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Diálogo inter-religioso: Derrubar muros, construir pontes

Diálogo inter-religioso: Derrubar muros

por Magali Cunha, publicado em O Globo*

Devo muito à formação cristã que recebi desde a adolescência na Igreja Metodista. Muito do que sou e da visão de mundo que construí se deve à leitura da Bíblia à luz da vida, como aprendi. Também à compreensão de que amar a Deus é amar o mundo e tudo o que nele existe.

Essa visão se ampliou com o meu engajamento em movimentos ecumênicos, experiência marcante da juventude até o presente. Nele aprendi que ser cristã é ser promotora da paz com justiça, e que nesta pauta estão o respeito, o diálogo e a cooperação entre as religiões.

E aí adentrei numa trajetória que tem sido árdua. Somos cercados por mensagens dentro e fora do espaço religioso que estimulam os cristãos a competirem entre si e a condenar aqueles que não o são. Entre estes estão os muçulmanos, representados como ameaça mundial, “terroristas” que desejam o controlar o mundo. Mais do que uma religião, o Islã nos é artificialmente apresentado como uma força política que promoveria guerra e morte para alcançar propósitos de poder. De fato, os projetos de poder existem e estão em todas as religiões. Mas, neste contexto, como ser fiel aos princípios ecumênicos e falar de respeito, de diálogo e de cooperação com o Islã? Para responder, evoco o importante documento do Conselho Mundial de Igrejas “Questões nas relações cristãos-muçulmanos: considerações ecumênicas” (1992).

Uma primeira atitude precisa ser garantir a perspectiva da justiça com o outro, o que significa uma revisão do olhar sobre o Islã. Além de ser visto, equivocadamente, como uma religião de natureza violenta, o Islã é tido como um grupo religioso monolítico. Ou seja, em qualquer contexto temos o mesmo e o único Islã. Essa visão ignora a diversidade de teologias, de pensamento filosófico e jurídico e de formas de devoção. Assim como cristãos não são um único grupo, é preciso ter clareza de que muçulmanos também não o são.

Mesmo com tanta diversidade, há uma forte convicção que os une: a afirmação que Deus é fonte de toda a vida e de tudo o que existe. Ela leva à compreensão da soberania absoluta de Deus, o que torna impossível honrar como divina qualquer pessoa ou coisa que não seja Deus. Daí o rechaço a toda forma de idolatria e de representação visível do divino. Dela deriva a compreensão de que Deus é justo, o que significa que Ele deseja que o ser humano conheça e pratique a Sua vontade. Por isso, Deus cuida, com misericórdia, e envia vários mensageiros para que todos conheçam Sua vontade. Daí o Islã ensinar que, desde o início da história, Deus tem revelado sua vontade à humanidade. Assim se institui o termo “muçulmano”: aquele que se rende, aceita e leva consigo a vontade de Deus. Isso é mais que entender “muçulmano” como o membro da comunidade islâmica.

E há algo muito importante nesse diálogo entre as religiões: a paz está no coração do Islamismo assim como está na espiritualidade cristã e na redação dos textos bíblicos. No Islã “as-salâm” (Paz) é um dos nomes dados a Deus. Muçulmanos, quando se encontram, cumprimentam-se com “as-salâm alaikum” (Paz seja contigo). Como o “shalom” no cristianismo. Aí está uma contribuição importante para o diálogo e a cooperação entre esses grupos religiosos: a paz que dá sentido à sua fé se torna fonte de ações de justiça. Leia-se: relações sociais e raciais igualitárias, defesa dos direitos humanos, promoção e garantia da liberdade de crença, solução de conflitos sociopolíticos e econômicos de forma pacífica.

Aqui estão expostos alguns dos meus sonhos e esperanças em meio às tantas manifestações de extrema intolerância da parte de crentes e não crentes expressas nas últimas semanas. Que eles se somem aos tantos outros que buscam, neste tempo, derrubar muros e construir pontes.

Texto de Magali Cunha, publicado originalmente em O Globo.

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