O contexto social e político sombrio que vivemos aponta debate acerca na democracia e o papel que ela desempenha na reorganização da sociedade brasileira. O que é democracia? Qual seu vínculo com a ação humana e com a ordem social? Que democracia precisamos e como construí-la?
O Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) da Universidade de Passo Fundo (UPF) realizou no mês de agosto de 2016, no auditório da Biblioteca Central do Campus I, a Aula Magna para seus alunos e professores.
O conferencista foi Pedro Pagni, professor da UNESP, campus de Marília, São Paulo. O referido professor é especialista em Filosofia da Educação e estudioso do pensamento pedagógico contemporâneo. A conferência intitulou-se “Ética, democracia e educação”, baseando-se na obra Democracia e Educação, publicada pelo filósofo americano John Dewey, em 1916.
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Esta obra impactou o pensamento educacional mundial, influenciando também o debate brasileiro, sobretudo, pela contribuição de Anísio Teixeira, o qual estudou com Dewey nos Estados Unidos e foi tradutor de suas principais obras para o português.
Quem é John Dewey?
Com a teoria Escola Nova, o autor contrapôs ao sistema tradicional de educação, propondo o modelo de ensino-aprendizagem focado no aluno como sujeito da mesma. A teoria prevê ainda, que a aprendizagem deve partir da problematização dos conhecimentos prévios do aluno. Importante ativista e defensor da democracia, também participou de movimentos em defesa das causas sociais.
A proposta da “metodologia de projetos” surgiu com a sua contribuição e de William Kilpatrick. Dewey acreditava que, mais do que uma preparação para a vida, a educação era a própria vida. Veja mais sobre John Dewey.
Diagnóstico da situação política atual
O professor Pagni iniciou sua conferência com o diagnóstico da situação política atual. Destacou alguns problemas e limites que a democracia representativa brasileira enfrenta.
A democracia como governo da maioria gera seus próprios impasses, na medida que os políticos eleitos para nos representarem passam a cuidar somente de seus interesses pessoais, dos interesses de seus partidos políticos e dos grandes grupos econômicos, os quais os financiam, em suas campanhas eleitorais.
No atual estado de organização política, a democracia representativa, ainda que precária, é indispensável. Não há como pensar o bom funcionamento dos papéis distintos que competem aos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, sem a organização eficiente da democracia representativa. Eleições gerais, com escolha pública dos candidatos por meio do voto da maioria, ainda é o melhor mecanismo oficial para assegurar o funcionamento das instituições.
Se a democracia representativa é indispensável, por si mesma não é suficiente como garantia do bem público, compreendido como algo que pertence a todos. Ela precisa estar ancorada na sociedade civil forte e organizada, a qual, por meio de suas mais diferentes organizações, fiscaliza os representantes eleitos.
John Dewey pensa, em Democracia e Educação, sobre qual seria a melhor forma de vida e de organização social para este novo tipo de sociedade. Daí que desenvolve uma teoria da democracia pensada duplamente, como organização social e como forma de vida.
Vídeo
Confira abaixo a entrevista com Vinícius da Cunha, professor de História da Educação da USP Ribeirão Preto. Neste programa Cunha fala sobre “a influência do pensamento de John Dewey na educação”. Entrevista gravada em 2009.
Quanto maior for a distância entre os eleitos e seus eleitores, menos fiscalização existe. Quanto maior for a autossuficiência e a arrogância do governo, mais espaço livre para a corrupção e para a deturpação do bem público. Tudo passa a ser feito em nome de interesses individuais.
O professor Pagni conhece bem a história da educação brasileira e o modo como as políticas públicas trataram da própria educação. Sua tese, neste contexto, é que predominou e ainda predomina na política brasileira o sentido oligárquico forte de democracia representativa. Em que consiste este modo oligárquico?
O conferencista esclarece que tal modo se apoia na propensão à superioridade e, como base nela, nas relações verticalizadas que acontecem entre o representantes eleitos e aqueles que os escolheram. Oligarquia é o domínio da minoria sob a maioria, tornando-a refém dos interesses da minoria.
O poder econômico nas mãos de poucos grupos sustenta a ambição humana e o desejo de superioridade de uns sobre os outros. Na medida em que a política distancia-se da ética e o sistema político se independiza por completo da sociedade civil, a aliança entre o poder econômico e os partidos políticos fortalece a ambição e a vaidade desmesurada de líderes políticos. Neste contexto, o líder político não deve mais lealdade ética ao seu próprio partido, quanto mais à base eleitoral que o elegeu.
Deturpação da democracia representativa
O que se observa é a deturpação da democracia representativa, pois os representantes passam a representar a si mesmos e aos seus próprios interesses. As políticas públicas que visam o bem comum e o atendimento das necessidades da população são enfraquecidas ou simplesmente ignoradas.
O parlamento, sem força, não aprofunda a reflexão sobre o projeto de país e nem se ocupa com o debate acerca das grandes reformas que o Estado precisa. Não se ocupa com o debate sobre o modelo e o tamanho do Estado.
O contexto social e político sombrio aponta para a necessidade de se retomar o debate acerca na democracia e o papel que ela desempenha na reorganização da sociedade brasileira. O que é democracia? Qual seu vínculo com a ação humana e com a ordem social? Que democracia precisamos e como construí-la?
Estas e outras perguntas motivam a retomada da grande obra Democracia e Educação, de John Dewey. Quando a escreveu, Dewey tinha diante de si um país, os Estados Unidos, em franca industrialização e desenvolvimento, mas com quase tudo ainda por construir, do ponto de vista da organização social e das relações humanas compatíveis com a sociedade plural que começava a se intensificar.
Dewey pensa, em Democracia e Educação, sobre qual seria a melhor forma de vida e de organização social para este novo tipo de sociedade. Daí que desenvolve uma teoria da democracia pensada duplamente, como organização social e como forma de vida.
Vídeo: Educação, cidadania e democracia
O sentido político da educação pode ser colocado sob a perspectiva das relações entre educação, cidadania e democracia, sendo que todas elas estão totalmente ligadas.
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Fonte: texto de Claudio Dalbosco, Doutor em Filosofia e professor na Universidade de Passo Fundo (UPF). Publicado em www.neipies.com.