Direitos Humanos

Babilônia e Boticário: evangélicos reacionários precisam boicotar pelo menos 379 empresas que apoiam causas LGBT

Babilônia e Boticário: evangélicos reacionários precisam boicotar pelo menos 379 empresas que apoiam causas LGBT

O novo alvo de campanha por boicote promovida por lideranças religiosas, como o Pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, em reação a avanços sociais no terreno na sexualidade é a rede de cosméticos O Boticário. O estopim foi uma peça publicitária da maior rede de perfumes do País para o Dia dos Namorados, que inclui imagens de casais homossexuais consumindo produtos da marca. "Quero conclamar as pessoas de bem a boicotar os produtos dessas empresas como o Boticário. Vai vender perfume para gay!", foi o tom do vídeo gravado por Silas Malafaia e divulgado em mídias sociais. O boicote foi destaque na Marcha para Jesus em São Paulo, no último dia 4.

O caso chegou ao topo dos assuntos mais buscados por brasileiros no Google na terça-feira, 2 de junho. No YouTube, o vídeo da marca de perfumes tem mais de 2 milhões de visualizações e milhares de comentários inflamados a favor ou contra a campanha. Até o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) chegou a ser acionado durante a semana.

O Boticário divulgou a seguinte nota: "O Boticário acredita na beleza das relações, presente em toda sua comunicação. A proposta da campanha 'Casais', que estreou na TV aberta no dia 25 de maio, é abordar com respeito e sensibilidade a ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor. Independente de idade, raça, gênero ou orientação sexual – representadas pelo prazer em presentear a pessoa amada no Dia dos Namorados. O Boticário reitera que valoriza a tolerância e respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista".

Do lado oposto, o ativista LGBT deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) disse que o "ódio de fundamentalistas religiosos não descansa nem numa data em que a lei é, literalmente, o amor".

Se evangélicos brasileiros desejam promover boicotes a produções culturais e empresas que abrem caminho para a aceitação e direitos das pessoas com diferentes orientações sexuais, o caminho será árduo pois é cada vez maior o número dessas produções e empresas. Nos Estados Unidos, nada menos que 379 empresas elaboraram conjuntamente e enviaram por meio de grandes firmas de advocacia um dossiê à Suprema Corte Americana pedindo que o judiciário daquele país aprove o casamento igualitário.

Portanto, para se fazer um boicote coerente, seria necessário que os consumidores contrários ao reconhecimento civil de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros parassem de consumir uma gama de produtos que fariam essa parcela da humanidade voltar à idade da pedra. Para começar, precisaria que quem boicota, encerrasse a conta no Facebook, jogasse fora iPhone, seu iPad, seu iPod, seu iMac e seu Macbook, pois a Apple, cujo presidente é gay, está nessa lista. Seria necessário jogar fora tudo que tiver o nome HP e também a Intel, responsável pela maioria dos processadores de computadores do mundo. Não adiantaria apelar para Bill Gates, porque a Microsoft, assim como a Symantec, que produz toda a linha de antivírus da Norton, também integra essa lista. Também será preciso deixar de usar o Dropbox e não se poderá mais usar o Google para pesquisar qualquer coisa.

A Microsoft lançou um comercial nos EUA de seu serviço de e­mails Outlook.com. A propaganda mostra como o serviço pode ajudar nas comunicações (assista aqui).  E mostra o casamento entre duas mulheres e como os amigos delas podem fazer parabenizá-­las. Blogs de tecnologia como o Mashable, notam a naturalidade com que o casamento foi mostrado: sem estereótipos, como uma coisa normal. “Microsoft nunca foi reticente sobre seu apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo”, escreveu a publicação.

Acrescente-se à lista de boicotes: a Coca-Cola, a Pepsi, Starbucks, a linha de salgadinhos Elma Chips, além de H2O e Toddy. Juntam-se às empresas que apoiam os direitos da população LGBT o Groupon, a Amazon e o e-Bay, os cartões de crédito ou débito da Visa, Mastercard e American Express. Ainda a Jonhson&Johnson, Kimberly Clark, Colgate-Palmolive, Procter & Gamble. Quem promove boicote também não pode usar produtos das marcas Levi's e Nike e viajar com American Airlines e Delta, hospedar-se com as redes Hilton ou Marriott, tirar cópias Xerox ou divertir-se na Disney.

A lista de 397 empresas, no entanto, é apenas referente às que estão pressionando a Suprema Corte dos Estados Unidos a legalizar o casamento igualitário, mas há muitas outras – como Ford, McDonalds, Mastercard, United Airlines, Absolut e Smirnoff – que já fizeram campanhas em prol da igualdade de direitos.

Evangélicos que não vão boicotar O Boticário

Mas, segundo a BBC Brasil,  no meio do caminho também estão pessoas como Jackson, Eliezer, Samuel, Cristiane, Stephanie, Henrique, Caroline e Aline, que estão, entre as pessoas que enviaram mais de 1500 comentários opinativos sobre o caso enviados por mídias sociais, buscando desconstruir generalizações que alimentam a polêmica. Todos se apresentam como evangélicos ou cristãos e explicam de que maneira entenderam o anúncio e por que não se sentem representados pelo boicote à marca (reproduções do Notícias Terra).

