Confira a meditação do evangelho do próximo domingo. O texto de Tomaz Hughes, fala sobre Mt 28,16-20. Hughes era biblista e colaborador do CEBI*.
Boa leitura!
Chegamos ao último trecho do Evangelho segundo Mateus.
Podemos dizer que o evangelho todo culmina na postura dos discípulos, descrita no versículo 17: “Ajoelharam-se diante d’Ele” – uma postura de adoração, de reconhecimento da sua natureza divina.
Porém, o trecho nos adverte que muitas vezes a nossa fé em Jesus também pode vacilar, quando o texto diz: “Ainda assim, alguns duvidaram”.
As comunidades, que podemos chamar de “mateanas”, estavam em crise. Os líderes judaicos de então, diante da fraqueza da identidade judaica da época, insistiam em uma interpretação rígida da Lei e não toleravam qualquer dissidência ou questionamento. Iniciaram, então, um processo de expulsão dos judeu-cristãos da sinagoga, sob a acusação de estarem traindo a religião de Moisés para seguir os ensinamentos de Jesus. Com isso, os cristãos foram obrigados a buscar outros caminhos, fora do judaísmo oficial. Isso gerava uma insegurança que exigia coragem para fazer a nova caminhada diante de tanta oposição, até mesmo dentro da própria família. O Evangelho segundo Mateus nasceu, então, para fazer com que a sua comunidade ficasse firme na fé em Jesus e entendesse que o seguimento de Jesus, longe de ser o abandono das tradições religiosas dos seus antepassados, era na verdade fidelidade à caminhada do povo da Aliança.
Para isso, toda a história de Jesus foi recontada de uma forma tal que os seus discípulos sentissem que ele era o Messias, o Novo Moisés, o Emanuel, Deus no meio do seu povo. Logo no início, quando o anjo de Deus anuncia a José o nascimento de Jesus, o texto enfatiza que o filho “será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco” (Mt 1,23). No meio do Evangelho, falando aos discípulos, o próprio Jesus afirma: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). Agora, na última frase do Evangelho, o Ressuscitado garante que “Eis que estou com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). Jesus era a presença de Deus conosco desde o início. Hoje, ele continua presente nas comunidades e estará sempre conosco em todas as circunstâncias da nossa vida, para sempre.
Depois de um longo escrito de vinte e oito capítulos, o Evangelho termina de uma forma muito resumida. É um texto tão denso em conteúdo que dificilmente a gente pode imaginar como dizer mais coisas em tão poucas palavras. Como gênero literário, reúne elementos das “entronizações” do Antigo Testamento com a missão apostólica.
Em primeiro lugar, vale notar a localização do acontecimento em Mateus: na Galileia. Seguindo o mandamento dado pelo anjo na manhã da Ressurreição (Mt 28,7), os discípulos voltam para a Galileia para encontrar-se com o Senhor Ressuscitado. Aqui, “Galileia” significa mais do que um local geográfico. A Galileia era lugar da missão de Jesus, onde ele serviu os pobres e marginalizados pelo império romano e pela religião oficial. Voltar para a Galileia significava voltar para a prática de Jesus, um afastamento de Jerusalém, símbolo da sede de poder e dominação. Mateus nos ensina que quem quiser encontrar-se na sua vida com o Jesus Ressuscitado deve assumir o seguimento de Jesus na prática das suas opções, aplicadas às condições e desafios da sociedade de hoje. Somente depois vêm as normas, as orientações e as disciplinas. O que significa assumir as opções práticas de Jesus no nosso mundo de consumismo e exclusão, de materialismo e descrença? Cabe a cada Igreja local, a cada cristão indagar-se seriamente nesse sentido.
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Embora haja uma referência à visão que os apóstolos tiveram de Jesus, a ênfase cai sobre as suas palavras. Não há nenhum relato da Ascensão, como existe em Atos (At 1,9-11), pois, para Mateus, ela já tinha acontecido junto com a Ressurreição. As últimas palavras de Jesus poderão ser divididas em três partes, referentes ao passado, ao presente e ao futuro. Jesus declara que toda a autoridade foi dada a Ele no céu e sobre a terra. O verbo está no passado, o que quer dizer que Deus deu a Jesus a autoridade como Filho do Homem. Essa autoridade é a do Reino de Deus (Dn 7,14; 2Cr 36,23; Mt 6,10).
O mandamento missionário se refere ao presente dos discípulos, à sua missão universal e permanente de alastrar o Reino de Deus, para que todas as culturas, raças, etnias e religiões cheguem a ter o conhecimento da verdadeira face de Deus. Assim, Mateus mostra que a Igreja é missionária pela sua natureza. E uma Igreja que não é missionária está traindo a sua natureza e identidade. Missão não é proselitismo, não é angariar novos adeptos para a Igreja, mas é continuar a missão de Jesus, cuja mensagem tem como foco a chegada do Reino de Deus. Assim, somos chamados a sairmos dos limites visíveis das nossas comunidades, para que, em diálogo profético com todas as pessoas de boa vontade, colaboremos para que o Reino de Deus, a vivência da vontade do Pai, se torne realidade no nosso mundo.
Mateus não ignorava as dificuldades inerentes nessa missão. Cinquenta anos depois da Ascensão, a comunidade dele, perseguida e fraca, experimentava a tentação do desânimo. Por isso, Mateus insiste no elemento do futuro, que Jesus está e sempre estará com a comunidade dos discípulos. Por isso, não há porque desanimar diante das inevitáveis incompreensões e dificuldades. Pois, como dizia Paulo, a partir da sua experiência prática de missionário, quando Deus está conosco nada estará contra nós (cf. Rm 8,11).
A festa da Ascensão não celebra o afastamento de Jesus da sua comunidade. Ao contrário, celebra a sua presença de uma forma nova na comunidade missionária dos discípulos.
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Texto partilhado pelo autor. In memoriam.