A linguagem é parecida com a de um romance. Mas lamentavelmente é notícia grave, da matança contínua e marca da imoralidade e da injustiça contra as populações kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul. Crime redobrado pela certeza da impunidade, com o compadrio do governo e fazendeiros bem armados – com munição, covardia e nenhuma sensibilidade diante da vida humana. Sem medo do flagrante, nem a necessidade da fuga, e nem temor e palpitação, só possíveis a seres humanos. E sequer o risco do fato chegar às redações dos jornais da capital.
"Quando fevereiro já vai pela metade, em meio a muita chuva", reage o missionário, "o agronegócio já vai fazendo os cálculos dos gordos lucros com a boa safra de soja que começa ser colhida". São estruturas de produção, com exploração da mão-de-obra, arrancando o fruto no prazo para não comprometer o lucro incessante. Mas, para "os povos indígenas da região restam a esperança e a expectativa de que suas terras sejam identificadas, demarcadas e respeitadas. Mobilizações e visitas importantes estão previstas para este final de mês", anota.
O sofrimento humano tem a capacidade de provocar solidariedade em outros povos, cujo desenvolvimento já tem marcas de humanidade. "Do Canadá nos vem um exemplo admirável de solidariedade. Na cidade de Quebec decidiram fazer uma campanha de apoio e solidariedade com a Comunidade do Ypo'i, acampada em sua terra tradicional. Ali sofreram horrores: fome, isolamento, ameaças… E não puderam ainda iniciar seu grande objetivo de conseguir informações sobre o corpo do professor Rolindo assassinado juntamente com Genivaldo, quando do retorno ao tekohá no final de outubro de 2009".
Nosso país ainda é um caso raro de negação do direito a sepultar os mortos. Há os que, além da luta pela vida, zelam pelo direito de preservar a memória dos que lutam pela terra. "Com incrível perseverança e espírito guerreiro, enfrentaram todas essas adversidades para reconquistar um pedacinho de seu território tradicional. E lá estão eles lutando heroicamente contra todo poderio econômico regional, dos fazendeiros e do agronegócio".
A solidariedade é um só tempo um gesto e uma denúncia. "As centenas de cartas enviadas pelos alunos de escolas secundárias de Quebec, Canadá, expressam apoio à comunidade em sua luta pela terra e seus direitos, na certeza de que alcançarão a vitória e um dia poderão viver em paz em sua terra", informa.
"Me chamo Jérémy. Eu me coloco no vosso lugar e compreendo a vossa situação. Eu espero que as cartas que enviamos façam pressão sobre os governantes, para que a vossa aldeia seja livre e que tenham direito à saúde, educação, terra e à liberdade. Eu vos amo muito …". Os gritos dos indígenas assassinados, que empurra o país para o fim da lista macabra dos negam direitos sociais, encontram eco. "Grande confiança. Vocês não estão sozinhos", Jessika; "Queridos Kaiowá Guarani. Hoje fui à escola e todos nós pensamos em vocês. Vos enviamos nosso amor, nossa esperança e sejam fortes", Auclier; "Saudações, povo da comunidade autóctone brasileira, eu vos escrevo para vos dizer que eu creio que vossa causa é justa. Acho horrível essa opressão de todo um povo. Que alcancem vosso direito à terra", Steven.
O que sensibiliza os canadenses, passa desapercebido no Mato Grosso do Sul. "Guarani Kaiowá do Ypo'i, sem dúvida vocês ter ser muito corajosos por preseverar em vossa reivindicação o território ancestral. Continuem com esperança , que um dia vos será feito justiça", C. Véroneau; "Fiquem com a esperança, que a justiça vencerá, nesta terra que é sua, seus antepassados estão cuidando de vocês", Suzanne; "Nós sabemos que vocês vivem momentos difíceis, mas nós trabalhamos pela vossa libertação. Boa coragem."
Não há como olvidar esse sofrimento. Como disse Déborah Duprat, Vice-Procuradora Geral da República, é a maior tragédia humana com populações indígenas na atualidade.