por Lizandra Carpes*
O Brasil vive um momento delicado em seu contexto político, econômico e social. Muitos são os ataques aos direitos sociais, principalmente depois do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff em 2016. As eleições presidenciais de 2018 reforçaram a ideologia neoliberal com a carga do discurso bélico e de ódio contra mulheres, LGBTQ+, imigrantes, negros, indígenas, sem terras e periferias, atingindo trabalhadoras e trabalhadores por todo o país.
Preocupados com esta situação que caminha para a barbárie, o CEBI Santa Catarina promoveu nos dias 18 e 19 de maio, em Lages/SC, o seminário: Superando o fundamentalismo político e econômico. Quem facilitou o encontro foi o pastor Günther Wolf (Lobo), da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). E em meio a músicas, orações, místicas e confraternização que mostram a realidade do povo e a alegria do CEBI, seguiram dois dias de muito estudo e reflexão.
Assessoria Bíblia
De acordo com Lobo a humanidade vive a “era da mentira” a partir do período neoliberal Tatcher e Regan. “Na verdade até a mais tempo, porque somos educados em cima da mentira: trabalhadores não são mais trabalhadores, são colaboradores; capitalismo não é mais capitalismo é economia de mercado” reflete. Exemplifica também com as eleições dos Estados Unidos elegendo Donald Trump com mentiras e desinformações, bem como, as eleições no Brasil que tiveram um festival de “fake news” levando Jair Messias Bolsonaro à presidência da república.
Junto com esta realidade, o assessor ressalta que o sagrado e o profano andam juntos, e que a visão que há de Deus é de: homem, branco, capitalista e neutro, porque não denuncia a injustiça. Nesta “neutralidade” matou mais de 70 milhões de pessoas na América e escravizou outras tantas, e a igreja é construída em cima desta realidade.
Lobo enfatiza que a Bíblia não é neutra e ser cristã/o exige parcialidade que é estar ao lado das trabalhadoras e trabalhadores.
“Dentro do processo histórico da luta de classes Deus se coloca ao lado do trabalhador. Radicalizou na periferia da periferia (Nazaré) e morreu como morrem os camponeses massacrados naquela região da Palestina a pedido dos representantes de Javé na terra”, explica.
A partir de uma reflexão marxista Lobo discorreu sobre a sociedade de classes que gera lucro a partir da produção de mercadoria e da mais valia – o jeito como se produz condiciona o processo. “Marx começa pela mercadoria, porque a partir dela se gera o lucro, assim se organiza a sociedade, a política”, expõe.
Diante destas realidades Lobo reforça que o capitalismo e o reino de Deus são como água e óleo, não se misturam. “O diabo se infiltrou na Igreja e deu a ela a linha teológica do capital”, completa. Ele analisa que não se observa mais a necessidade, mas, o sentimentalismo e que a luta de classes é camuflada dentro das igrejas. “Se a Igreja não fala da exploração ela é neutra, se fala é comunista”.
A primeira coisa que Deus criou foi a vida, a prática da luta de classes na sociedade. A bíblia é o relato da vida de um povo que quer acabar com a sociedade de classes, acabar com a propriedade privada. “Javé é o motor da luta de classes, mudou para tribal, a terra foi sorteada sobre as tribos, controle coletivo conforme Levítico 25”, orienta Lobo.
Os fortes ataques à educação também foram pauta do seminário, uma vez que cortes contínuos de verbas são feitos, professoras e professores são desmoralizados e a Filosofia, a Sociologia e a História são descartadas. É preciso entender as razões pelas quais a extrema direita age desta forma. Engessar a educação e negar a história torna o povo ainda mais fácil de manipular transferindo o conhecimento científico para uma fé crédula, subserviente, imatura, inquestionável e fundamentalista. O que faz da religião uma ferramenta de alienação. “A religião é o mecanismo de controle social”, afirma Lobo.
Dominar a população é dar força à sociedade classista e ao acúmulo para um número muito pequeno de pessoas no país. De acordo com dados apresentados por Lobo, 365 proprietários tem mais terra do que 5 milhões de proprietários. Tudo isso somado a exploração de trabalhadoras e trabalhadores reforçando um salário mínimo miserável, desvalorizando a mão de obra. Lobo enfatiza que quem gera seu próprio salário é o trabalhador (peão) com o seu trabalho e não o patrão.
Para Lobo os discípulos de Cristo eram pescadores em virtude da propriedade privada, eles não tinham terras para trabalhar, então viviam da pesca. “Existe uma ordem imaginada pela classe dominante, uma ordem inventada; se ela é imaginada podemos imaginar outra e Deus contrapõe com o Reino, desobediência civil para construir o Reino”, instiga Lobo. Assim, pessoas se auto excluem do Reino, porque optam em não lutar por justiça.
A chave de leitura da bíblia fala da luta de classes: o Êxodo e a Cruz surgem do grito por liberdade. Deuteronômio 6 exemplifica isso também: contra o Egito/Faraó, ou seja, contra o Estado. Êxodo 15, 21: Javé na frente do povo na luta de classes. “Para entender a bíblia tem que entender a realidade, quem não está inserido na luta tem dificuldade de entender, a bíblia nos pede organização”, expõe Lobo.
Logo, o método de Marx mostra qual a verdade sob qualquer sociedade de classes, principalmente a capitalista, e a bíblica é um relato histórico da realidade destas lutas tendo como utopia o Reino de Deus. Parafraseado o teólogo suíço, Karl Barth que disse que devemos segurar a Bíblia em uma das mãos e o jornal na outra, Lobo orienta que uma vez que nos dias de hoje pouca verdade se encontra nos jornais é necessário segurar o capital de Marx em uma das mãos e a bíblia na outra.
Quando o homem cego pede ajuda, Jesus pergunta o que ele quer e com isso desmonta a elite. No entanto, é preciso ter consciência que viver como Jesus viveu é estar sujeito à perseguição para gestar um mundo novo onde não há injustiça.
–
Partilha de Lizandra Carpes, do CEBI-SC.