude”, afirma Cleusa Caldeira, de 42 anos. Ela é pastora da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil em Curitiba e tem acompanhado as manifestações de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ao lado de religiosos de outras denominações, do catolicismo ao candomblé, ela participou de um ato inter-religioso durante a vigília permanente pela liberdade do ex-presidente, que ocorre na capital paranaense desde o dia 7 de abril.

Cleusa nasceu no interior do Paraná e teve contato com a experiência religiosa quando se mudou para Curitiba, ainda adolescente. Ela decidiu estudar teologia em Londrina, pois tinha vontade de se tornar pastora.

Já à frente da igreja, foi o contato com a teologia negra e feminista que despertou a consciência de que ela era uma mulher negra. “Fazendo parte de uma igreja da tradição protestante, em geral, não há negros nas igrejas mais históricas; e, quando há, são poucos os negros que têm consciência de sua negritude.”

Esse embate entre uma teologia eurocêntrica e o reconhecimento pessoal de sua negritude levaram a pastora à academia. Ela fez mestrado em teologia na Pontifícia Universidade do Paraná e completou o doutorado na Faculdade Jesuíta em Belo Horizonte.

A pastora se contrapõe a todas as pautas da bancada evangélica, que possui 193 parlamentares na Congresso Nacional. Ela defende, por exemplo, que o aborto é uma questão de saúde pública que está muito relacionada à vida de mulheres negras e pobres.

“A bancada evangélica e outros pastores criam narrativas como se eles fossem os donos da verdade. Eles manipulam Deus em prol de si mesmo. E aqui nós estamos dizendo: Deus está onde o povo está. Deus se revela onde as pessoas estão sofrendo pela opressão do outro”, afirma.

Caldeira relata que seus posicionamentos são bem recebidos pela comunidade religiosa que frequenta. “É uma coisa nova, uma pessoa se declarar negra e feminista, mas eu também não sou a única. Há no país um movimento grande de pastoras”, pondera.

Para ela, as religiões também tiveram papel central na criminalização dos movimentos populares e de partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT).

“Esse nível de violência que chegou em relação ao PT foi antes legitimado por um discurso religioso. E isso vem acontecendo desde a história da fundação das Américas. Se demoniza um inimigo, para legitimar o aniquilamento deste inimigo”, declarou.

No dia seguinte à prisão de Lula, no dia 8 de abril, o arcebispo de São Paulo, o cardeal Dom Odilo Scherer, repreendeu a participação de Dom Angélico na missa em homenagem a ex-primeira dama Marisa Letícia, em São Bernardo do Campo (SP). Scherer lamentou o que ele chamou de “instrumentalização política” do ato religioso.

A pastora evangélica refuta a ideia de que política e religião não se discutem. “A gente vive em um Estado laico, mas nós estamos vendo que a religião está ditando para onde o Estado deve caminhar”, afirma ela. “Quando se legitima uma bancada politicamente que ela se posiciona religiosamente, em pautas políticas, então temos que discutir religião também”.

Segundo Caldeira, estar presente nos atos é uma questão de reparação histórica: “A América Latina e o Brasil foram estruturados na exclusão de povos originários e indígenas que já estavam aqui e, também, a escravização da população negra. Por muitos anos, os religiosos não estavam do lado deles. Não nos defenderam”.

E é por este motivo que ela reitera a sua posição: “Eu me declaro mulher negra e feminista para dizer que não é uma cristã falando por nós. Eu falo, porque eu estou, de fato, enraizada deste lado da história. Eu faço parte disso aqui”, finaliza.

Texto de Rute Pina, publicado por Brasil de Fato, 19/04/2018. Edição: Juca Guimarães.

Foto de capa: Joka Madruga/Agência PT

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