Henrique Martineli diz ter aprendido com a Bíblia a "a respeitar as diferenças, ao contrário de um certo grupo radical que se diz cristão e se coloca acima das outras pessoas".

"Precisamos colocar pessoas acima das nossas crenças religiosas e respeitar suas escolhas. Só assim cresceremos juntos em uma sociedade unida", afirma.

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Jackson Almeida diz que se emocionou vendo a propaganda. "Sou cristão e esse comercial ao invés de destruir e confundir minha família mostrou e expandiu nossa forma de ver e pensar sobre isso.". Também evangélica, Cristiane Oliveira considera o preconceito "absurdo": "Sou evangélica e sei que isso é pecado…mas e daí? Quem somos nós para julgar? Não somos ninguém, porque isso cabe a Deus", disse.

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Já Eliezer Santos sugere que a estratégia foi "bilhante" do ponto de vista de marketing. "Não sei se passou pela cabeça do pessoal do marketing a receptividade negativa que algumas classes, principalmente a Evangélica teria, motivada por lideranças equivocadas e preconceituosas. Se isso foi pensado, a estratégia foi brilhante, pois conseguiu transformar toda esta negatividade em algo positivo"

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A leitora Aline Santos, que se apresenta como cristã, afirma que "no Envangelho, Jesus andava com todos, sem exceção". "Uma coisa é você não tolerar o pecado. Outra é promover o ódio por conta de sua religiosidade e ignorância. Jesus é amor. E ficar debatendo ou criticando não é nem um pouco coisa de discípulo", escreveu.

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O pastor evangélico Samuel de Lima disse entender a importância da liberdade de expressão, comentou que não vai boicotar a marca, mas pediu respeito a quem optar pelo boicote. "Não vou boicotar a Boticário. Tendo dito isto, espero que aqueles que discordam do Silas Malafaia, também respeitem seu direito de fazer o boicote", afirma. Ele completa: "Todos esses movimentos são importantes em uma democracia saudável."

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Já na opinião de Stephanie Ferreira, não faria sentido boicotar um anúncio com gays enquanto se questiona cenas de violência e "traições" na televisão. "Mesmo sendo diferente do que eu fui criada e aceita, torna-se repudioso querer o mal e dizer que isso incentiva nossas crianças, sendo que muitos "pais e mães de família" não boicotam cenas de violência, traição ou algo que vá contra a moral dos mesmos".

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Caroline Carneiro diz ser a favor do amor. "Sou cristã e achei o comercial lindo! Sou a favor do amor, amor que me foi dado e ensinado pelo próprio Jesus."

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Boicote ao Boticário na Marcha para Jesus? Não, prefiro meu perfume

Amanda Ornelas e o namorado, Luis Henrique, decidiram aproveitar o feriado de sol em São Paulo para acompanhar milhares —340.000, de acordo com a Polícia Militar—, na Marcha para Jesus 2015, uma tradicional passeata anual convocada por denominações evangélicas, o grupo religioso que mais cresce no Brasil. Na zona norte da cidade, Amanda, 18, e Luis Henrique, 21, vestidos com a camisa do evento em azul forte, comentaram o tema que deflagrou disputa nas redes sociais nesta semana: a propaganda do Boticário com casais gays. “Acho que é errado passar em um horário que crianças possam ver”, lançou Luis Henrique, que não gostou do comercial. “Mas a verdade é que tem coisa bem pior na TV.” “Mesmo se o meu pastor pedisse, eu não faria, não penso em deixar de usar os produtos deles”, disse ela, sobre a decisão do pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus, uma das mais fortes e influentes denominações evangélicas do Brasil, de gravar um vídeo conclamando os fiéis a boicotar a marca de cosméticos. “Se alguém quiser me dar um desodorante deles eu aceito, porque estou precisando”, brincou o pai de Amanda, Orlando.

O tom mais ameno da família, em comparação à agressiva disputa virtual em torno do tema, foi o que prevaleceu. A pedagoga Renata Ferreira Dauta, 43, que frequenta a igreja Renascer em Cristo, disse apoiar a presença de gays em comerciais. “Achei [a propaganda de O Boticário] atual. Hoje em dia tem que abordar de tudo, não dá para deixar a questão do homossexualismo de fora”. Quanto ao boicote, Renata diz que “por mais que o Malafaia peça, os fiéis não vão deixar de comprar. Até porque, se for para boicotar empresas que apoiam gays, teria que deixar de lado muitas marcas”.

“O pastor Silas é muito rígido. É óbvio que não gostei da propaganda, mas deixar de comprar uma marca por isso também não é o caso”, concordou Ideli Maria de Souza, 50, também na marcha. Ela conta que uma sobrinha de seis anos viu a propaganda e lhe perguntou o porque de dois homens trocando presentes: “Eu não soube responder. Pedi para que ela fosse perguntar para os pais dela”.

Texto: Magali Cunha, metodista, jornalista e especialista em relação entre mídia e religião.

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