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A Globo e a narrativa dissimulada em terceira pessoa

A Globo e a narrativa dissimulada em terceira pessoa
Sou professor de língua portuguesa do Ensino Fundamental. Leciono elementos da narrativa para meus educandos da rede pública. Assistindo à cobertura narrativa da Rede Globo dos protestos de hoje, dia 13 de março, notei que:

– Todas as imagens ao vivo pelo Brasil são narradas por jornalistas, que dizem exatamente o mesmo texto: os protestos são pacíficos, o manifestantes vestem verde e amarelo, eles protestam pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, defendem o juiz Sergio Moro e as investigações da Lava Jato. Em todas as cidades, a narrativa é justamente essa, igual;

– Essa narrativa padrão tem duas perspectivas. Em primeiro lugar, sabemos que um discurso padrão só é estabelecido quando ele é orientado. Alguém determinou que fosse desse jeito, e isso faz parte da linha editorial defendida pelo veículo de comunicação;

– Em segundo lugar, o discurso do narrador, conforme ensinado para todos os alunos da educação básica, pode ser direto, em primeira pessoa, e indireto, quando o narrador fala pelo personagem. No caso das coberturas, o discurso utilizado é indireto, onde o jornalista fala pelo entrevistado;

– Esse recurso de narrativa indireta é utilizado para manipular um discurso padrão a sequestrar a voz do entrevistado, que poderia falar por si mesmo através de suas próprias palavras, usando o recurso narrativo direto. Mas por que isso não é feito?

– Se o povo for entrevistado, ele fala o que quiser, e não aquilo que a Globo quer que seja dito. Aprendemos em teoria narrativa também que toda pessoa que presta depoimento é um depoente, e todo depoente é um fenômeno, não é como uma peça de teatro onde o personagem fala um texto de ficção. Se a Globo usasse o discurso direto hoje, um entrevistado poderia falar, por exemplo, que tem que matar Dilma ou Lula, dizer que defende a volta da ditadura, ou destilar todo seu ódio de classe contra os pobres. Isso já aconteceu em outras manifestações, pode pegar mal e confundir a opinião pública, destruindo a estratégia de manipulação adotada;

– A Globo então consegue transformar uma manifestação real e concreta numa peça de ficção, pois mostra imagens reais, utilizando um discurso manipulado com narrativa em terceira pessoa, para transmitir a ideia de que todo povo brasileiro defende o que está sendo determinado pela linha editorial e falado pelo jornalista;

– Agora vem uma questão fundamental: o povo brasileiro historicamente não possui uma cultura letrada e uma educação pública de qualidade. Nossas escolas públicas estão sendo cada vez mais sucateadas para que nossos educandos não aprendam, por mais que nos esforcemos, teoria da narrativa e nenhum outro conteúdo relevante. Nossos educandos recebem diplomas de ensino básico apenas para ler de maneira deficiente, e fatalmente vão apenas ocupar espaços de trabalho enquanto empregados, explorados e infelizmente muitos vão acreditar na Globo;

– Os governos Lula e Dilma cometeram erros graves e obviamente todo ato de corrupção precisa ser julgado e, se for verdade, precisa de uma condenação severa. O fundamental é entender e reconhecer que há um legado nesses dois últimos governos e que está ameaçado, pois foi justamente Lula quem começou a criar as bases para mudar a vida do povo brasileiro através de políticas sociais, para o pobre possa ter acesso a bens de consumo e entrar na universidade;

– Junte tudo isso, e perceba: o que está acontecendo hoje é muito mais que luta contra a corrupção. Estamos vivendo objetivamente uma luta de classes. A Globo é um instrumento da direita que escolheu o lado da mentira e da opressão. Manipula uma manifestação para derrubar o governo Dilma – governo este que tem cometido tantos erros que está ajudando na sua própria derrubada, é verdade. A Globo quer impedir Lula de se candidatar novamente utilizando manchetes diárias contra ele. A Globo, com a ajuda de Sergio Moro e de muitos outros, querem usar a Lava Jato para convocar novas eleições e eleger o candidato que eles desejam;

– Qual a saída para tudo isso? Cada vez mais precisamos lutar para melhorar a educação das nossas escolas. Nós, professores de Salvador, estamos em greve hoje pelo direito à reserva de jornada, justamente para ter tempo para planejar melhores aulas para nossos educandos. Estamos sendo massacrados por um prefeito que é dono de uma afiliada da Rede Globo. Deu pra perceber que está tudo conectado? Educar os filhos da classe trabalhadora é tarefa fundamental para que um dia coberturas como essas da Globo sejam rechaçadas pelo povo brasileiro e trabalhador. Estão enganando nosso povo e precisamos lutar para derrubar essa forma de opressão. Precisamos romper essa lógica do sistema e construir outra forma de sociedade. Sigamos firmes nessa luta. É hora, mais do que nunca, de lutar por uma educação transformadora.

*Por Bruno D'Almeida, Educador do Projeto Popular.

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