Juventudes

Desvinculação religiosa entre os jovens é maior do que a adesão ao pentecostalismo

O índice de jovens que têm entre 15 e 29 anos e que se autodeclaram sem religião, ateus ou agnósticos é 2% maior do que o da população brasileira que se autodenomina sem religião, mas no estado do Rio de Janeiro esse dado supera “em 7 pontos percentuais o índice nacional”, informa a socióloga Silvia Fernandes, que atualmente vem tentando compreender as razões que levam os jovens a não aderirem a uma religião.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, a socióloga explica que “o jovem sem religião, assim como o adulto sem religião, em geral possui o que temos chamado de religiosidade própria. Isso significa que sua subjetividade pode estar pautada em crenças de diferentes tradições religiosas cristãs ou não”. Silvia explica que entre os fatores que têm contribuído para esse fenômeno estão “desde contestações a normas e condutas institucionais, até o desencanto ou decepção com o universo significativo religioso expresso nas imagens de sagrado que possuíam”.

Silvia Fernandes tem estudado particularmente jovens que vivem na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro e na região metropolitana e frisa que “a desvinculação ou desinstitucionalização religiosa entre os jovens de 15 a 29 anos é maior do que a adesão ao pentecostalismo e isso é muito interessante, especialmente porque sempre se compreendeu que o pentecostalismo nas periferias urbanas seria a alternativa mais plausível, graças a sua oferta pragmática de cura e prosperidade”. Esses dados demonstram, explica, que, “ao menos entre a juventude, essa tese não se sustenta mais, uma vez que é exatamente nas periferias e franjas metropolitanas que os sem-religião estão concentrados e, no caso dos jovens de municípios que estamos investigando, superam a adesão ao pentecostalismo. Ateísmo e agnosticismo são posições incipientes em termos numéricos, mas que merecem estudo por estarem em ritmo ascendente”.

Silvia Fernandes foi pesquisadora do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social – Ceris durante muitos anos. Atualmente, é professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, é mestra e doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Dentre outros livros, é autora de Jovens religiosos e o catolicismo – escolhas, desafios e subjetividades (Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2010), Novas Formas de Crer – católicos, evangélicos e sem-religião nas cidades (São Paulo: Promocat, 2009) e organizadora de Mudança de religião no Brasil – desvendando sentidos e motivações (São Paulo: Palavra e Prece, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que significa falar em jovens sem religião? Os jovens que se autodeclaram sem religião são ateus ou agnósticos ou têm alguma crença religiosa, sem estar vinculada a alguma religião?

Silvia Fernandes – Nós podemos considerar que cada uma dessas terminologias é constituída por vários tipos. O jovem sem religião, assim como o adulto sem religião, em geral possui o que temos chamado de “religiosidade própria”. Isso significa que sua subjetividade pode estar pautada em crenças de diferentes tradições religiosas cristãs ou não. É curioso notar que alguns que se denominam agnósticos podem acreditar em “alma”, por exemplo. Há aqueles que se declaram sem religião simplesmente porque deixaram de frequentar os cultos ou ritos de sua religião. Na verdade, alguns deles oscilam entre a autodeclaração “sem religião” e a de “evangélicos” ou “católicos não praticantes”.

Vários deles [jovens] passaram por várias religiões até chegarem ao ateísmo, o que mostra que tanto a identidade de “sem religião” quanto a de ateu ou agnóstico perfizeram-se processualmente ou estão ainda em construção

Em nossa pesquisa, temos visto que, em alguns casos, a identidade “sem religião” pode ainda não estar totalmente consolidada ou sedimentada, representando, portanto, um momento de transição. No caso dos ateus e agnósticos ocorre algo semelhante. Há diversas modalidades de ateísmo e agnosticismo juvenil, mas o que temos visto é que, geralmente, ambas as identidades são decorrentes de experiências que os jovens interpretam como negativas ou traumáticas em suas vidas e que os levaram a abandonar a religião anterior ou as religiões anteriores. Sim, porque vários deles passaram por várias religiões até chegarem ao ateísmo, o que mostra que tanto a identidade de “sem religião” quanto a de ateu ou agnóstico perfizeram-se processualmente ou estão ainda em construção.

IHU On-Line – Em que consiste sua atual pesquisa sobre jovens urbanos sem religião? Em que centros urbanos a pesquisa está sendo desenvolvida?

