por Alê Alves em Opera Mundi*
Neste 25 de julho, é celebrado o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha; Reunimos a história de algumas delas
Em 25 de julho de 1992, Santo Domingo, capital da República Dominicana, acontecia o primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, criado em decorrência das dificuldades de mulheres negras se verem representadas no movimento feminista e no movimento negro.
Além das discussões sobre o machismo e o racismo, o Encontro se tornou um marco ao instituir o dia 25 de julho como Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. A oficialização da data, reconhecida pela ONU ainda em 1992, busca dar visibilidade à história e às lutas de mulheres negras da região e pressionar o poder público para combater os problemas que atingem o grupo.
Embora as discussões sobre o machismo e o racismo ganhem cada vez mais espaço na sociedade brasileira, os desafios enfrentados por mulheres e negros no país continuam – em especial, para as mulheres negras.
Segundo o Atlas da Violência de 2018, o número de homicídios de negros cresceu 23%, enquanto o de brancos caiu 6,8%. Entre 2006 e 2016, essa mesma taxa cresceu 15,4% para cada 100 mil mulheres negras e diminuiu 8% para as não-negras.
A desigualdade também se encontra em outras áreas como a educação. O percentual de mulheres brancas com ensino superior completo (23,5%) é 2,3 vezes maior do que o de mulheres pretas ou pardas (10,4%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016.
Opera Mundi reuniu a história de dez mulheres negras que marcaram a história da América Latina e no Caribe – sobre algumas das quais ainda há escassez de informações e divulgação.
1) Tereza de Benguela (Brasil)
Nascida no século XVIII, liderou o Quilombo Quariterê, nas proximidades de Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de Mato Grosso. Conhecida como “Rainha Tereza”, ela chefiou a comunidade formada por cerca de cem pessoas, entre negros e indígenas, entre 1750 e 1770.
Responsável pela estrutura administrativa, econômica e política da comunidade, a líder quilombola promoveu o crescimento militar e econômico do grupo após a morte de seu companheiro, José Piolho, morto por bandeirantes. Ainda hoje há divergências sobre a morte de Tereza Benguela – alguns historiadores falam que ela foi morta por soldados do governo local e outros defendem que ela se suicidou por rejeitar viver sob a escravidão. Em 2 de Junho de 2014, a lei nº 12.987 instituiu o dia 25 de julho no Brasil como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
2) María Remedios del Valle (Argentina)
Nascida em 1776, foi militar combatente na Guerra da Independência da Argentina. Considerada a “mãe da Pátria”, foi capitã em distintas batalhas históricas no exército do General Manuel Belgrano (considerado o “pai da Pátria”). Sua atuação se inicia em 20 de junho de 1810, com a primeira expedição militar que saiu da capital Buenos Aires rumo às províncias interiores do país. Esteve presente nas vitórias nas províncias de Tucumán (em 1812) e Salta (em 1813), no Norte do país. Nas derrotas das Batalhas de Vilcapugio e Ayohuma, María Remedios foi ferida por tiros, presa e submetida a nove dias de açoites públicos. Escapou da prisão e ajudou os outros combatentes de sua tropa. Após a Independência do país, permaneceu sem assistência e sem amparo. Em 1826, exigiu uma pensão do governo argentino pelos serviços prestados, o que foi primeiramente negado pelo Ministério da Justiça e depois aceito, em 1827, pelo Congresso argentino. Em 1829, deputados lhe outorgaram o título de Sargento Maior de Cavalaria. Sobre os últimos anos de sua vida, sabe-se pouco. Faleceu em 8 de novembro de 1847. Em memória à sua morte, estabeleceu-se em 2013 o dia 8 de novembro como “Dia dos Afro-argentinos”.
3) Virginia Brindis de Salas (Uruguai)
Virginia Brindis de Salas (pseudônimo de Iris Virginia Salas), foi ativista, escritora e a primeira mulher negra a publicar uma coletânea de poemas na América do Sul (“Pregón de Marimorena, em 1946 e depois “Cem Cárceres do Amor”, em 1949). Nascida em Montevidéu em 1908, é considerada a principal poeta afro-uruguaia.
Sua obra trata da cultura e dos costumes da população negra e denuncia o racismo no país. Virginia foi uma das principais integrantes do Círculo de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores Negros do Uruguai (Ciapen, em espanhol), associação que buscava valorizar a cultura afro-uruguaia. Também escreveu para a revista Nossa Raça, uma das principais articuladoras do pensamento negro do país, entre 1939 e 1948, no segundo período da revista. A poeta morreu em 1958, e o governo uruguaio lhe concedeu o título de “Personalidade Afro-uruguaia” em 2012.
4) Sara Gomez (Cuba)
Sara Gomez foi a primeira mulher a dirigir um longa-metragem em Cuba (“De Cierta Manera”, de 1974). Antes de se tornar diretora, atuou como jornalista, pesquisou sobre literatura e etnografia afro-cubana e estudou música durante seis anos no Conservatório de Havana. Integrou o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos (ICAIC) – criado logo após a Revolução.
Diretora de inúmeros curtas, sua obra é focada na cultura negra do país e nas questões vividas por homens e especialmente mulheres negras em um país pós-revolução. “De Cierta Manera”, sua única obra ficcional e de longa duração, retrata a vida cotidiana de pessoas do bairro Miraflores, no subúrbio da capital Havana. A diretora morreu em 1974, devido a um ataque de asma, mas o filme foi concluído em 1977 por três colegas diretores do ICAIC.
