Deus jamais nos abandona, pois Ele é nosso Pai. Neste domingo, o evangelho responde à questão posta na primeira leitura. Jesus dá como exemplo os lírios dos campos e os pássaros do céu. Mas, antes destes acenos ecológicos, profere uma sentença sem nenhuma ambiguidade: «não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» O Senhor não condena o dinheiro, mas o deixar-se sujeitar pelo dinheiro que nos ameaça a todos.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 8º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo A (26 de Fevereiro de 2017). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: “Eu não me esquecerei de ti” (Isaías 49,14-15)
Salmo: Sl. 61(62) – R/ Só em Deus a minha alma tem repouso, só ele é meu rochedo e salvação.
2ª leitura: “O Senhor iluminará o que estiver oculto nas trevas e manifestará os desígnios dos corações” (1Cor 4,1-5)
Evangelho: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã” (Mateus 6,24-34)
Com quem podemos contar?
Confessemos que as palavras de Jesus, no evangelho de hoje, nos deixam desconcertados. Como não nos preocuparmos com a nossa vida? E as pessoas, então, que hoje moram nas ruas, como poderiam não se preocupar com o local onde passarem a noite? Quantos não remexem o lixo, em busca de alimento?
Será que também estes podem contar com Deus? Sem dúvida, mas sabemos que Deus colocou o mundo nas mãos do homem. E somos nós que devemos nos encarregar de deixar passar através de nós, por nossos pensamentos e ações, o seu amor para com os outros.
Por causa da nossa inércia e pelas reticências da nossa liberdade diante de tantos sofrimentos é que estamos todos em perigo. Em perigo de quê? Do aumento de quantos caem hoje na miséria e, por fim, do risco de morte. Nós, contudo, sentimo-nos seguros? Tanto melhor! Mas também os moradores de Bento Rodrigues, em Mariana, sentiam-se seguros, até que o lugar fosse arrastado pela lama…
Quantos se levantam pela manhã, para uma jornada inteira sem história, e à noite não voltarão para sua casa? Muitos se refugiam no culto ao conforto e na segurança depositada em suas contas bancárias…
«Insensato! Nesta mesma noite te será exigida a tua vida!» Jesus diz que o dinheiro não pode coisa alguma em nosso favor, porque não pode nos proteger da morte. Mas isto não nos impede de, com frequência, «servir a dois senhores».
«Senhor», aqui, é aquele que colocamos acima de todas as coisas, inclusive de nós mesmos, e em quem depositamos igualmente toda a nossa confiança. É verdade que muitas vezes temos o coração dividido, o que é o contrário do «coração puro».
«O nosso coração está em Deus», sem dúvida, mas… É essencial que nos interroguemos a respeito de nosso desejo mais profundo.
O que queremos realmente? O que de fato estamos esperando? Se a resposta não nos satisfaz, não vamos ter medo, mas confiemos no Espírito que nos habita. Ele mesmo, desde já, é quem nos faz descobrir a nossa dubiedade. Só Ele pode nos curar.
E Deus, como Ele é?
Imediatamente após ter dito que não se pode servir a dois senhores, Jesus nos convida a não nos preocuparmos com a nossa vida, que depende do alimento, nem com o nosso corpo, a ser protegido pelas roupas. E acrescenta que ninguém poderá prolongar a própria existência «só pelo fato de se preocupar com isto».
Ao falar do alimento e da roupa (se fosse hoje, falaria também, com certeza, em habitação), está nos falando, enfim, da vida ou da morte. Esta é a «preocupação» fundamental que se esconde sob todas as nossas pequenas preocupações familiares. Podemos também reconhecê-la, entre outras coisas, no culto ao dinheiro.
Por medo de não existir ou de existir, mas não suficientemente. Vontade de se instalar, de brilhar, de construir imóveis ou empreendimentos que, em princípio, sobreviverão a nós e que, talvez, levarão o nosso nome…
Mas, ao contrário, eis-nos aqui convidados a viver no presente: a cada dia basta a sua pena; «o pão nosso de cada dia nos dai hoje». No fundo, podemos ver o maná, que não se podia guardar para o dia seguinte, pois não se conservava.
O presente é o tempo da Presença. E o futuro? A Presença não nos faltará; estará aí em cada momento: sem ela não existiríamos. O futuro com o qual devemos nos preocupar é «o Reino de Deus e a sua justiça», ou seja, o domínio universal do amor.
Nós o esperamos na certeza de que virá e que será o perdão de tudo o que lhe é contrário. Jesus viveu desta confiança ao longo de toda a sua vida. Manifestou-a claramente na morte de Lázaro (João 11).
Mais tarde, não hesitou em seguir o caminho que o levou à morte. Em Lucas, as suas últimas palavras são: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito». O seu espírito, quer dizer, a sua vida. Nas mãos de Deus, que é «Pai», ela estará em segurança. Esta segurança no futuro é que funda a nossa confiança no dia de hoje.
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Fonte: www.ihu.unisinos.br, 24/02/2017.