Silvia Fernandes – Estamos pesquisando jovens sem religião, agnósticos e ateus residentes no Rio de Janeiro e região metropolitana. O ponto de partida para encontrar nossos informantes é a UFRRJ, em seu campus em Nova Iguaçu, onde sou professora. A maioria deles reside em municípios da Baixada Fluminense, mas há vários residentes no Rio. Em geral, o informante sem religião, ateu ou agnóstico indica outros colegas ou amigos de sua rede e nós vamos construindo a amostra por meio dessa técnica, também conhecida como bola de neve.

Queremos compreender os processos de desinstitucionalização religiosa e política levando em conta também o papel da família na constituição das identidades religiosas juvenis, seus valores, visões de mundo, incluindo sexualidade, política, humanidade. É importante identificar os diferentes fatores sociais e subjetivos que orientam as escolhas dos jovens quando o assunto é religião e política, por exemplo, e tentar compreender se a trajetória dos pais e familiares tem algum peso em suas escolhas, inclusive no que diz respeito ao abandono das instituições religiosas.

Sob uma perspectiva mais macro, a pesquisa quer explicar um dado censitário importante: entre os jovens de 15 a 29 anos – faixa etária de nosso estudo – o índice dos que se declaram sem religião (10%) é superior ao da população brasileira (8%), e no Rio de Janeiro o índice é de quase 15%, superando em 7 pontos percentuais o índice nacional. A faixa etária em que há mais pessoas sem religião no Brasil, proporcionalmente falando, é exatamente a que compreende os 15 aos 29 anos de idade.

IHU On-Line – Por quais razões os jovens têm optado por serem ateus ou agnósticos?

Silvia Fernandes – Até o momento, o rol de motivos inclui desde contestações a normas e condutas institucionais até o desencanto ou decepção com o universo significativo religioso expresso nas imagens de sagrado que possuíam. Alguns relatos manifestam o desencanto por não terem sido atendidos em seus pedidos em momentos dramáticos da vida. Em alguns casos houve perdas familiares e, consequentemente, eles deixaram de acreditar na eficácia da religião ou perderam a fé. Em outros, passaram a questionar determinados aspectos da instituição religiosa.

Um jovem sem religião de vinte e dois anos nos conta que acredita em Deus e tentou vincular-se a alguma religião em razão do apelo dos pais ou familiares. Sua trajetória foi kardecismo, catolicismo e Igrejas evangélicas e sua maior crítica está relacionada a esse último segmento por considerar que há “exploração comercial” por parte de muitas denominações. No catolicismo ele questiona a devoção a santos e o que chamou de “clima pesado de obrigação”.

Uma perspectiva mais racionalista também é presente em alguns discursos apontando leituras científicas e acesso ao conhecimento como um dos fatores que os leva ao agnosticismo e ateísmo. É importante ressaltar que até o momento nossos entrevistados são majoritariamente universitários.

Na maioria das vezes eles passam por um processo de “conversão” ao estado de sem religião, ao ateísmo e ao agnosticismo e essas diferentes identidades são assumidas a partir de um dado momento nas trajetórias que, na maioria dos casos, foram anteriormente marcadas pela dimensão religiosa. Até o momento da pesquisa é possível afirmar o caráter processual da formação da identidade juvenil sem vínculos institucionais.

IHU On-Line – É possível identificar qual é o perfil dos jovens que se dizem ateus ou agnósticos e o daqueles que se identificam com alguma religião?

Silvia Fernandes – Como a coleta de dados está em andamento, ainda não é possível identificar se alguma variável terá peso nessa distinção. Mas a classe social, por exemplo, não parece ser uma delas, pois há ateus e agnósticos nas camadas altas, médias e populares. Do mesmo modo, há jovens religiosos nos diferentes estratos sociais. Em relação aos sem-religião, há um clima de contestação de verdades e doutrinas que chama atenção em algumas narrativas e isso nos faz perceber que, se por um lado, determinadas Igrejas, como a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), conseguem montar um exército juvenil como, por exemplo, os chamados “Gladiadores do Altar”, por outro, a desvinculação ou desinstitucionalização religiosa entre os jovens de 15 a 29 anos é maior do que a adesão ao pentecostalismo e isso é muito interessante, especialmente porque sempre se compreendeu que o pentecostalismo nas periferias urbanas seria a alternativa mais plausível, graças a sua oferta pragmática de cura e prosperidade.

