De dentro do Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência da República, ela elabora sua cartada final para tentar voltar ao Palácio do Planalto, sede do governo, a cerca de 5km dali – o feito hoje parece bastante difícil de ser alcançado.
Em entrevista exclusiva concedida na sexta-feira, com participação também da BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC), ela contou que divulgará nesta semana os detalhes de sua proposta, em carta direcionada ao povo brasileiro e ao Senado.
Para tentar convencer ao menos 27 dos 81 senadores a votar contra sua cassação definitiva, Dilma vai se comprometer a apoiar a convocação de um plebiscito após seu eventual retorno ao comando do país.
"Estou defendendo um plebiscito porque quem pode falar o que eu devo fazer não é nem o Congresso, nem uma pesquisa, ou qualquer coisa. Quem pode falar é o conjunto da população brasileira que me deu 54 milhões e meio de votos", afirmou Dilma.
Além disso, também pretende comparecer pessoalmente para fazer sua defesa quando o caso for julgado pelo plenário do Senado, entre final de agosto e início de setembro.
"Eu quero muito ir. Depende das condições. Como o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, presidirá (o julgamento), acredito que haverá condições", afirmou.
Sua esperança é que a proposta de plebiscito sensibilize alguns senadores. Cristovam Buarque (PPS-DF), por exemplo, votou pelo afastamento da presidente, mas ainda não decidiu sua posição no julgamento. Ele tem defendido que a melhor saída para a crise seria a eleição antecipada. É a opinião também da maioria da população brasileira, segundo pesquisas recentes.
Para que a petista seja condenada, é preciso que 54 dos 81 senadores votem contra ela. O governo do presidente interino Michel Temer calcula ter cerca de 60 votos pela cassação de Dilma.
A realização de um plebiscito depende de aprovação do Congresso – mesmo que Dilma consiga retornar à Presidência, não poderia convocar a consulta com uma mera canetada. Hoje parece muito difícil aprovar a proposta, já que a maioria dos parlamentares apoia Temer.
A presidente afastada reconheceu a dificuldade à BBC Brasil, mas ressaltou que é necessário apenas o apoio da maioria simples dos congressistas (metade dos presentes na sessão) para convocar um plebiscito.
No entanto, como antecipar a eleição exige uma mudança na Constituição, muitos juristas e parlamentares consideram que proposta só poderia caminhar com apoio de três quintos dos deputados e senadores (quantidade mínima de votos exigida para aprovar uma emenda constitucional).
Image caption Dilma reconhece a dificuldade de aprovar um plebiscito sobre novas eleições, mas diz que é preciso "lutar"
"Acredito que nós temos que lutar para viabilizar o plebiscito. Pode ser difícil passar (no Congresso), a eleição direta foi também. Nós perdemos quando nós defendemos as Diretas Já (campanha pelo voto direto em 1984) e tinha milhões de pessoas nas ruas. Perdemos num momento e ganhamos no outro", afirmou.
Questionada sobre se a antecipação da eleição poderia criar mais instabilidade política, Dilma respondeu: "Essa argumentação foi a última que a ditadura militar fazia. 'Sabe por que a gente não pode fazer eleição? Primeiro, porque causa instabilidade política; segundo, o povo não é capaz de votar e escolher devidamente; terceiro, nem sempre a maioria é lúcida'. Essas três razões nós deram 20 anos de ditadura".
'Gesto tresloucado'
Um outro caminho para antecipar as eleições seria a renúncia simultânea de Dilma e Temer. Questionada pela BBC Brasil se cogitaria propor um acordo nesse sentido, a petista disse que "seria muita ingenuidade da nossa parte (acreditar) que ele teria grandeza de renunciar".
O peemedebista de fato tem rechaçado a ideia. Ela tampouco aceita essa hipótese.
A presidente afastada voltou a dizer que o processo de impeachment é um "golpe" porque não haveria crime de responsabilidade que justifique sua cassação. Já os que a acusam dizem que ela cometeu ilegalidades na gestão das contas públicas.
Image caption Dilma diz que seria "muita ingenuidade" acreditar que Temer renunciaria
"Quando você tem um julgamento de um presidente sem crime de responsabilidade, nada mais oportuno do que esse presidente gentilmente sair da pauta. Não renuncio. Eu volto para o governo e faço um plebiscito. É essa a proposta. Não tem hipótese de eu fazer esse gesto tresloucado: renunciar", afirmou.
