Reflexão do evangelho de domingo sobre Lucas 9,18-24, o texto pertence a Tomaz Hughes.
Boa leitura!
Proclamamos hoje a versão lucana da profissão de fé de Pedro, que Marcos situa no caminho de Cesareia de Filipe (Mc 8,27-35) e coloca como pivô de todo o seu Evangelho. Este trecho levanta as duas perguntas fundamentais de todos os Evangelhos: “Quem é Jesus?” e “o que é ser discípulo dele?”
São duas perguntas interligadas, pois a segunda resposta depende muito da primeira. A minha visão de Jesus, determinará a maneira do meu seguimento dele.
O trecho inicia-se com Jesus em oração. Essa é atitude típica de Jesus em Lucas. Muitas vezes no Terceiro Evangelho, especialmente antes de momentos importantes na sua vida, Jesus se acha em oração. Pois ele faz nada por vontade própria, mas escutando a vontade do Pai.
O diálogo começa com uma pergunta um tanto inócua: “Quem dizem as multidões que eu sou?”
É inócua, pois não compromete – o “diz que” não compromete ninguém, pois expressa a opinião dos outros. Por isso, chove respostas da parte dos discípulos: “João Batista, Elias, um dos antigos profetas que ressuscitou!”. Mas Jesus não quer parar aqui, – esta pergunta foi só uma introdução. Depois vem a facada!: “E vocês, quem dizem que eu sou?”
Agora não chove respostas, pois quem responde vai se comprometer – não será a opinião dos outros, mas a opinião pessoal! Esta opinião traz consequências práticas para a vida. Finalmente, Pedro se arrisca: “O Messias de Deus”.
Mas a reação de Jesus é no mínimo estranha!: “Ele proibiu severamente que eles contassem isso a alguém”. Que coisa esquisita! Jesus proíbe que se fale a verdade sobre ele! Como é que ele espera conquistar discípulos deste jeito? O assunto merece mais atenção.
Realmente, Pedro acertou em termos de teologia, de “ortodoxia”, como diríamos hoje. Ele usou o termo certo para descrever Jesus. Mas Jesus quer esclarecer o que significa ser “O Messias de Deus”. Pois cada um pode entender este termo conforme a sua cabeça, conforme os seus desejos. Jesus quer deixar bem claro que ser “messias” para ele é ser o “Servo Sofredor” de Javé. É vivenciar o projeto do Pai, que necessariamente vai levá-lo a um choque com as autoridades políticas, religiosas e econômicas, enfim, com a classe dominante do seu tempo: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar no terceiro dia”. (v 22)
Essa visão que Jesus tinha do Messias, não era a comum – em geral as pessoas esperavam um messias triunfante, glorioso, guerreiro. Marcos nos mostra que Pedro partilhava essa visão errada, ao ponto de tentar corrigir Jesus, e de ganhar de Jesus uma correção dura: “Fique atrás de mim, Satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens”. (Mc 8,33)
Não basta ter os termos e títulos certos – temos que ter o conteúdo certo. A Bíblia nos conta que Deus criou o homem e a mulher na sua imagem e semelhança, mas na verdade frequentemente criamos Deus em nossa imagem e semelhança, para que ele não nos incomode. A nossa tendência é de seguir um messias triunfante, e não o Servo Sofredor. Mas, para Jesus, não há meio-termo. O discípulo tem que andar nas pegadas do seu mestre: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga”. (Lc 9,23)
O seguimento de Jesus leva à cruz, pois a vivência das atitudes e opções dele vai nos colocar em conflito com os poderes contrários ao Evangelho. Carregar a cruz, não é aguentar qualquer sofrimento com passividade. Se fosse, a religião seria masoquismo! Carregar a cruz é viver as consequências de uma vida coerente com o projeto do Pai, manifestado em Jesus. Segui-lo não é tanto fazer o que Jesus fazia, mas o que ele faria se estivesse aqui hoje. Como ele foi morto, não pelo povo, mas por grupos de interesse bem claros “os anciãos ,os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei”, (a elite dominante em termos econômicos, religiosos e ideológicos), os seus seguidores entrarão em conflito com os grupos que hoje representam os mesmos interesses. Por isso sempre haverá a tentação de criarmos um Jesus “light”, sem grandes exigências, limitado a uma religião intimista e individualista, sem consequências políticas, econômicas ou ideológicas. Seria cair na tentação de Pedro, conforme o relato de Marcos.
O texto faz ressoar para cada um de nós as duas perguntas de Jesus. É fácil responder o que os homens dizem dele – o que dizem o Papa, o Pastor, o catequista, os teólogos, a TV. Mas esta pergunta não é tão importante. É a segunda que cada um tem que responder: “Quem É Jesus para mim?” E a resposta se dará não tanto com os lábios, mas com as mãos e os pés. Respondemos quem é Jesus para nós, pela nossa maneira de viver, pelas nossas opções concretas, pela nossa maneira de ler os acontecimentos da vida e da história.
Tenhamos cuidado com qualquer Jesus que não seja exigente, que não traz consequências sociais, que não nos engaja na luta por uma sociedade mais justa. Pois o Jesus real, o Jesus de Nazaré, o Jesus do Evangelho, não foi assim, e deixou bem claro:
“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24).
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Texto de Tomaz Hughes.