As imagens chocam, e muito, aqueles que foram educados pelo e para o ódio – ironicamente, através da religião que se distinguiu, ao longo dos séculos, por um profeta que pregava o amor.
Tive aulas de catecismo que me ensinaram sobre a figura de Jesus na cruz como a representação de sua luta pelos perseguidos da época. “Por isso ele é o salvador da humanidade”, dizia a professora.
Jesus Cristo foi crucificado porque defendeu os trabalhadores explorados, os miseráveis, as prostitutas, os leprosos e até mesmo os que não acreditavam em sua palavra.
Tudo isso está nas escrituras. Pode ser somente uma metáfora. Não sou um religioso, tampouco ateu – tenho uma maneira estranha de acreditar, por exemplo, no Cristo histórico e outras coisas que fazem sentido pra mim –, mas sempre vi sua história como algo muito presente no mundo ao meu redor, e por isso acho o cristianismo uma ideia com muito sentido.
Acredite nele ou não, a história de Jesus é a da vítima do ódio mais conhecida pela humanidade.
Também aprendi de pequeno que os cristãos creem no retorno de Cristo ao mundo dos mortais. Lá pelos Anos 90, se dizia que isso aconteceria dois mil anos depois da sua morte.
Onde estaria hoje esse Cristo que renasceu? Levando em conta o ensinado nas aulas de catecismo, Cristo seria uma transexual pregada numa cruz na parada gay, simbolizando as travestis que são espancadas, humilhadas e assassinadas com requintes de crueldade no Brasil e em vários outros lugares assolados pelo fanatismo religioso. No caso brasileiro, pasmem, pelo fanatismo cristão.
Talvez Cristo tenha renascido milhões de vezes no mundo atual, para ser novamente crucificado. Ele foi um homem atropelado por um caminhoneiro em Goiás, porque um cristão homofóbico não gostou de vê-lo abraçado a outro homem. Foi um mendigo humilhado na rua com um balde d´água, e um frentista haitiano acossado por cristãos. Ele foi aquela menina do Piauí morta após um estupro coletivo, pelos cristãos que a crucificaram. Foi aquele negrinho que batia carteiras, ou furtava galinhas, e terminou nu e algemado ao um poste – as imagens de sua crucificação são conhecidas, não foram encenadas, mas sim comemoradas por uma jornalista cristã e seus seguidores também fiéis.
O Cristo crucificado hoje é uma travesti, um homossexual, um palestino, um imigrante africano ou haitiano, um negro das favelas brasileiras, um índio da Amazônia, ou da Bolívia, ou um mapuche, um nordestino, um menino de rua, uma mulher que sonha em chegar em casa logo, antes que algo aconteça – ou em ter pra onde sair de casa logo, antes que algo aconteça.
As imagens de Cristo como uma travesti pregada na cruz choca parte da comunidade cristã brasileira, tanto quanto os primeiros cristãos que pregavam o amor ao próximo como princípio fundamental de difusão de sua crença chocavam os romanos. Talvez porque entenderam isso, alguns evangélicos participaram desta última parada gay defendendo o lema “Jesus cura a homofobia”.
A tal da blasfêmia, reclamada por alguns pastores oportunistas, certamente não levará nenhum homossexual a atacar evangélicos física ou psicologicamente, muitas vezes com resultado de morte. O contrário, o uso da pregação bíblica para justificar a perseguição e assassinato de homossexuais e transgêneros, por ódio puro e simples, é coisa frequente em nosso país.
Penso naquela pobre professora de catecismo, sem ter como saber se ela aderiu aos novos tempos em que os cristãos são os que odeiam os demais, ou se continua ensinando o mesmo que ensinou a mim. Na segunda hipótese, temo que ela possa ter sido linchada por outros cristãos, acusada de comunista, gayzista e até mesmo ateia.
Nesse momento, sinto que o juiz que condenou Cristo foi o grande vencedor da História.
Eis o homem.
Texto: Victor Farinelli (Publicado originalmente em sua conta do Facebook)
Nota do CEBI: O fato que motivou o texto aqui apresentado foi a encenação da crucificação apresentada pela transexual Vivyane Beleboni por ocasião da Parada do Orgulho Gay de São Paulo.