"Eu acho que eu vou ser conhecida também como a primeira (presidente) mulher que, apesar de tudo, não deu um tiro no peito, e também não renunciei", reforçou, afastando a sombra de Getúlio Vargas, presidente que se matou em 1954 com um tiro no peito, após forte pressão para que deixasse o governo.
Afastada do comando do país, Dilma tem se dividido entre compromissos no Alvorada, visitas à família em Porto Alegre e viagens pelo país custeadas por uma "vaquinha" que já arrecadou quase R$ 800 mil na internet.
Sua agenda inclui encontros com movimentos sociais, parlamentares e muitas entrevistas – no dia anterior, quinta-feira, havia recebido a imprensa japonesa.
Na conversa com a BBC Brasil, na ampla biblioteca do Alvorada, disse que pouca coisa mudou na sua vida pessoal – o tempo livre segue raro, segundo ela, e se divide entre musculação, bicicleta, livros e filmes.
A principal novidade na agenda de compromissos, contou, é o aumento do contato mais direto com as pessoas.
"Hoje a atividade é diferente, eu não tenho atividade de gestão, mas eu tenho atividade de conversa, persuasão, discussão, avaliação, e de receber pessoas. Essa atividade exige uma presença minha extremamente direta e pessoal. Não tem eu ser representada, que na atividade presidencial tem. Tem um contato direto com as pessoas que tem sido muito bom", notou.
Uma das companhias constantes no Alvorada tem sido a da equipe da cineasta Anna Muylaert, que grava um documentário sobre o afastamento de Dilma – eles acompanharam a entrevista à BBC Brasil.
Outra visita frequente é a do seu advogado, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Na última sexta-feira, uma bicicleta verde em estilo retrô, que Dilma emprestou para ele se locomover de um hotel próximo, onde está morando, até o palácio, estava estacionada na garagem do Alvorada ao lado de outras duas da presidente, com um capacete pendurado na cestinha.
Apesar de a rotina seguir "intensa", na sexta-feira, a agenda estava mais tranquila – após conceder entrevista por uma hora à BBC Brasil, Dilma ficou mais 30 minutos conversando com a equipe de reportagem.
Contou que aprendeu a dançar tango com colegas de prisão durante a ditadura militar, mas que hoje gosta mais de ouvir Bach. Disse também que aprecia uma taça de vinho, pois os efeitos da quimioterapia que fez para tratar um câncer já não lhe permitem beber muito mais que isso.
E disse não ver "oposição" entre vida política e privada. "Elas se inter-relacionam. O que é a vida política pra'ocê? É a vida em que você se coloca perante os outros, em que você não está olhando só o seu interesse".
Sobre as denúncias de corrupção envolvendo o seu partido, a presidente afastada disse que o PT havia sido "contaminado pela política tradicional" e precisava "fazer uma autocrítica".
No entanto, ao ser questionada sobre ela própria poder se eximir de responsabilidades pelo fato de o esquema de corrupção ter ocorrido enquanto exercia a Presidência, repetiu a resposta que havia dado em entrevista à BBC em maio, dias antes de ser afastada – fez novamente um paralelo entre o esquema de corrupção da Petrobras e a crise financeira que estourou em 2008 nos Estados Unidos.
"O maior processo de corrupção recente no mundo foi o estouro da bolha financeira. Nada envolveu mais dinheiro, mais malfeito e processos irregulares de controle. (…) Não é algo trivial descobrir a corrupção. (…) A característica principal da corrupção é agir às escuras, escondendo suas práticas corruptas, é esconder e criar toda uma cumplicidade e não deixar traços."
"Este é um processo necessário ao Brasil. Uma sociedade tem de se fortalecer para combater a corrupção. O que não é correto é transformar uma luta contra a corrupção numa luta político-ideológica, como se o que ocorre no Brasil seja integral responsabilidade do Partido dos Trabalhadores".
No momento em que os olhos do mundo se voltam para a Olimpíada do Rio de Janeiro, Dilma disse que sua ausência na abertura do evento não é um "mau sinal" para a comunidade internacional.
"Eu acredito que os chefes de Estado, de governo, as delegações (são) pessoas sensíveis e inteligentes que vão entender claramente que eu participar da Olimpíada, tendo como a pessoa que preside a Olimpíada o vice-presidente que deu um golpe no meu governo, eu ficar disputando quem é que é a autoridade dentro do Maracanã é que daria um mau sinal", disse.
"E um mau sinal para mim também. Tenho clareza de que meu lugar era na tribuna de honra, não só por ser presidenta, porque nisso quem trabalhou fui eu. Então, por direito e também por trabalho, era lá que eu tinha de estar", acrescentou.