O que temos visto é que, ao menos entre a juventude, essa tese não se sustenta mais, uma vez que é exatamente nas periferias e franjas metropolitanas que os sem-religião estão concentrados e, no caso dos jovens de municípios que estamos investigando, superam a adesão ao pentecostalismo. Ateísmo e agnosticismo são posições incipientes em termos numéricos, mas que merecem estudo por estarem em ritmo ascendente.

IHU On-Line – Como jovens de diferentes estratos sociais se relacionam com a religião? A condição econômica ou social dos jovens tem alguma influência na adesão religiosa? Nesse sentido, na relação dos jovens com a religião, há distinções entre os jovens que vivem nas periferias e os jovens que vivem em outras regiões?

Silvia Fernandes – De certo modo, essa questão está respondida acima. Na verdade, nas periferias os jovens têm nas Igrejas um espaço importante de lazer, sociabilidade e encontro. Em geral, eles organizam os eventos e convocam os amigos para atividades relacionadas a música, teatro, retiros e “acampamentos”. Esses últimos têm sido frequentes e reúnem jovens com o objetivo de promover momentos de lazer e evangelização, tentando atrair novos adeptos ao catolicismo ao mesmo tempo em que visam fortalecer a adesão. É importante dizer, contudo, que a presença de jovens nas Igrejas é escassa, seja no catolicismo ou no pentecostalismo. O alto número de templos pentecostais e neopentecostais não tem relação com possíveis demandas religiosas dos jovens, mas com o empreendedorismo de pastores e pastoras que têm inovado na expressão da cultura brasileira, trazendo ritmos e discursos facilmente compreensíveis, capazes de atrair mais adultos e idosos do que a juventude.

Então, quando se analisa o pertencimento juvenil às Igrejas em municípios periféricos, o número relativo é baixo. Por exemplo, de acordo com o censo 2010, em alguns municípios da Baixada Fluminense, como Nova Iguaçu, na faixa etária dos 20-24 anos havia 18.781 jovens católicos, 12.624 pentecostais e 18.252 sem religião. Essa tendência aparece também no Rio e em outros municípios da região metropolitana. Diferentemente do que se poderia pensar em termos de atração da juventude para o pentecostalismo nas periferias, a desinstitucionalização religiosa tem se apresentado como um fenômeno mais frequente e ainda pouco estudado, desafiando tanto o catolicismo quanto o pentecostalismo. Temos, basicamente, neste segmento etário, católicos e sem-religião liderando o ranking no que se refere às escolhas – ou não escolhas – religiosas institucionalizadas. Nesse caso, estou me referindo aos números relacionados apenas às Igrejas pentecostais, e não a todo o universo evangélico. Se consideradas as tradições protestantes em geral, a adesão juvenil às Igrejas evangélicas supera a da Igreja Católica na região e os sem-religião estão em maior número do que os jovens pentecostais na faixa dos 15 aos 29 anos.

Em estudos anteriores que realizamos tanto nas paróquias católicas quanto nas Igrejas evangélicas, os líderes – padres e pastores – declaravam ser difícil não apenas atrair, mas também trabalhar com a juventude. Parte dessa dificuldade está relacionada com a incapacidade de determinadas denominações em compreender os interesses juvenis e as mudanças no desenho de sua religiosidade. Um mosaico que aproxima cultura e religião de modo muito estreito ainda soa estranho a setores da Igreja católica, por exemplo, que é menos propositiva e mais normativa.

Diante disso, qual seria a equação posta? Se por um lado as Igrejas funcionam como espaços de sociabilidade juvenil nas periferias urbanas para aqueles que já participam, por outro, os jovens que não possuem religião nesses mesmos ambientes não parecem atraídos pelas atividades oferecidas pelas instituições religiosas. Desse modo, ainda que as visitem como espaços de lazer e encontro, nelas não permanecem mantendo a dinâmica da circulação e trânsito religioso que pode levar ao ateísmo e agnosticismo. Disso resulta que a visita às Igrejas em razão do convite dos amigos não é fator determinante para que estabeleçam vínculos mais sólidos com a religião, e este é um dado muito importante. A identidade “sem religião” é mais frequente nesses ambientes, sugerindo um novo modo de expressar a própria religiosidade, e esse modo balança as formas tradicionais de participação e vínculo.

