Por Lusmarina Campos Garcia*
Texto escrito para os “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres” e originalmente publicado em inglês pelo Conselho Mundial de Igrejas-CMI.
Maria, de Magdala, e Dilma, do Brasil, são duas mulheres cujas escolhas as colocaram em lugares estratégicos e em papéis de poder. Maria era uma seguidora e apoiadora de Jesus e tornou-se sua mais proeminente discípula. Dilma é uma economista, a primeira e única mulher até o presente momento, a ser eleita Presidenta do Brasil. Maria e Dilma tornaram-se alvo das culturas patriarcais vigentes nas suas sociedades.
Dilma para Maria: – Maria, é uma grande honra encontrá-la! Você tem sido uma inspiração através dos séculos para milhões de mulheres que viveram no passado e ainda vivem no presente sob regras e compreensões discriminatórias e opressivas, cujo objetivo é suprimir a capacidade de criação e produção das mulheres, assim como a sua autonomia e liberdade.
Maria para Dilma: – Ah Dilma, querida! Essa história de discriminação e opressão eu sei de cor! No lugar de onde eu venho, nós também tivemos que enfrentar o pensamento carcomido que impunha práticas degradantes à nossa dignidade e buscava negar a nossa participação na vida pública, fosse ela de caráter político, religioso ou social. Eu não compartilhava daquele tipo de pensamento; nem eu nem outras mulheres. Então, num determinado momento, nós decidimos seguir um rapaz, jovem, vigoroso, que se tornou um amigo próximo. Ele tinha uma compreensão muito diferente sobre religião, Deus, economia, sociedade; buscava a justiça nas relações, fossem elas sociais, políticas, religiosas ou pessoais. Havia tanta sabedoria em suas palavras, tanta ternura em seu olhar e tanta força na sua vontade! Nós conversávamos longamente e ele adorava aprender com a nossa experiência. Eu adorava a sua companhia e me tornei uma discípula sempre presente.
Dilma para Maria: -Sim, eu entendo que você foi uma das discípulas mais próximas de Jesus e mais relevantes para o movimento que ele conduziu. Você foi tão importante que o seu nome foi registrado doze vezes, em todos os evangelhos canônicos. Numa sociedade na qual as mulheres não podiam nem conversar com os homens em público, ter o seu nome registrado tantas vezes é sinal de que você era uma liderança reconhecida e apreciada pelas comunidades produtoras dos relatos e da memória do movimento de Jesus.
Maria para Dilma: – É verdade. Mas veja só: Quando o movimento de Jesus foi levado a Roma e se tornou a religião do Império Romano, a liderança das mulheres foi interrompida e a voz das mulheres calada. Nos tornamos quase invisíveis. Por exemplo, os meus escritos não entraram para a seleção canônica. E pior: os homens da Igreja iniciaram um processo de difamação contra mim e acabaram dizendo que eu era prostituta. Tem gente que até hoje acredita nesta narrativa.
Dilma para Maria: – A retórica patriarcal recicla, historicamente, os mesmos argumentos: ou infantiliza as mulheres depreciando o seu trabalho, a sua capacidade e a sua autonomia, ou as acusa de conduta sexual censurável.
Maria para Dilma: – Ou eles fazem o que fizeram com você: tentam provar que você não é suficientemente competente para a vida pública e a retiram à força. Eles usam procedimentos legais para impôr uma decisão política. Aquele impeachment foi vergonhoso! Mas eu senti um imenso orgulho de você! A sua coragem para expor as entranhas de um sistema corrompido e putrefato, com o qual você não compactuou, me fez ver que a luta e a presença das mulheres continua sendo medular e intransferível. O momento mais emocionante para mim foi quando você disse, firmemente, diante do senado: “Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes”.
Dilma para Maria: – Espere! Você assistiu? Onde você estava?
Maria para Dilma: – Do seu lado! Eu e milhões de outras mulheres que, por meio dos milênios, temos lutado por relações sociais equânimes, por justiça de gênero, pela preservação do meio-ambiente, por sociedades inclusivas e amorosas. Eu estava lá, bem do seu lado! Nós estávamos lá e nós estamos lá, todos os dias, ao lado das mulheres. Nenhuma mulher está só neste mundo! Nunca tenha medo.
Dilma para Maria: – Sabe Maria, houve uma mulher brasileira chamada Margarida, uma líder camponesa, que se tornou um símbolo para a luta das mulheres por direitos no Brasil. Uma vez, ela disse uma frase que eu jamais esquecerei: “Medo nóis tem, mas nóis não usa”. É isso: podemos ter medo, mas não o usamos.
Deixe-me dar um abraço em você, que é a maneira como nós nos encontramos e também nos despedimos no Brasil.
- Teóloga, pastora luterana e pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.