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Luta contra a morte da morte indígena

Luta contra a morte da morte indígena

“O perigo que correm os mortos de serem por assim dizer, mortos mais uma vez, lança uma luz paradoxal sobre a resistência do poder ditatorial, depois democrático, a procurar identificar os desaparecidos (…) Tratar-se-ia mais ainda de afirmar que cabe ao poder político decidir o destino dos mortos e as ‘leis não-escritas’ dos sobreviventes” (1)

A epígrafe retirada de texto da professora Jeanne Marie Gagnebin levanta a seguinte pergunta: se em um país onde se tem dificuldade em reconhecer crimes cometidos contra os cidadãos nos regimes autoritários imaginem sobre os índios – sujeitos que nem são considerados pessoas. A falta de crédito dos indígenas está relacionada ao desconhecimento de uma história do Brasil mais ampla que não só se estabeleça a partir da invasão europeia dos quinhentos. Isso porque, temporalmente, a maior parte de nossa história foi "apagada", "deletada" de qualquer espaço na memória oficial. O que nos resta dessa cirurgia histórica é que pouco se sabe dos povos originários até pela débil sobrevivência dos descendentes hoje. Contra isso se deve costurar uma reconstrução do conhecimento para ao menos decidir politicamente o “destino de seus mortos” e ao mesmo tempo melhor perceber a sobrevivência de seus descendentes hoje.

O desprezo varguista

No geral, as populações originárias sempre foram postas sobre o tratamento virulento desde a colonização brasileira. É o dado que pode ser mais observado quando se afunila o olhar para os governos autoritários, sendo mais vitimados entre os períodos das ditaduras brasileiras. Para destacar isso, pinçamos dois dados históricos retirados de instâncias oficiais da estrutura estatal brasileira. O primeiro instante digno de nota ocorreu durante o governo Vargas. Selecionou-se não diretamente uma intervenção violenta desse estado, mas sim, uma forma velada de desprezo/silenciamento. O que demonstra uma operação de violência sobre eles. O ocorrido foi quando o iminente antropólogo belga Claude Levi-Strauss demonstrou o interesse de vir ao Brasil para fazer pesquisas e ministrar aulas na então formada Universidade de São Paulo.

O estudioso se direcionou à embaixada brasileira levando seus documentos e informando oficialmente que gostaria de candidatar-se a docência no Brasil. Ao consultar o embaixador brasileiro, Luis de Sousa Dantas, disse: “Índios? Infelizmente, prezado cavalheiro, lá se vão anos que eles desapareceram”. Mesmo com a informação do embaixador Luis de Sousa, Claude Levi-Strauss viveu no Brasil entre 1935 e 1939. Embora seu embaraço inicial, a estadia no Brasil foi muito propícia, acessando uma quantidade de populações indígenas relatados em sua obra de referência: “Tristes Trópicos”, publicada em 1955.

A violência da ditadura

Outro momento punitivo dos índios na história do Brasil foi a ditadura civil-militar entre 1964 e 1985. Nele destaca-se o período de novembro de 1967 a março de 1968, quando se produziu um relatório pela Comissão de Investigação do Ministério do Interior presidido por Jader de Figueiredo Correia, chamado de “Relatório Figueiredo”. Em seus documentos se descreve os crimes registrados a partir de 1963 pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), mobilizada por conta da repercussão fora do Brasil de casos como o assassinato, em 1960, de 3.500 índios cinta larga, envenenados com arsênico. O relatório descreve detalhadamente uma tipologia com diferentes crimes cometidos no País. Entre os seus conteúdos, a pesquisa do mestrando André Luis Sant’Anna, no programa de Relações Étnico-Raciais da CEFET-RJ, informa que os “espancamentos, independentes de idade ou sexo, participavam de rotina (…). O ‘tronco’ era, todavia, o mais encontradiço de todos os castigos". Segundo Andre Sant’Anna o relatório informa as condições das carceragens nas quais os índios eram submetidos como em “Nonoai, uma cela de tábuas apenas, com pequeno respiradouro, sem instalações sanitárias, que obriga o índio a atender suas necessidade fisiológicas no próprio recinto da minúscula e infecta prisão, apontada pelo chefe do Posto, Nilson Assis de Castro, como melhoramento de sua autoria. Realmente o cárcere privado anterior lembra presídios de Luís XI, da França. Uma escura caixa de cerca 1,30 x 1 metro, construída dentro de um imundo pavilhão de pocilga e estrebaria".

Ou seja, o relatório descreve alguns milhares de crimes praticados “contra a pessoa e o patrimônio indígena, massacres e extermínios, esbulho e venda ilegal das terras indígenas, desvios de verbas, fraudes, roubos, suborno, falsificação de documentos”, como escreve o indianista José Ribamar Bessa Freire. Portanto, o “Relatório Figueiredo” é um importante documento que começa a ser estudado como ‘ponta do iceberg’ no tratamento dados aos indígenas naquele período da ditadura militar, entre 64 e 68. Contudo, pelo próprio lastro temporal do relatório, muito pouco se sabe sobre o tratamento dado aos índios nos demais “anos de chumbo” da ditadura. É ingenuidade acreditar que a questão se apaziguou, porque se reconhece que deste período em diante foi maior a penetração do agronegócio, das madeireiras e dos grileiros terras adentro do Centro e do Norte brasileiro. Avançaram a geografia despojando ainda mais os territórios indígenas e seus povos. Como a doutora em história econômica, Sonia Regina de Mendonça, afirma, os setores latifundiários, do agronegócio, os pecuaristas, os grileiros e os madeireiros desde o período da ditadura e até hoje são alguns dos setores mais beneficiados pelo estado brasileiro. Se beneficiando com o “esquecimento dos mortos” indígenas, se tornaram os reais interessados na grilagem, compra e vendas de terras indígenas. Por isso, financiam seus representantes, a bancada do agronegócio, na luta para se rever a política das reservas indígenas.

Lutando pela não morte da morte indígena

O trato do “Relatório Figueiredo”, de toda informação, debate sobre o indígena ao longo da civilização brasileira e urge como uma prioridade da problematização historiográfica. Essa guinada metodológica serve para tensionar o status quo higienizador (branco e europeu) no qual opera o silenciamento do passado, como lembra o anjo da história Walter Benjamin sobre o autoritarismo nazista que não permitia “libertar do conformismo uma tradição que está sendo por ele violada”. Benjamin escreve ainda que o antídoto para o “conformismo” seria “um historiador convencido de que um inimigo vitorioso não vai se deter, nem diante dos mortos – somente esse historiador saberá insuflar no coração mesmo dos acontecimentos uma centelha de esperança. Até agora, e nesse momento, o inimigo ainda não cessou de vencer”.

Somente o leitor no presente (o historiador, para Benjamin) convencido de que o inimigo não vai “cessar de vencer” (preservando a cegueira da tradição) é interessado de que se encontre os restos do passado indígena. Assim, a centelha de esperança sobre os índios desprezados pela história oficial (inicialmente) advém também do debulhar dos documentos de como foram violentados pelos ditadores do passado. Sem dúvida, uma dolorosa atualização histórica, mas que de forma geral pode vir a barrar os tons autoritários que colorem a presente democracia brasileira – até porque, desde a ditadura, os “vitoriosos” seguem sendo os mesmos.

 

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