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Concentração de renda, desmatamento e esgotamento dos recursos naturais: o retrato do agronegócio no Cerrado

por Rosana Villar do Greenpeace*

Relatório do Greenpeace mostra que 58% dos municípios do Matopiba, tida como região modelo do agronegócio, continuam pobres e são ainda mais desiguais do que a média de seus estados.

A agricultura é uma das especializações mais antigas do mundo e, como tal, é repleta de cultura e saberes que a tornam possível. Na Amazônia, as populações sabem que na época de vazante dos rios, as várzeas cheias de terra nutritiva garantirão a safra anual de mandioca ou abóbora. No Cerrado, a cooperação com os elementos da natureza é fundamental para evitar o descontrole do fogo e garantir uma fonte próxima de água.

Mas há um fenômeno em curso que, como disse o engenheiro agrônomo e florestal Sebastião Pinheiro, vem transformando esta cultura em um negócio. E para esse modelo doente de negócio, o desmatamento e a aniquilação de culturas tradicionais são “males menores”, um “custo inerente ao progresso”. Será?

Um estudo inédito apoiado pelo Greenpeace sobre as dinâmicas socioeconômicas na região de Cerrado denominada Matopiba – que reúne municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia- refuta essa ideia e mostra que municípios campeões na produção de soja na região não tem indicadores de desenvolvimento social condizentes com a riqueza que produzem na balança comercial.

Segundo o relatório “Segure a Linha: A Expansão do Agronegócio e a Disputa pelo Cerrado”, somente em 45 dos 337 municípios do Matopiba, os indicadores de produção e de bem estar superam a média dos respectivos estados. A grande maioria está na situação oposta: 196 municípios continuam pobres, com produção e qualidade de vida piores do que a média de seus estados.

Os resultados chegam em um momento crítico para o Brasil, onde o País volta a colocar na balança o valor da preservação dos recursos naturais em oposição a um suposto ganho econômico e social que seria proporcionado pela manutenção de um modelo agrícola pouco diverso e extremamente impactante.

“O estudo mostra que há muito mais pobreza e desigualdade do que riqueza e bem estar nesta região que é apresentada como modelo de sucesso pelo agronegócio”, contou o autor do estudo, o Sociólogo e Doutor em Ciência Ambiental, Prof. Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC. A pesquisa levou dois anos para ficar pronta, foram percorridos mais de 7 mil quilômetros, nos quatro estados, com cerca de 150 entrevistados e análises de dados oficiais de indicadores econômicos e sociais, como o acesso a educação, mortalidade infantil, renda per capta e vulnerabilidade à pobreza.

Marizilda Cruppe / Greenpeace

Dos 10 municípios que já são campeões na produção de soja no Matopiba, apenas três estão no grupo com bons indicadores sociais, classificados como municípios “ricos”, onde há grande produção e bons indicadores sociais. Na outra ponta estão os municípios classificados como “injustos”, que totalizam 67, onde, mesmo com alta produção de grãos, os indicadores sociais, como mortalidade infantil, acesso a educação, saúde e nível de renda, estão bem abaixo da média dos estado.

“Outra constatação importante do estudo é que, mesmo nas cidades com bons índices sociais, nota-se que as principais melhorias nas localidades não partem da iniciativa privada do agronegócio, mas sim do próprio Estado, no processo de garantir financiamento e infraestrutura para que o negócio de commodities tenha competitividade para levar lucro a seus investidores”, explica Adriana Charoux, do Greenpeace. Segundo o estudo, 60% da renda gerada no Matopiba fica concentrada em 0,4% das fazendas produtoras. Enquanto 80% das fazendas ficam com apenas 5% da riqueza da região.

No período de 2013 a 2015, perdemos o equivalente a 24 cidades de São Paulo de vegetação nativa do Cerrado, boa parte desse desmatamento foi no Matopiba, a “vitrine” do agronegócio. “É uma conta que não fecha. O desmatamento não pode ser visto como um custo inerente ao desenvolvimento que temos que aceitar. Já que, na verdade, toda a comunidade científica mundial vem alertando que é justamente o contrário. Sem a preservação ambiental, estaremos todos nós com os dias contatos”, observa Charoux.

Desindustrialização e esgotamento dos recursos naturais

Se no balanço das exportações o Brasil continua bem na foto, na prática, a aposta do país em continuar exportando matéria prima com pouco valor agregado ao custo do esgotamento de recursos naturais tão fundamentais para a qualidade de vida, faz com que o horizonte de futuro do Brasil fique mais no passado do que no presente. A especialização na produção de bens primários tem feito com que a participação da indústria de transformação nas exportações nacionais, que já foi de 21,8% nos anos 80, esteja hoje no mesmo percentual dos anos 50, lá do século passado: meros 11%.

No Matopiba, por exemplo, o setor que mais oferece empregos formais é o de serviços, que em 2014 concentrava 67,9% das vagas de trabalho, em média, nos municípios. Enquanto o agronegócio lidera nas “ocupações”, ou seja, trabalhos temporários ou informais, que geralmente tem menor remuneração e segurança aos empregados.

Esse modelo extremamente predatório vem acelerando o desmatamento no Cerrado, um dos biomas mais ameaçados do Brasil e extremamente importante para o abastecimento de aquíferos em toda a América Latina.

Não se trata de dizer que tudo de ruim se deve ao agronegócio. Trata-se de chamar atenção para o fato de que é ruim para o Brasil depender crescentemente deste setor, sobretudo no tipo de “negócio” que vem se consolidando até aqui. A agenda continua a expandir a produção de commodities, basicamente dedicada à exportação de grãos para alimentar um padrão insustentável de consumo de proteína animal no mundo todo. Isso recebe mais incentivos e apoio técnico do que a agricultura de base ecológica que produz alimento para consumo interno de forma menos impactante em termos ambientais. O desenvolvimento não vai chegar dessa forma. Não é uma questão de tempo e sim de modelo.

O novo governo, que assumirá a administração do Brasil a partir de primeiro de janeiro de 2019, tem portanto um grande desafio pela frente. A participação ativa do país no Acordo de Paris, que visa unir esforços para conter as mudanças climáticas, mantendo a temperatura global abaixo dos 1,5 graus celsius, é considerada fundamental. Mas para cumprir sua parte no acordo, o Brasil terá que evitar que suas paisagens naturais continuem a ser convertidas em áreas de monocultura. É um negócio que, literalmente, não terá futuro.

“É a manutenção de nossa vegetação nativa que assegura o equilíbrio climático fundamental para garantir não apenas a segurança da humanidade, mas a sobrevivência do próprio agronegócio brasileiro”, observa Charoux. “A produção com desmatamento faz com que o Brasil perca competitividade, ameaçando a geração de empregos”.

Publicado no site da CPT Bahia.

Foto de capa: Fernanda Ligabue / Greenpeace

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