“Mulher é aquela que pensa com o coração, age pela emoção e vence pelo amor. Parabéns pelo seu dia!”. Que jogue a primeira pedra quem nunca recebeu na firma essas belíssimas palavras grampeadas em um Sonho de Valsa (porque não basta ser machista, tem que ser desprovido também de qualquer indício de criatividade).
E eis que se aproxima mais um dia 8 de março. A data, originalmente criada para ressaltar as reivindicações e conquistas de direitos pelas mulheres, sobretudo no âmbito trabalhista, foi se transformando ao longo dos anos. A exploração gerada pelo capitalismo tornou insustentáveis as condições a que eram submetidas as trabalhadoras, com rotinas estafantes e salários irrisórios. Uma onda de protesto seguiu até que, em 1910, uma conferência na Dinamarca estabeleceu o “Dia Internacional da Mulher”, oficializado pela ONU apenas em 1975.
Ainda hoje, esse mesmo capitalismo não deixou de lucrar às nossas custas. Além da igualdade salarial entre os gêneros estar longe de ser uma realidade, o dia que seria dedicado à discussão em torno desse e outros problemas foi esvaziado de conteúdo e entregue a um reducionismo sem fim. A mulher a ser homenageada, segundo essa visão, é ainda ligada ao estereótipo da beleza e da subserviência. Não é à toa que as vendas de cosméticos, roupas, sapatos e eletrodomésticos atingem um de seus melhores índices nessa época do ano.
As propagandas que nos enchem de elogios são as mesmas que nos oprimem o ano inteiro. São as mesmas que vendem um modelo estético plastificado, que não aceitam nossos corpos, que criticam o nosso peso, que nos impedem de envelhecer com dignidade. São as mesmas que ensinam a perseguirmos um ideal inatingível, mesmo que isso custe a saúde e a própria vida em busca de aceitação. São as mesmas que reforçam preconceitos.
E isso sem mencionar a enxurrada de bombons, rosas e cartões com mensagens do tipo: “Mulher é aquela que pensa com o coração, age pela emoção e vence pelo amor. Parabéns pelo seu dia!”. Que jogue a primeira pedra quem nunca recebeu na firma essas belíssimas palavras grampeadas em um Sonho de Valsa (porque não basta ser machista, tem que ser desprovido também de qualquer indício de criatividade).
Os presentes aparentemente inofensivos trazem consigo uma intenção subjetiva. Será que seremos merecedoras de tantos mimos no dia em que pararmos de sorrir e agradecer pela lembrança com toda a resignação que esperam de nós? Se não formos todo o tempo lindas, afetuosas e gentis?
Quer agradar as mulheres? Coloque-se ao lado delas na batalha por salários iguais, pelo direito de se vestir como quiserem sem medo de serem estupradas, contra as piadas machistas contadas na mesa do bar, respeite a autonomia de seus corpos, sejam elas brancas, negras, hetero, homo ou transexuais. Lembre-se que o Dia Internacional da Mulher é, sobretudo, uma data de desconstrução e luta.
Parece exagero? Confira abaixo algumas das homenagens infames que encontramos por aí:
Sexismo e deboche na “homenagem” do programa de rádio Pop Bola
Prefeitura de Porto Alegre precisou se desculpar por divulgar estereótipos do que é “ser mulher”
DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi criticado pela suposta “homenagem” ao Dia da Mulher
Senado oferece curso de culinária às servidoras; evento foi cancelado após repercussão negativa
Texto: Maíra Streit