Confira a reflexão da pastora Odja Barros, representante pelo Fórum de Mulheres e Gênero da Aliança de Batistas do Brasil.
Boa meditação!
As mulheres na bíblia
No livro de Números, capitulo 5.11-31, encontramos a descrição de um ritual religioso realizado no santuário e ministrado pelo sacerdote cujo objetivo era mobilizar forças espirituais a favor do homem ciumento, que mesmo sem provas, suspeita de que sua mulher tenha sido infiel.
Somente o homem tinha o direito a submeter sua mulher a este ritual, concedendo a ele mais um instrumento para controlar o corpo e a sexualidade da mulher. O ritual consistia em colocar à prova a mulher acusada dando-lhe para beber uma água de maldição que provocaria amargo sofrimento. Provocando esterilidade e inchaço no ventre. O ritual era completamente abusivo e violento ao corpo das mulheres.
O ritual consistia nos seguintes passos:
O homem ciumento suspeitando da mulher, sem que haja prova ou testemunha contra ela, a levará ao sacerdote juntamente com uma oferta pelo ciúme. O sacerdote fará a mulher se posicionar na presença de Deus, soltará os cabelos dela e lhe colocará nas mãos a oferta do ciúme e a fará jurar dizendo para mulher:
“Se você não deitou com outro homem, se você, estando sob o domínio do seu homem, não transgrediu para impureza, que essa água amarga que carrega a maldição não lhe faça mal nenhum. Mas se você transgrediu o domínio de seu homem e se tornou impura, dando-se a outro homem em relação sexual, que o senhor Deus faça de você maldição e esconjuro no meio do seu povo, que seu sexo fique murcho e seu ventre inchado.”
E a mulher deve responder: Amém! Amém! Depois o sacerdote escreverá essa maldição num documento e a dissolverá na água amarga preparada com água sagrada e o pó do tabernáculo. E fará a mulher beber.
Na crença sacerdotal se a mulher tivesse “pura” nada lhe ocorreria, mas se tivesse “contaminada” sua barriga incharia e ela se tornaria objeto de maldição pública não sendo mais capaz de ter filhos. Esse era o ritual que toda mulher era submetida quando o marido era tomado de ciúme. Se a suspeita se confirmasse ou não, o marido estava inocente, mas a mulher sofreria humilhação e amargo sofrimento.
- Confira os livros do CEBI sobre Teologia Feminista:
A resistência de Rute e das mulheres
Basta de violência contra as mulheres
Ainda Feminismo e Gênero
Maria, Jesus e Paulo com as mulheres
Onde estão as deusas? Asherah, a Deusa proibida
Código levítico contra os corpos das mulheres
O código legal levítico representado em Números 5.11-31 é uma ilustração de como os códigos legais da cultura bíblica, em diferentes períodos, tratavam o corpo e a sexualidade da mulher. O Código de leis que regia o povo de Israel escrito por homens de uma elite sacerdotal é uma expressão de como as mulheres eram afetadas por um código legal no qual as mulheres aparecem sub-categorizadas como posse/propriedade familiar.
A lei, portanto, tratando a mulher como propriedade, legislava sobre seu corpo afim de evitar prejuízos ao patrimônio do homem-proprietário.
Número 5.11-31 é uma expressão dos valores e prática patriarcal referente ao corpo das mulheres na sociedade israelita. A posição do sacerdote como legislador/mediador entre Deus e a comunidade é exemplificada pelo ritual descrito acima.
Os papeis opressores
O papel do sacerdote era distinguir entre o puro e o impuro, e para tanto, era revestido de autoridade para examinar e decidir se uma pessoa ou objeto era impuro. E prescrever o meio pelo qual a pureza pessoal ou cultural poderia ser alcançada ou restaurada. O controle social estava em grande parte na mão da classe sacerdotal.
As mulheres foram as maiores vítimas de todo sistema sacerdotal do puro e impuro. Neste sistema, o sumo sacerdote era o pretenso mediador responsável por garantir a vida e a paz no meio do povo. Muitos rituais de purificação eram estabelecidos para realizar a “paz” e a “saúde” interrompida pela impureza.
Segundo Sandro Galazzi, nesse projeto, a mulher, e o seu corpo considerado “naturalmente impuro”, se tornaram motivos da ausência do “shalom” de Deus nas casas e no meio do povo. E somente os sacrifícios e os rituais de purificação poderiam trazer de volta o “shalom” interrompido pela impureza. A ideologia sacerdotal com seus contornos patriarcais legislava, portanto contra os corpos das mulheres considerado impuro.
O código levítico, portanto, era em grande medida instrumento de controle e dominação do corpo e da sexualidade das mulheres na sociedade israelita. O útero como parte do corpo da mulher que mais interessava ao Estado e a religião era mantido sob o controle do Estado e a serviço da família e da sociedade, através dos muitos mecanismos legais e religiosos.
PEC 181/15
Uma porção amarga contra o corpo das mulheres
A PEC 181/15 é mais uma dessas porções amargas contra o corpo das mulheres. Preparada com pó sagrado da religião e da política brasileira, para causar humilhação e amargo sofrimento ao corpo e a vida das mulheres, sobretudo, as mulheres pobres deste país.
- Segundo dados de 2016 da Organização Mundial de Saúde, a cada dois dias uma mulher morre no Brasil, vítima de aborto clandestino.
- Diariamente 4 mulheres morrem nos hospitais por complicações do aborto.
Tais dados comprovam que o aborto está entre os principais causadores de morte materna no Brasil e é uma questão de saúde pública gravíssima.
Tais dados revelam que a criminalização da mulher que pratica aborto não tem sido caminho de defesa da vida, mas um caminho de morte. A morte de centenas e milhares de mulheres desprotegidas pelo sistema de saúde pública no Brasil. Os dados são incontestáveis!
Precisamos, em nome do Evangelho, nos perguntar quem está realmente agindo em defesa da vida?
A PEC 181/15, a exemplo de Números 5:11-31, é uma porção de maldição, condenação e morte ao corpo das mulheres. Como mulheres cristãs não podemos dizer Amém!
Confira a nota do CEBI sobre a PEC 181.
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Fonte: A autora, Odja Barros, é representante pelo Fórum de Mulheres e Gênero da Aliança de Batistas do Brasil.