via CEB´s do Brasil*
Jesus ensinou que em vez de alimentar um discurso de ódio que gera divisão e exclusão, devemos amar sem preconceito.
A história da religiosidade brasileira tem sido fortemente marcada pelo preconceito e intolerância religiosa, o que explica muito sobre o presente. Desde o início foi assim. Tudo teve início com os portugueses que por meio de imposição, opressão, violência e morte, forçosamente se valeram do proselitismo-colonial para destruir a crença indígena. Condenaram toda a prática de culto religioso dos índios para implantar uma única religião dominante. Em suas caravelas, os portugueses desembarcam sem o Evangelho de Jesus. Trouxeram a bordo uma religião colonizadora, opressora e imperialista. Da mesma forma fizeram com os negros, escravos que chegavam em navios negreiros. Demonizaram o culto africano submetendo-os ao jugo da obrigação de cultuar a religião cristã imposta pelo clero católico-romano. Nossa religiosidade já começa com uma violenta intolerância aos índios e negros que pela força do império, conseguiu destruir a crença de povos construída a séculos.
A intolerância religiosa no Brasil de nossos dias tem se manifestado de formas diversas. Nas pregações e escritos de líderes fundamentalistas, na destruição de imagens sacras ou objetos de culto, piadas, em depredações e incêndios a templos religiosos, nas agressões físicas e psicológicas, nas demonizações de objetos e oferendas e até mesmo assassinatos. Os dados das últimas pesquisas são preocupantes. A cada 15 horas é registrado uma denúncia de intolerância religiosa no Brasil. A Umbanda, Candomblé e Religiões de matrizes africanas juntas somam 66 casos em 2017, que neste caso são as que mais sofrem intolerância. Na mesma pesquisa, IURD, Assembleia de Deus, presbiteriana e igreja Adventista, juntas somam apenas 5 casos. (Fonte: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-registra-uma-denuncia-de-intolerancia-religiosa-a-cada-15-horas,70002081286).
Em um contexto de racismo e intolerância religiosa, e com o alarmante crescimento dessa prática de desrespeito as religiões, é preciso falar sobre nós, sobre nosso posicionamento e como temos nos portado diante de uma realidade de exclusão, imposição e injustiça que tem definido as religiões de matrizes africanas como inferiores e sem valor religioso. Urge construir novos paradigmas que tenham em sua base o respeito as religiões e o diálogo amoroso que supera o ódio e a intolerância. Construir novos diálogos em uma perspectiva ecumênica e profética, que nos chame para conhecer o significado da religião do outro, ouvir suas histórias, conversar sobre sua fé, livre de todo preconceito, em um diálogo livre e aberto, com base no respeito às diferenças.
Jesus promoveu novos diálogos, superou preconceitos e o ódio dos religiosos fundamentalistas de seu tempo. Jesus ensinou que em vez de alimentar um discurso de ódio que gera divisão e exclusão, devemos amar sem preconceito. (Mt.5.43-44). O evangelho de João nos conta sobre o encontro de Jesus com a mulher Samaritana (Jo. 4.1-30). Esse texto tem muito a nos dizer sobre intolerância religiosa. A história entre judeus e samaritanos foi marcada pelo ódio. Por vários séculos criou-se barreiras geográfica, religiosa, sociais, culturais e econômicas, como informa esse pequeno trecho do estudo elaborado pelas mulheres do DMO do Egito:
“Essa inimizade tem suas raízes nos anos 720 a.C., quando o rei da Assíria derrotou Samaria, deportou os israelitas para a Assíria (II Reis 17.6) e trouxe pessoas da Babilônia e de outros países pagãos, estabelecendo-os nas cidades da Samaria, para desalojar os israelitas, de acordo com II Reis 17.24. O casamento entre esses estrangeiros e os israelitas que haviam escapado do exílio, contribuiu para as tensões entre samaritanos e israelitas.” (Fonte: https://www.cebi.org.br/2014/03/05/a-mulher-samaritana-jo-41-41).
Jesus derruba os muros da intolerância e do ódio. Não questiona a mulher de Samaria por ter entrado no espaço geográfico dos judeus para pegar água no poço, que por tradição bebeu ao Pai Judeu, Jacó. Em vez de excluir ou ofender a samaritana, como faria um judeu em seu lugar, Jesus dá início a um diálogo respeitoso e cheio de amor. Jesus gentilmente lhe pede água. Sua prática de iniciar um diálogo aberto com os samaritanos a partir da mulher é algo revolucionário e deixa seus discípulos perplexos. É um novo paradigma com base no perdão e no amor ao diferente. A pregação da intolerância e do ódio aos samaritanos fomentada pelos religiosos fundamentalistas do templo não tem força para vencer o amor ensinado e vivido pelo Jesus de Nazaré. O diálogo promovido por Jesus anima a mulher samaritana que logo deixa o cântaro no poço e leva a boa notícia de amor para seus amigos, amigas e moradores da cidade.
“Venham! Encontrei um homem no poço que falou sobre minha vida, que é o Messias, que não destila ódio nem preconceito, mas demonstra muito amor! ” (v.28-30).
É inegável que há um forte discurso de intolerância e ódio em alguns dos seguimentos cristãos travestidos de uma suposta “santidade”. Por várias décadas foi ensinado aos cristãos (católicos e evangélicos) que o candomblé, a umbanda e religiões de matrizes africanas são do diabo e que é preciso orar para Deus fechar ou destruir os terreiros. Também foi ensinado nos púlpitos e nas escolas bíblicas que é no terreiro que os demônios se manifestam por meio de rituais e danças e que os instrumentos musicais, a música e as comidas de oferendas são maldição. Não é difícil encontrar em igrejas campanhas de oração pedindo a Deus para fechar o terreiro que está na rua próximo à igreja. Uma mistura de ignorância e intolerância religiosa.
Tudo isso é resultado de uma impregnação do fundamentalismo religioso que insiste em não se abrir para o diálogo. Como já dissemos, construir novos diálogos com base no amor e no respeito para conhecer as religiões é o caminho para a superação do preconceito e do ódio. Para que isso aconteça de forma concreta, é preciso voz profética para denunciar. É no diálogo que se ouve o outro, que construímos juntos novos caminhos de libertação, que perdoamos as ofensas, que se aprende sobre amor e respeito. O diálogo sustenta bons relacionamentos. Jesus não construiu muros de intolerância para separar as pessoas e enraizar o ódio, mas pontes seguras para que todos e todas possam caminhar livremente, de um lado para o outro, em meio as diferenças, para que juntos possamos construir um mundo melhor. Jesus ensinou que o amor supera em muito o ódio, pois o amor sempre vence.
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Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. Publica textos no site do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos. Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.