Em seu discurso, o Papa Francisco – com a simplicidade e a humildade de um homem que escuta o povo e aprende com ele – revela-nos: “gostaria de abordar alguns temas mais específicos, que vocês me sugeriram, que me levaram a refletir (reparem: que vocês me sugeriram, que me levaram a refletir!) e que volto a apresentar a vocês neste momento”. Os temas são: “O terror e os muros”, “O amor e as pontes” e “A falência e o resgate”.
No tema “O terror e os muros” destaco o segundo ponto marcante do Discurso de Francisco aos participantes do 3º Encontro Mundial com os Movimentos Populares (EMMP): “este sistema é terrorista: enfrentemos o terror com o amor!”
O Papa – embora reconheça que “este nosso diálogo com os movimentos populares, que se acrescenta aos esforços de muitos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo inteiro, começa a ganhar raízes” – com muito realismo diz: “no entanto, esta germinação, que é lenta e tem os seus tempos, como todas as germinações, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destruidor que age em sentido contrário”.
Com firmeza, Francisco denuncia que “existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança, que seja capaz de mudar o primado do dinheiro e pôr novamente no centro o ser humano – o homem e a mulher. Aquele ‘fio invisível’, do qual pudemos falar na Bolívia, aquela estrutura injusta que une todas as exclusões que vocês padecem, pode consolidar-se e transformar-se num chicote, um chicote existencial que, como no Egito do Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, golpeia sem misericórdia alguns e ameaça constantemente os outros, para abater a todos como gado, até onde o dinheiro divinizado quer”.
O Papa pergunta e, ao mesmo tempo, responde:
“quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita. Quanta dor e quanto medo!”
Francisco continua a denúncia: “existe – como eu disse recentemente – um terrorismo de base que provém do controle global do dinheiro na terra, ameaçando a humanidade inteira. É deste terrorismo de base que se alimentam os terrorismos derivados, como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religioso. Mas nenhum povo, nenhuma religião é terrorista! É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas em toda a parte. Mas o terrorismo começa quando ‘se expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, colocando no seu lugar o dinheiro’ (conferência de imprensa no voo de regresso da Viagem Apostólica à Polônia, em 31 de julho de 2016). “Este sistema é terrorista” (reparem mais uma vez: este sistema – o nosso sistema – é terrorista!)”. Quanta coragem profética nas palavras do Papa!
Numa breve memória histórica, Francisco lembra: “Há quase cem anos, Pio XI previu o afirmar-se de uma ditadura global da economia, à qual ele chamou ‘imperialismo internacional do dinheiro’ (Carta Encíclica Quadragésimo Ano, 15 de maio de 1931, n. 109). Refiro-me ao ano de 1931! A sala onde agora nos encontramos chama-se ‘Paulo VI’, e foi ele que denunciou, há quase cinquenta anos, a ‘nova forma abusiva de domínio econômico nos planos social, cultural e até político’ (Carta Apostólica Octogesima Adveniens, 14 de maio de 1971, n. 44). No ano de 1971!”.
O Papa conclui:
“são palavras duras, mas justas dos meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem há milênios aquilo que tanto escandaliza que o papa repita neste tempo, no qual tudo isto alcança expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores se revoltam contra o ídolo do dinheiro, que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade”.
De maneira categórica, Francisco afirma: “nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Esta é uma chave! Por isso, toda tirania é terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias com massacres, saques, opressões e injustiças explode nos centros, sob várias formas de violência, até com atentados hediondos e infames, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados, de outro”.
Para nos ajudar a refletir, o Papa pergunta: “é esta a vida que Deus, nosso Pai, deseja para os seus filhos?”. E – como um verdadeiro profeta – denuncia novamente a iniquidade da nossa realidade. “O medo é alimentado, manipulado… Porque, além de ser um bom negócio para os comerciantes de armas e de morte, o medo debilita-nos, desestabiliza-nos, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, anestesia-nos diante do sofrimento do próximo e no final torna-nos cruéis. Quando sentimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se propaga a xenofobia, quando constatamos que propostas intolerantes ganham terreno; por detrás de tal crueldade, que parece massificar-se, sopra o frio vento do medo”.
Francisco faz-nos, pois, um pedido: “peço-vos que rezem por todos aqueles que têm medo; oremos a fim de que Deus lhes infunda coragem e que neste ano da misericórdia os nossos corações possam sensibilizar-se. A misericórdia não é fácil, exige coragem! É por isso que Jesus nos diz: ‘não tenhais medo!’ (Mt 14, 27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os remédios antidepressivos e tranquilizantes. Muito mais eficaz do que os muros, as grades, os alarmes e as armas. E é grátis: uma dádiva de Deus”.
O Papa deixa-nos uma mensagem de fé e esperança com um caloroso apelo: “Caros irmãos e irmãs, todos os muros ruem. Todos! Não nos deixemos enganar. Como vocês mesmos disseram: ‘continuemos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração’. (Documento conclusivo do 2º EMMP, 11 de julho de 2015, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor!”.
Escutemos! Não sejamos omissos! Vamos à luta!
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*Por Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG. Publicado em correiocidadania.com.br, 10/02/2017.