por Daniel Seidel por Fé e Política*
A culminância do Ano Nacional do Laicato, promovido pela CNBB, ocorreu no dia 25 de novembro último, em Aparecida (SP), com a realização da Assembleia dos Organismos do Povo de Deus. Ela reforça a corresponsabilidade e a sinodalidade entre cristãos leigos e leigas, religiosas e religiosos, laicato consagrado, diáconos, presbíteros e bispos, que toda a Igreja deve ter em sua missão de revelar o Reino de Deus por meio de sua ação. Também foi realizada a Romaria do Laicato no Santuário Nacional de Aparecida e em outros santuários brasileiros, celebrando a caminhada realizada e o dia consagrado aos cristãos leigos e leigas, que se comemora na Solenidade de Cristo Rei.
Ao longo do ano foram realizados estudos do Documento 105 da CNBB, “Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade”, que foi o “texto-base” do Ano Nacional do Laicato. Ele desperta a Igreja toda para o necessário protagonismo do laicato na evangelização, por meio do testemunho cotidiano, da competência profissional, da participação em espaços eclesiais como as pastorais sociais, e da ação coletiva organizada na sociedade. Mereceu destaque o forte chamado da presença cristã nos areópagos modernos: família; mundo do trabalho; política; economia; meio-ambiente; cultura e educação e comunicação, entre outros lugares desafiadores. A atuação no âmbito das políticas públicas foi apontada como um dos areópagos prioritários para atuação das mulheres e homens batizados na fé cristã.
Assim afirma o referido documento em seu número 265:
“Nos Conselhos de Direitos há um grande espaço para os cristãos leigos e leigas se empenharem por políticas públicas em favor da saúde e da educação, do emprego e da segurança, da mobilidade urbana e do lazer, entre outras urgências. São espaços para defender políticas públicas em favor das famílias, das crianças, dos jovens, das mulheres e dos idosos. São também o lugar para lutar corajosamente contra a corrupção e o narcotráfico, dois grandes males que afetam a vida de nosso povo. ‘Incentive-se, para tanto, a participação, ativa e consciente, nos Conselhos de Direitos e o empenho generoso na busca de políticas públicas que ofereçam as condições necessárias ao bem-estar de pessoas, famílias e povos,” (Doc 105 – CNBB, p.133)
A Campanha da Fraternidade de 2019 (CF/2019) sobre “Fraternidade e Políticas Públicas” dará continuidade e profundidade a um dos legados prioritários do Ano Nacional do Laicato. Destarte a participação “ativa e consciente” de cristãos leigos e leigas, com apoio de toda a Igreja e convidando à participação ecumênica, é incentivada e apoiada como forma de presença dos cristãos na sociedade, sempre considerando os princípios do Evangelho que orientam a ação transformadora nos espaços públicos.
Existe uma quantidade considerável de cristãos leigos e leigas que participam, seja pela sociedade civil ou representando as esferas do estado brasileiro, enquanto servidores ou servidoras públicas, mas que nem sempre contam com espaços para refletir sobre sua práxis cristã nestes espaços ou, pelo menos, para compartilhar os desafios e construir sua intervenção nos Conselhos a partir de um debate coletivo. Acompanhar essas mulheres e homens de fé nestes espaços se constitui num dos principais desafios à ação evangelizadora da Igreja. Também se coloca o desafio de criar espaços de formação sistemática e continuada para que se tenha uma atuação com competência e iluminada pela fidelidade ao Evangelho de Jesus para os tempos de hoje.
A ação concreta em políticas públicas poderá ser um canal para enfrentar um dos principais males, percebidos no Ano do Laicato, que é o clericalismo, pois ele “apaga o fogo profético”, conforme escrito na carta do Papa Francisco ao Cardeal presidente da CAL – Comissão para América Latina, bem como nas conclusões da sessão plenária da Comissão, datadas de março de 2016.
- ???? Gostou do artigo? Talvez você goste de ler:
???? Toda mulher quilombola é sinônimo de resistência
???? Comer é um ato de fé! [Roberto Malvezzi (Gogó)]
???? Globo, Lula, Temer, Aécio e Dilma: somos todos Friboi
???? Outra Agricultura possível
Outro legado importante desse Ano foi a criação de novos conselhos do laicato em dioceses e Regionais da CNBB, e mais de duas dezenas de novas Escolas diocesanas de Fé e Política que fortalecem a rede que se organiza junto ao Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara – CEFEP. Novos conselhos e escolas de Fé e Política estimulam a participação e promovem formação para que a atuação dos cristãos leigos e leigas sejam coletivas e mais eficazes na defesa do financiamento das políticas públicas, hoje pressionadas pela EC nº 95/2016, que nos próximos 20 anos congela os investimentos pelo teto da inflação.
O profetismo do laicato se fez ecoar com as notas conjuntas que a CBJP, CNLB e CRB-Nacional, juntamente com outros organismos e pastorais sociais da CNBB e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC – lançaram durante o primeiro e segundo turnos das eleições 2018, e deverá continuar, considerando seu resultado nacional.
No cenário brasileiro de 2019 será preciso ainda mais ser “Igreja em saída”: promover a cultura do encontro e de diálogos, como os propostos para Jornada Mundial dos Pobres; aprofundar os valores e princípios do Ensino Social da Igreja; dedicar-se mais a processos do que ocupar cargos (tempo superior ao espaço); reconhecer a participação das mulheres na Igreja e na sociedade, superando as atitudes de violência e preconceito contra elas; construir unidade em nossa ação coletiva que supere os conflitos; considerar a realidade concreta das pessoas e comunidades acima das ideologias e agir no local dentro de uma estratégica global. São desafios que projetam a ação na busca de uma Ecologia Integral que valorize o protagonismo das juventudes, como estão ensinando os sínodos da Juventude e da Amazônia.
Outro instrumento de grande valor do Ano do Laicato são os círculos bíblicos sobre “Como fazer auditoria da Dívida Pública”. Eles ensinam a enfrentar o maior “desvio” de recursos públicos: a dívida pública que alimenta o sistema financeiro.
A esperança agora é elaborar os Planos Diocesanos de Formação do Laicato em três níveis: formação básica para todos os cristãos que participam; formação bíblico-teológica para lideranças; e formações específicas, como as Escolas de Fé e Política, para que a Igreja toda possa cumprir sua missão de ser “sal da terra e luz do mundo”.
A realização de um “ano temático” se revelou como uma estratégia eficaz, visto que gerou um dinamismo na Igreja que não termina com a sua culminância. Nesse espírito, a Campanha da Fraternidade de 2019, com o tema “fraternidade e políticas públicas”, dá sequência a um dos legados do Ano do Laicato que é a efetiva participação de cristãos leigos e leigas no controle social e em conselhos de direitos. Assim a CF/2019 não só dá continuidade ao Ano do Laicato, mas lhe dá também profundidade e consequência.
–
Texto de Daniel Seidel, mestre em Ciência Política pela UnB, membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política, da CBJP e da Comissão Especial para o Ano do Laicato da CNBB. É assessor da REPAM-Brasil, foi secretário de estado na área da Assistência Social e Segurança Alimentar no DF e é especialista em Planejamento Estratégico em Políticas Públicas pela UNICAMP – Universidade de Campinas. Publicado originalmente no site de Fé e Política.