5) Amy Ashwood Garvey (Jamaica)
Nascida em 1897 em Port Antonio, na Jamaica, foi dramaturga e ativista pan-africanista – movimento político, cultural e intelectual que defendia a unificação de interesses comuns entre descendentes de africanos. Em 1914, foi uma das fundadoras da Associação Universal para Desenvolvimento Negro (UNIA, em inglês), influente organização anticolonial jamaicana que atuava contra o racismo.
Durante sua vida, Amy transitou entre países do Caribe (presidiu a formação da Aliança das Mulheres de Barbados) e da África (morou na Libéria por três anos, onde atuou pelo direito das mulheres do país), além de EUA e Inglaterra (onde fundou o Centro de Mulheres Negras de Londres, a Associação para Desenvolvimento do Povo Negro e o jornal Mundo Negro, além de integrar a Agência Internacional de Serviços Africanos). Morreu em 1969 na capital Kingston e até hoje é considerada um dos maiores nomes do movimento pan-africanista.
6) María Elena Moyano (Peru)
Nascida em 1958, María Elena Moyano foi ativista e dirigente social. Atuou contra a pobreza e pelos direitos das mulheres no Peru e foi opositora do Sendero Luminoso, grupo guerrilheiro com inspiração maoísta surgido no país nos anos 60. Conhecida como “Mãe Coragem”, Moyano participou de diferentes organizações de mulheres e, em 1983, presidiu a Federação Popular de Mulheres da Villa El Salvador (FEPOMUVES), distrito popular da província de Lima.
Em 1989, foi eleita vice-prefeita desta província. No final da década de 1980, o Sendero Luminoso começou a intensificar a perseguição a mulheres ativistas, sendo três delas mortas. Em 1992, Moyano foi assassinada aos 33 anos de idade. Além de ser baleada, teve o corpo dinamitado. Em 2017, o governo peruano outorgou uma condecoração póstuma a Moyano, no aniversário de 25 anos de sua morte.
7) Argelia Laya (Venezuela)
Nascida em 10 de julho de 1926, Argelia Laya foi educadora e atuou pelo direito das mulheres no país. Liderou o sindicato de professores nos anos 1950, integrou o Partido Comunista da Venezuela, dirigiu as Forças Armadas de Liberação Nacional (FALN) e esteve na guerrilha venezuelana nos anos 60 sob o nome de “Comandante Jacinta”.
Após romper com os guerrilheiros, ajudou a fundar o Movimento pelo Socialismo (MAS), em 1971, partido que presidiu posteriormente e pelo qual se tornou parlamentar pelo estado de Miranda, no norte do país. Foi a primeira mulher e primeira afrodescendente a liderar um grande partido político na Venezuela. Morreu em 27 de novembro de 1997.
8) Sanité Bélair (Suzanne Bélair – Haiti)
Nascida livre em 1781, Suzanne Bélair é considerada uma das heroínas da Revolução Haitiana (1791 – 1804). Apelidada por amigos de “Sanité”, Bélair foi sargenta e depois tenente das tropas de Toussaint Louverture, um dos maiores líderes negros da revolução que pôs fim ao regime escravista no Haiti. Participou dos combates de 1802, na cadeia montanhosa Matheux, no centro do país, contra a expedição napoleônica composta por mais de 20 mil homens enviada para reestabelecer a escravidão na colônia.
Capturada com seu marido, General Charles Bélair, Sanité não aceita ser decapitada – pena destinada às mulheres – e exige ser morta como os outros combatentes. É fuzilada em 5 de outubro de 1802. Sanité Bélair foi a única mulher na série comemorativa “Bicentenário do Haiti”, em 2004, que estampou fotos de figuras históricas do país nas cédulas do gourde, a moeda haitiana.
9) Martina Carrillo (Equador)
Martina Carrillo foi uma das líderes das revoltas de negros escravizados no Vale do rio Chota e do rio Mira, território marcado pelas comunidades afrodescendentes no Norte do Equador. Carrillo trabalhava na Fazenda Concepción, de onde fugiu com outros cinco escravizados, em 1778, e foi até Quito para denunciar abusos e maus tratos do administrador da fazenda, tais como quantidade insuficiente de comida, castigos físicos rigorosos e injustificados. O grupo conseguiu uma audiência com José Diguja, presidente da Real Audiência de Quito (unidade administrativa do Império espanhol). As reivindicações foram atendidas, mas, antes disso, Martina Carillo recebeu 300 chicotadas quando voltou para a fazenda. Ainda hoje, há poucas informações sobre sua biografia.
10) Solitude (Guadalupe)
Nascida cerca de 1772, Solitude foi uma das líderes da resistência ao regime escravista na ilha de Guadalupe. Nascida escravizada, torna-se liberta em 1794, na primeira abolição da escravidão nas colônias francesas. A partir de então, passou a integrar uma comunidade maroon – africanos escravizados que conseguiam escapar dos captores espanhóis e formavam grupos autônomos. Em 1801, Napoleão decide reestabelecer a escravidão e envia batalhões para as colônias francesas no Caribe. Grávida de alguns meses, Solitude integra as tropas que se opõem ao reestabelecimento do francês Jean-Baptiste de Lacrosse como Capitão-General de Guadalupe. Após dezoito dias de combate desigual (4.000 soldados franceses contra mil soldados apoiadores dos rebeldes), Solitude é presa em 23 de maio de 1802 e condenada à morte. Foi enforcada em 29 de novembro de 1802, um dia depois do nascimento do filho.
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Pesquisa e texto de Alê Alves, publicado por Opera Mundi.