por Esther Solano publicado por Carta Capital*
O macho mata. Num país como Brasil, o macho mata mais ainda. ‘Prefiro ter um filho morto em acidente a um homossexual’
O verdadeiro problema do Brasil e de Brasília, às vezes penso, é de gênero… De gênero masculino. O real problema político atual parece ser a presença de homens no poder tão inseguros de sua masculinidade, tão imersos numa masculinidade tóxica, que precisam da ostentação, da destruição, da guerra, para que outros reconheçam sua virilidade ou até para que eles mesmos reconheçam uma virilidade da qual não têm total certeza.
É o macho que só conhece o confronto e a aniquilação. Um macho desses no poder é imensamente perigoso, imagine vários deles a lutar por exibir quem é o mais másculo de todos. Receita para o desastre.
O macho mata. Num país como Brasil, o macho mata mais ainda. “Prefiro ter um filho morto em acidente a um homossexual.” Segundo o relatório anual do Grupo Gay da Bahia, Mortes Violentas da População LGBT no Brasil, em 2018 foram registradas 420 mortes – por homicídio ou suicídio decorrente da discriminação – de integrantes da população homoafetiva e transexual. Durante a campanha eleitoral, recebi várias mensagens de jovens gays confessando o medo de sofrer agressões da própria família, por conta do fato de muitos dos parentes terem adotado um discurso bolsonarista e a rejeição a eles, antes latente, ter se transformado em ódio explícito.
“Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.” Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado foram registrados 1.173 casos de feminicídio. Também durante a campanha eleitoral conversei com várias mulheres com medo de sofrer violência de seus companheiros porque estes teriam se tornado mais agressivos depois de começar a seguir fervorosamente o “mito”.
Para aqueles que dizem que as declarações de Bolsonaro são só piadinhas, coisas de milico, coisas da geração dele, liberdade de expressão contra a “tirania do politicamente correto”, os mortos ou aqueles que sentem medo de serem mortos em decorrência desse discurso não são uma invenção do marxismo cultural. Têm nome e sobrenome. O macho mata.
No fim de agosto, dei uma palestra no Observatório de Favelas da Maré. É absolutamente estarrecedor escutar o que os moradores contam sobre as incursões policiais que invariavelmente deixam para trás um rio de cadáveres. Ou sobre o helicóptero que assassina do céu. A Bíblia descreve o maná que cai no deserto, mas Wilson Witzel, um “homem de bem”, autodeclarado religioso e temente a Deus, esqueceu desses versículos. Com ele caem balas do céu.
Foi estarrecedor também ver a imagem de Witzel a comemorar a morte de Willian Augusto da Silva, o sequestrador do ônibus morto por um atirador do Batalhão de Operações Especiais. O que pode demonstrar melhor a pequenez de um homem do que a comemoração da morte alheia dessa forma grotesca, vomitiva, imunda? Um homem que necessita matar outro para se afirmar como homem? Talvez seja isso. Conseguem imaginar algo mais desprezível?
Durante as minhas entrevistas com bolsonaristas, os mais radicais sempre foram os homens brancos heterossexuais: “A gente não têm direito a dar uma tapinha na mulher porque é Lei Maria da Penha para tudo quanto é lado. A gente não pode falar ‘negão’ porque é racismo, nem ‘viado’ porque aí o cara vem com essa de mimimi. Tudo é vitimismo agora. E a gente?” Este é um trecho da afirmação de um desses homens que entrevistei, em março, em Porto Alegre. As palavras demonstram, com total clareza, a raiz do problema. É o medo. O medo de perder os privilégios supostamente antes garantidos. O medo, na figura do macho, transforma-se, no entanto, em ódio e em violência.
Várias vezes, no decorrer das minhas entrevistas, conversei com evangélicos fundamentalistas que tinham votado em Bolsonaro, convencidos de que, se um LGBT chegasse à igreja deles, o caminho seria acolhê-lo, para que, com o apoio da palavra de Deus e dos irmãos e irmãs da igreja, “pudesse virar homem de novo”. A cura gay funciona em muitas igrejas. Em todo lugar a masculinidade tóxica contamina mentes, corpos, almas. O macho nos governa. E o macho nos mata.
–
Por Esther Solano, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Publicado originalmente por Carta Capital.