Há, contudo, que se fazer distinções importantes. O catolicismo tem atraído essencialmente jovens de orientação carismática (independentemente do perfil socioeconômico), o que significa dizer que eles são mais participativos; mais assíduos e fortemente mobilizados para a música, celebrações mais efusivas, teatro e outras atividades que imprimem traços do religioso em atividades consideradas seculares no ambiente juvenil. As bandas e grupos de música de católicos confundem-se facilmente com as bandas evangélicas e perde força a liturgia tradicional entre uma parcela da juventude, bem como os modelos catequéticos que incluem os ritos de transição (catequese, grupo de jovens; preparação para determinados sacramentos etc.) não atingem o efeito de longa duração. Isso já foi possível verificar por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Brasil, no ano de 2013, em que os grupos católicos de orientação carismática dominaram a cena com sua devoção ao chamado “terço da misericórdia” e suas bandas com acento no estilo gospel; suas canções cujas letras são marcadas pelas palavras “espírito santo”, “glória” e “aleluia”, aproximando as linguagens católica e neopentecostal.

IHU On-Line – Que tipos de religiões têm tido mais aceitação entre os jovens? Por quê?

Silvia Fernandes – Em termos quantitativos os segmentos juvenis seguem a tendência nacional: católicos, evangélicos pentecostais e sem religião. Mas, em termos qualitativos, observa-se simpatia pelo espiritismo, principalmente entre os jovens adultos de 24-29 anos. Provavelmente em razão do avanço do movimento de ação afirmativa, há ainda muitos jovens simpatizantes das religiões afro-brasileiras, especialmente no ambiente universitário que temos pesquisado. Espiritualidades difusas e diversas integrando práticas de autoconhecimento, consciência ambiental e perspectivas holistas também atraem jovens, particularmente os de camadas médias.

IHU On-Line – Alguns têm avaliado que uma parte considerável dos jovens católicos brasileiros têm assumido uma postura mais tradicional em relação à religião e às doutrinas da Igreja. Tem percebido esse tipo de postura? Como compreende esse movimento?

Um mesmo jovem pode assumir posições mais conservadoras – no sentido de manutenção de uma norma ou doutrina – e estar inserido numa lógica modernizante quanto à própria sexualidade

Silvia Fernandes – Bem, falar de “jovens católicos brasileiros” torna obrigatória a relativização desse universo definitivamente não homogêneo. Precisamos estar atentos para não enquadrar a imensa diversidade que constitui o catolicismo em apenas duas vertentes que seriam os conservadores e os progressistas, embora você tenha usado o termo “tradicional” em lugar de “conservador” na formulação de sua questão. Na verdade, um mesmo jovem pode assumir posições mais conservadoras – no sentido de manutenção de uma norma ou doutrina – e estar inserido numa lógica modernizante quanto à própria sexualidade; ou relativizar o rito romano tradicional e implementar músicas não litúrgicas nas missas; ou ser contrário ao aborto e favorável ao uso de preservativos, tensionando posições oficiais da Igreja católica. Observamos essa disposição em vários jovens brasileiros católicos que vivem nos Estados Unidos, mas no Brasil também é comum. Muitos que são tidos como mantenedores da tradição mostram-se mais liberais quando o assunto é sexo antes do casamento, por exemplo. Todas as pesquisas de opinião com jovens católicos, inclusive participantes de paróquias, como a que realizei na Baixada Fluminense – mostram que eles são mais permissivos do que os evangélicos quando o assunto é sexualidade.

Por isso, nós que pesquisamos a relação entre juventude e religião, catolicismo, pentecostalismo e juventude, precisamos sofisticar um pouco mais as categorias que temos usado para definir os jovens católicos ou de outras correntes cristãs. Mas, eu diria, não puramente em um esforço teórico, mas, sobretudo, por meio de observação e escuta. Tenho defendido a emergência de uma sociologia compreensiva nos estudos da relação entre juventude e religião, especialmente para problematizarmos determinadas categorias que vimos usando e que na atualidade já não nos ajudam a entender as mudanças e as diferentes orientações juvenis muitas vezes no interior de uma mesma corrente do próprio catolicismo. É importante investir cada vez mais em estudos que não apenas nos mostrem o relevante quadro geral de pertencimento religioso juvenil, como o censo, mas que nos permitam explorar as visões de mundo dos jovens, ouvindo suas próprias narrativas, acompanhando suas práticas e conexões no universo virtual e não virtual, nas redes de interações que estabelecem e no tipo de produto cultural ou material que consomem e produzem.

