Espiritualidade é sinônimo de amorosidade. Espiritualidade libertadora significa que a amorosidade da qual o Espírito Divino enche as pessoas nos leva a transformar esse mundo a partir da justiça e do compromisso de libertar as pessoas e todos os grupos oprimidos.
Em 1968, em Medellín, Colômbia, os bispos latino-americanos escrevendo sobre a juventude, afirmaram:
“Queremos dar à nossa Igreja o rosto de uma Igreja pobre, missionária e pascal, verdadeiramente comprometida com a libertação de toda a humanidade e de cada pessoa humana por inteiro”.
Uma importante dimensão da espiritualidade libertadora é a sua abertura ecumênica. Até certo tempo, nos ambientes institucionais, considerava-se ecumênico somente o movimento pela unidade dos cristãos. O Ecumenismo era sempre o movimento de unidade das Igrejas. Esse movimento é muito importante porque corresponde à vontade de Jesus que pediu ao Pai “que todos os meus discípulos sejam unidos como eu e tu somos um só” (Jo 17, 20 ss). No decorrer do século XX, alguns profetas da paz como Gandhi, Martin-Luther King e Dom Helder Camara sempre trabalharam pelo diálogo e colaboração entre as religiões. Nas instituições da Igreja Católica e do Conselho Mundial de Igrejas se fala sempre em diálogo inter-religioso.
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Na América Latina, desde 1992, unificamos essa linguagem e fomos além do conceito do diálogo. Valorizamos o ecumenismo entre as Igrejas, participamos também do esforço de diálogo entre as religiões, mas compreendemos que a unidade é maior. É entre crentes e não crentes. É um ecumenismo não só de Igrejas cristãs, nem só de religiões, mas de todas as pessoas e grupos que trabalham na realização do projeto divino no mundo.
Desde a conferência dos bispos em Medellín, as Igrejas cristãs têm sido convidadas a olhar a história a partir dos pobres e colocar a Igreja como serviço libertador a serviço dos povos da América Latina.
Isso transformou o conceito de missão. E, com isso também colocou o ecumenismo em um horizonte mais amplo.
“Situou-o, no empenho pela VIDA em todas as suas dimensões, vida tão diminuída e ameaçada, sem colocar nem barreiras nem fronteiras para a cooperação nos esforços humanos pela justiça, pela paz, pela preservação da criação. Este descentramento do ecumenismo tirou-o dos quadros estreitos das relações institucionais entre Igrejas cristãs para recolocá-lo no eixo das preocupações com a vida concreta dos empobrecidos, nas suas demandas por pão, terra, trabalho, dignidade, cidadania e ainda no horizonte das culturas concretas do continente, abre perspectivas novas e promissoras. Ficam aqui e ali percalços e incoerências, frutos de posições conflitantes, mas que não comprometem as aberturas e avanços propostos para a caminhada ecumênica“.
Por isso, chamamos esse ecumenismo do reino de “macro-ecumenismo“.
Atualmente, vários organismos de pastoral e grupos de juventude têm essa vocação ecumênica maior. Privilegiam a relação e o cuidado com as religiões tradicionais negras e indígenas que durante tanto tempo foram discriminadas. E se preocupam mais em cultivar uma espiritualidade de abertura universal (ecumenicidade) do que propriamente relações institucionais (ecumenismo). No entanto, isso pede de nós alguns cuidados:
- 1. Essa espiritualidade ecumênica não tem nada a ver com relativismo. Não se trata do “tudo vale”. Nem tomamos como critério a busca de um mínimo denominador comum. Como dizia Dom Pedro Casaldáliga na carta de abertura de uma das Agendas Latino-americanas: “Procuramos um ecumenismo de adição e não de subtração”.
Nada de pensar: Como no encontro tem pessoas que não são cristãos, não podemos orar o Pai Nosso. Em nossos encontros, cristãos e não cristãos oramos o Pai Nosso, oramos uma invocação ao Buda, oramos uma louvação ao Espírito das florestas e assim por diante. Sem relativizar nossa identidade própria (cristã ou do Canbomblé ou de nenhuma tradição), queremos nos abrir para escutar o que o Espírito Divino quer nos dizer através da outra tradição diferente da nossa.
- 2. Quando nos encontramos, cristãos, crentes de outras religiões e pessoas que não têm pertença religiosa definida, a busca comum supõe antes de tudo uma abertura espiritual de cada pessoa e grupo. O objetivo de um culto em comum não é uma espécie de desfile interreligioso no qual cada grupo tenha de se apresentar e falar de si mesmo. Ao contrário, o objetivo é valorizar o outro, encontrar-se com o outro e viver o amor como acolhida e ir ao encontro do outro.
Então, não seria mais ecumênico garantir no encontro um momento de culto para cada tradição. Não é necessário isso. O espírito é outro. É conviver e aprender uns dos outros.
- 3. Como é um encontro de espiritualidade do bem-viver, precisamos cuidar de que a ecumenicidade não se manifeste apenas ou sobretudo nos cultos e sim em cada momento do encontro, mas principalmente no tratamento dos temas de diálogo (no modo de falar da Política, das questões de gênero, da economia, ecologia e assim por diante). Os cultos são momentos importantes, mas são como um beijo ou uma transa na relação de amor. O importante é a relação em si mesma e não apenas uma expressão.
Esse encontro será uma profunda expressão de ecumenicidade, se no final de tudo, cada um (uma) de nós participantes sair do encontro felizes, nos sentindo amando e amados/as e podendo dizer para si mesmo/a: “Agora, sei que o Espírito de Amor me visitou porque eu o descobri em você, meu irmão, minha irmã“.
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Fonte: Site da espiritualidadelibertadora.org.br, 31/08/2017.