No encontro, amigos e famílias em comum dão o tom do início da conversa. Somos próximos nos conhecemos desde adolescência. Lembramos das famílias, nossos pais, mães, primos, primas e amigos em geral. Queria saber da igreja, das questões e problemas. Ele, preocupado com minha pertença mais fluida no seguimento – o que me mantém vivo diante de tantos engodos. Ele está quase uma década à frente de uma igreja neopentecostal que atende a alta classe média de Niterói e no Brasil. Desde os apertos de mão, logo percebi algumas diferenças no seu rosto, no cabelo. Sim, porque entre o rosto e o pescoço tinha uma cicatriz de adolescência e o cabelo já estava desfalcado da metade da testa. E já estava nos quarenta e muitos anos, vinha sofrendo o efeito dos hormônios. Tenho liberdade e perguntei pelos ‘truques’. Sem pestanejar disse que fez um procedimento utilizando uma espécie de um tecido sintético para preencher a parte da cicatriz. Nos EUA fez outro procedimento de retirada da parte do tecido capilar e colocaram na parte da frente, onde estava caindo. Falou também de algumas aplicações de botox que faz no rosto esporadicamente.
Repetiu – fez isso porque que seu público ‘pedia’. Logo, entramos no assunto dos filhos: ele tem duas lindas crianças e sabe que não sou agraciado. Falou algo que me chamou atenção. Algumas lideranças evangélicas do Sul dos EUA apoiavam uma espécie de manipulação genética. Para ele, esse era o futuro, pois, assim poderiam fazer humanos ‘melhores’, ‘mais aptos’. Poderiam escolher melhores genes ou até, de acordo com a vontade dos pais, a cor dos olhos, o cabelo e a possibilidade do comportamento dos filhos. Filhos devidamente ‘escolhidos’, ‘eleitos’ pelos pais. Diante das falas empolgadas, não me contive. Perguntei pelo sexo já que estávamos falando de manipulação genética. Com empolgação o pastor me disse que as pessoas nem precisariam se preocupar com isso, já que os laboratórios fariam todos os procedimentos genéticos para reprodução. Explicou que assim seria extirpado o grande pecado da humanidade. Segundo ele, tal prazer trazia problemas ao homem e mulher. Eu incomodado (principalmente) com a falta de sexo, manipulação genética e o conjunto das plásticas que fez, perguntei se tem mais pessoas partilhando desse conjunto de ações e processos. Disse que de seis em seis meses ele e a liderança da igreja iam ao cinturão conservador no Sul dos EUA com ‘fome’ de conhecimento de um líder-pensador que lá os amparava.
Zumbi sintético
Seguiam avidamente as indicações dadas nesses encontros traduzindo para o Brasil o que os gurus indicavam. Fiquei estarrecido com a conversa. Deixei rolar até o fim e as despedidas. Outro detalhe: quando foi embora percebi que estava andando torto, capenga. Fala em alto som que retirou uma costela recentemente para ajudar no esporte e diminuir a barriga. Bom, estou boquiaberto até hoje. Pensei mesmo que fosse brincadeira a conversa – alguma pegadinha. Mesmo não sendo adepto das séries da TV americana de cenários apocalípticos zumbis e vampiros, tornou-se impossível não lembrar das recentes intervenções de Slavoj Zizek sobre o tema no cenário do aprofundamento do capitalismo – no livro Problema no paraíso. Do fim da história ao fim do capitalismo; São Paulo, Zahar, 2014. Lembrei disso quando o vi saindo manco e seu rosto modificado quando falava. Obrigando-me a perguntar: esse sujeito não seria um zumbi moderno? Não seria um homem-zumbi-sintético? Ora, sua aparência artificial, cheio de cortes (milimetricamente disfarçados), intervenções, pecado de carnes em diferentes locais, todo remendado na busca da perfeição estética e, por isso, torna-se feio. Zumbi evangélico alimentado como os primeiros zumbis televisionados, de cérebros, por isso, vai regularmente nos EUA receber ordens. Enquanto isso, mantém uma dieta provisória dos corpos e cérebros dos fiéis fartando-os semanalmente em suas necessidades.
Massa morta-viva
Seu andar torto é fruto do processo de transformação que passa. Suas ideias seguem a lógica de seu liderança. Forma uma massa morta-viva, com pedaços humanos e de partes sintéticas. Dizem nada com nada. Repetem ordens, ideias que alguém lhes dispõe. Balbuciam palavras, sigmas de ordens na busca de mais e mais pessoas/carnes para alimentar/contaminar seu estado. Super-zumbis modernos, maquiados a tal ponto, enfeitado sem nada por dentro. Confesso: quando ouvia, ia negando tudo o que dizia numa reza interna. Não gostaria que tamanha doença contaminasse tanta gente, pois diante dessa vida tétrica, medíocre, sexo é o ponto de inflexão. O gozo, o prazer é o que nos resta diante mesmo de tamanha superficialidade religiosa maquiada.
As falas do pastor-zumbi inspirado no cordão conservador americano têm razão da lógica interventora dos corpos de seu reformador preferido, João Calvino. Ele que, quando no governo em Genebra, indicava para os moradores não terem cortinas para que soubessem o feito nas casas. Por fim, uma retratação. Não acho que tive um mísero encontro com o zumbi-amigo. Não mesmo. Pareceu mais entrevista com perguntas e respostas. O trabalho mesmo foi decodificar o zumbido gospel de ordem maquiada de seu discurso. Obriga a não fugir da afirmação tão batida: amigos, bem-vindos ao deserto do Hell!
*Por Fabio Py, doutorando em Teologia PUC-RJ e bolsista pelo PSDE-Capes no École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS-Paris)