Gênero

MS: Carta denúncia e apoio às mulheres indígenas

EM APOIO ÀS MULHERES INDÍGENAS KAIOWÁ E GUARANI DO MATO GROSSO DO SUL

A retirada de crianças indígenas de suas famílias e comunidades por conta de questões étnicas e de classe social tem sido decisão cada vez mais recorrente por parte do estado do Mato Grosso do Sul, sobretudo no município de Dourados, e revela a prática racista que ainda prevalece ditando as regras nas instituições judiciais do Estado brasileiro.

Um dos casos mais emblemáticos dessa forma de violência contra as mulheres é a história da Sra. Elida Oliveira. Há um pouco mais de 2 anos, Elida teve seu filho recém nascido retirado de seu convívio. Esta ação, segundo a mãe, endossada pelo Ministério Público Estadual causou grande sofrimento familiar e resultou no acolhimento institucional da criança de apenas 7 dias de vida, levada para uma instituição não-indígena na cidade, quilômetros distante de sua casa.

A princípio, argumentou-se que a criança não fosse seu filho, no entanto, passado 01 ano desde que o exame de DNA comprovou a maternidade, a criança continua afastada da família e a estratégia da ofensiva do estado é acusar a mãe de não ter condições materiais de criar seu próprio filho. Durante esse processo não houve o que favorecesse o fortalecimento de vínculos de mãe e filho apontando para o descumprimento do que reza o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Segundo o Capítulo III do ECA – DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA:

  • 6º Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

I – que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;

É importante destacar que, segundo relato da própria mãe durante este processo houve uma sequência de violações de direitos humanos contra Elida, inclusive, o direito a ter o acompanhamento de um/a tradutor/a, já que ela comunica-se com fluência em sua língua materna e não compreende os códigos linguísticos jurídicos. Essa violação resultou em um desconhecimento dessa mulher sobre os trâmites jurídicos e quais seriam os caminhos para o questionamento dos procedimentos.

Novamente, o estado do MS penaliza a Elida alegando que a mesma, não teria condições materiais de criar seu filho e retirou dela o direito de visitá-lo na Instituição onde o mesmo se encontra acolhido. Elida teve conhecimento de tal “determinação judicial“ ao chegar na instituição para a visita e ser barrada pelas funcionárias. No mesmo dia, 18 de outubro/17, Elida foi até a delegacia fazer um boletim de ocorrência, no entanto, até hoje, passados mais de um mês a visita continua suspensa e a mãe nunca mais conseguiu visitar seu próprio filho.

Atualmente, Elida vive com seus outros filhos no acampamento (retomada) de Nhu Verá, onde também vivem outras 68 famílias Kaiowá e Guarani. Retomada é a expressão usadas pelos índios que ocupam uma propriedade que reconhecem como pertencente aos seus ancestrais, e caracteriza uma ação de resistência e luta dos povos indígenas pela ampliação de seu território contra a política de confinamento produzida pelo Estado.

Segundo dados da FUNAI – Dourados, hoje vivem aproximadamente 2618 indígenas das etnias Kaiowá e Guarani, totalizando 551 famílias em situação de acampamentos em Dourados e demais municípios da região de Douradina e Caarapó.

Enquanto aguardam o reconhecimento e demarcação de seu tekoha (terra tradicional), essas famílias cansaram da morosidade do Estado brasileiro e ocuparam suas terras, no anseio de viveram perto do seu povo, para reproduzir sua vida e sua cultura.

Acreditamos ser fundamental salientar que essa “morosidade” do Estado está diretamente conectada ao interesse com a exploração das terras, dos recursos naturais e a expansão do agronegócio. E isso só se torna viável se quem vive na terra for expulso e condenado a uma situação de invisibilidade social, política, econômica e cultural. Por isso as lutas dos povos indígenas, assim como dos demais povos tradicionais, estão em lado oposto aos interesses de ruralistas, usinas, bancos privados, da grande mídia e demais setores que exercem um grande poder junto ao Estado brasileiro, cujo único interesse existente é o lucro vindo da maior concentração de terras nem que para isso seja necessário destruir a cultura de um povo, o etnocídio contra aqueles que originalmente teriam direito ao seu território tradicional.

Por fim, nós militantes do Movimento de Mulheres de Dourados, queremos evidenciar a história de Elida Oliveira como a representação da história de outras mulheres indígenas cujos direitos fundamentais à vida não são respeitados, dentre eles a maternidade e as condições essenciais para o convívio com suas crianças em terras demarcadas ou em retomadas. A retirada da criança é entendida pela justiça como a solução de problemas estruturais desta sociedade, e o direito da família de receber acompanhamento necessário para a superação da situação que gerou a retirada e, consequentemente, o retorno da criança ao lar de origem lhe está sendo negado.

Ao contrário, o que se observa é a decisão do juízo para que as crianças sejam rapidamente encaminhadas a famílias substitutas cadastradas no Cadastro Nacional de Adoção, onde só há famílias não-indígenas. Estas práticas desrespeitam a etnia das crianças indígenas atendidas pelas políticas públicas quase inexistentes conquistadas e reivindicadas pelos povos originários, que lutam contra o genocídio. Políticas estas que deveriam garantir uma rede de atendimento que compreenda e leve em consideração as especificidades destas famílias sem que haja uma institucionalização destas crianças, que ao serem retiradas de sua parentela perdem o contato com a sua cultura e sua língua, uma vez que perdeu o contato físico e emocional com seus familiares e sua terra.

Em um contexto de violação dos direitos das mulheres e crianças indígenas e em apoio à luta para a demarcação das terras indígenas, fundamental para a sobrevivência material e cultural de um povo, denunciamos à sociedade civil a prática institucional etnocêntrica que prevalece nas decisões judiciais ao retirarem crianças indígenas de suas mães e comunidades, institucionalizando-as e criando um campo fértil para o etnocídio dos povos indígenas.

A luta pela conquista dos direitos negados a esta família está fortalecendo os vínculos dentro comunidade que luta pela demarcação de seu território. A solidariedade neste caso não se limita, portanto, a família de Elida. Sua luta simboliza a luta pela emancipação de todas as mulheres indígenas inseridas em suas comunidades, que resultará em uma vida digna para seus filhos e netos e, consequentemente, o resgate e a perpetuação de sua ancestralidade. Pedimos solidariedade e apoio à Elia Oliveira e sua família, e a reparação imediata de todos os direitos violados em consonância com a Constituição Federal e, inclusive, de acordo com o princípio assegurado pelo ECA no que tange ao Direito de Viver da Criança Indígena.

Basta de violência contra as mulheres. Demarcação já!

 “…Na nova terra o negro não vai ter corrente
E o nosso índio vai ser visto como gente
Na nova terra o negro, o índio e o mulato
O branco e todos vão comer no mesmo prato…

Na nova terra a mulher terá direitos
Não sofrerá humilhações, nem preconceitos
O seu trabalho todos vão valorizar

Das decisões ela irá participar…
Na nova terra os povos todos irmanados
Com sua cultura e direitos respeitados
Farão da vida um bonito amanhecer
Com igualdade no direito de viver…”

(AXÉ – Irá Chegar – PJ e Raiz)

Fonte: Notícias de CESE Brasil.

Foto de capa: Publicada em Alô Tatuapé.

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