Outro fator importante que pode ajudar a explicar a orientação atual de boa parte dos jovens católicos que atuam nas Igrejas é que há uma geração que não conheceu outro modelo de Igreja a não ser o que se apresenta pelas mãos da Renovação carismática, seja com suas comunidades de vida e aliança, seja por meio das bandas musicais. A emergência de movimentos de orientação carismática favoreceu e estimulou grupos juvenis que preservam a doutrina e enfatizam a identidade católica enquanto subtraem a visibilidade de outros grupos atuantes no catolicismo.

É claro que não podemos, entretanto, entender a reorientação da adesão católica juvenil se não admitirmos que a Igreja Católica no Brasil vem se reorientando há algumas décadas, abrindo mais espaço para as chamadas novas comunidades de orientação carismática e tendo dificuldades e baixo incremento na renovação de lideranças com perfil mais voltado para a justiça social e política como os que existiram em décadas anteriores por meio das pastorais da juventude tradicionais. Isso se deu muito em função da perplexidade institucional diante do rearranjo do campo religioso brasileiro composto por diversas tradições religiosas e por um neopentecostalismo ágil, diverso e desafiador para a hegemonia católica.

A modernização da sociedade brasileira acontece de modo não linear, com um pluralismo intenso e surpreendente em função da expansão cultural que se intensifica pelas novas mídias e aparatos virtuais. A juventude está nesse caldeirão e o compõe ora desejando manter as tradições para assegurar suas escolhas sem se perder, ora reagindo às tradições e buscando caminhos alternativos que as questionam. A presença de jovens católicos cujo perfil prima pela tradição inconteste me parece uma reação à temperatura do caldeirão da modernidade que pode tornar seus modos de estar no mundo um tanto quanto caóticos. Mas não estamos em um jogo em que predomina a tradição inconteste. Isso é perceptível em discursos de jovens católicos universitários.

IHU On-Line – Numa das suas pesquisas com jovens pentecostais e católicos na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, a senhora conclui que jovens pentecostais apresentam maior nível de escolaridade do que os católicos. Como interpreta esses dados?

A emergência de movimentos de orientação carismática favoreceu e estimulou ​​grupos juvenis que preservam a doutrina e enfatizam a identidade católica enquanto subtraem a visibilidade de outros grupos atuantes no catolicismo

Silvia Fernandes – Nossas salas de aula na UFRRJInstituto Multidisciplinar estão cheias de alunos de orientação evangélica, de diferentes denominações. O que tenho observado é que eles tendem a ser bastante disciplinados e assíduos, o que me faz lembrar das teses weberianas sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo, isto é, há uma espécie de consequência não intencional no dado que você menciona. A moralidade dos jovens evangélicos pode lhes ser aliada no incremento da formação, mesmo se eles são, em sua maioria, originários de camadas populares ou até mesmo em razão disso, pois toda conquista que lhes renda inclusão social lhes é muito cara. À época da pesquisa muitos jovens evangélicos adiavam a entrevista aos sábados por estarem estudando ou fazendo cursinhos. Identificamos também estímulo dos pastores para que os jovens procurassem estudar, trabalhar e conseguissem seu lugar ao sol e isso, de certo modo, faz a diferença na vida deles.

IHU On-Line – A partir da sua pesquisa, diria que a imagem de Deus e da própria religiosidade como visão de mundo tem sido reformulada ou não entre as novas gerações?

Silvia Fernandes – Sim. Há reformulações nas representações sobre a imagem de Deus, mas as duas imagens predominantes são a de um “pai que ama e se preocupa com cada homem/mulher” e a ideia de que “Deus é amor”. Como vimos afirmando, esses são modos de crer que revelam um ethos majoritariamente cristão mesmo se o imaginário religioso contempla perspectivas mais holistas como a ideia de que Deus é “energia” ou a “natureza”.

Pesquisar as relações e conexões dos jovens com o universo religioso sempre nos abre excelentes janelas de análise, porque revela também seus anseios e expectativas frente a uma modernidade que avança com retrocessos, impactando diretamente a relação deles com a sociedade e suas instituições.

Fonte: Por Patricia Fachin, publicado no portal do Instituto Humanitas, 25/04/2017.

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