Por Francisco Orofino
Paulo escreveu uma carta pessoal para as comunidades da Galácia durante sua terceira viagem missionária. Nesta viagem ele visitou e animou as comunidades das províncias da Ásia, Macedônia e Acaia, região que hoje é a Turquia e a Grécia. Ele deve ter escrito a carta provavelmente em Corinto, no inverno de 57-58.
A Carta aos Gálatas é uma carta só de Paulo, já que na Introdução não aparece nenhum outro nome da Equipe Missionária. É uma carta pessoal que traduz bem a indignação de Paulo com o que ele ouvia dizer a respeito dos conflitos nas comunidades da Galácia e das fofocas a respeito da sua própria vida. Aqui e acolá, seu tom é seco e duro, quase ríspido e violento. Ao contrário das outras cartas, Paulo não começa o escrito com as tradicionais saudações e orações de ação de graças, nem conclui com bênçãos e invocações. Ele entra direto no assunto.
Lendo a carta percebemos algumas dificuldades com a linguagem usada por Paulo. É que a carta aos Gálatas não é uma carta pastoral, como as cartas aos coríntios ou a carta aos filipenses. Gálatas é um esboço de um tratado teológico, onde Paulo começa a organizar e a sistematizar seu pensamento de uma forma mais acadêmica. Assim, o texto nos parece confuso e difícil. Posteriormente, o próprio Paulo vai organizar melhor sua proposta teológica escrevendo a Carta aos Romanos. Podemos dizer assim que a Carta aos Gálatas é uma espécie de rascunho da Carta aos Romanos. Aqui vale lembrar o recado dado pela Segunda Carta de Pedro: “Considerem que a paciência de Deus para conosco tem em vista a nossa salvação, conforme escreveu para vocês o nosso amado irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi dada. Em todas as suas cartas ele fala disso. É verdade que nelas há alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem, como fazem com as demais Escrituras, para a sua própria perdição.” (2Pd 3,15-16).
Diante destas informações, vem dentro da gente a pergunta: “Mas o que houve? Qual foi o problema de Paulo com o pessoal das comunidades da Galácia?”
O problema que havia entre Paulo e a comunidade dos Gálatas
O problema surgiu quando as Igrejas na Galácia, onde Paulo tinha anunciado a Boa Nova, receberam missionários cristãos com propostas diferentes daquelas ensinadas por Paulo e sua Equipe Missionaria. Para Paulo, estes missionários cristãos pregavam um “Evangelho diferente” daquele que ele mesmo anunciava. Na carta, Paulo busca reafirmar que seus ensinamentos são o verdadeiro “Evangelho de Cristo” (cf. Gl 1,6-7). Paulo não aceita que alguém propague um outro evangelho, diferente daquele que ele mesmo anuncia e ensina. “Maldito aquele que anunciar a vocês um evangelho diferente daquele que anunciamos, ainda que sejamos nós mesmos ou algum anjo do céu. Já dissemos antes e agora repetimos: Maldito seja quem anunciar um evangelho diferente daquele que vocês receberam” (Gl 1,8-9).
Estes missionários, provavelmente fariseus convertidos, traziam uma proposta hoje chamada de “judaizante”. Eles diziam que para ser um bom cristão se faz necessário ser antes um bom judeu (cf. At 15,1). Por isso, exigiam que os pagãos já batizados fossem circuncidados e que observassem a Lei do Antigo Testamento. Mas os próprios judaizantes, em vez de insistirem na Lei dos Dez Mandamentos, insistiam em práticas que tinham a ver com ritos e comida, e esqueciam o mandamento mais importante da Lei: o amor a Deus e ao próximo. Como o próprio Paulo lembra: “Toda a Lei encontra a sua plenitude num só mandamento: Ame o seu próximo como a si mesmo” (Gl 5,14). Estes judaizantes estavam mais preocupados em rituais ultrapassados, tais com circuncisão, jejuns e festas, do que em observar a Lei de Deus (cf. Gl 6,13).
Diante deste problema que provocava muitas discussões e conflitos nas comunidades, Alguém deve ter apelado a Paulo. Ele elaborou então uma primeira resposta que é a Carta aos Gálatas. Mais tarde, aprofundou o assunto e elaborou sua proposta teológica que é a Carta aos Romanos. Paulo não admite que se obrigue aos cristãos que vieram do paganismo a se fazerem judeus. A nossa salvação, assim ele diz e repete, se dá por meio da fé em Jesus Cristo. “Sabemos que o homem não se torna justo pelas obras da Lei, mas somente pela fé em Jesus Cristo” (Gl 2,16). Ou seja, o que nos salva não é o que nós fazemos para Deus observando os mandamentos, mas sim o que Jesus, o filho de Deus, fez por nós, morrendo na cruz. Esta salvação é a mesma para todos, sejam judeus ou gentios. Ela se dá através do seguimento de Jesus Cristo e não pela observância de antigos rituais judaizantes. Paulo não admite este retrocesso. Anteriormente, muitos gálatas já tinham abandonado suas crenças nos deuses dos pagãos para aderir à proposta de Jesus Cristo. Como agora, novamente, queriam assumir ritos que fugiam do novo rumo da vida assumido pela adesão a Jesus Cristo? Seria como se, aqui no Brasil, após evangelizar e batizar os índios, disséssemos que, para eles se salvarem, deveriam rezar em latim e cantar cânticos em gregoriano, pois assim se fez na Igreja Católica por mais de mil e quinhentos anos, desde os tempos do imperador Constantino.
Conteúdo e Divisão da Carta
Endereço (1,1-5)
Primeira Parte (1,6 até 2,21)
- A situação: o Evangelho foi pervertido (1,6-20).
- A vida de Paulo (1,11-24).
- A missão de Paulo: anunciar a gratuidade da salvação em Cristo (2,1-10).
- A justificação pela fé em Cristo (2,11-21).
Segunda Parte (3,1 até 6,18)
- O retrocesso das comunidades na Galácia (3,1-5).
- A opção entre fé em Cristo e a observância da Lei (3,6 até 4,7).
- A exortação de Paulo: acolher a liberdade que o Cristo nos trouxe (4,8 até 6,10).
Conclusão (6,11-18).
Os sete temas centrais da Carta aos Gálatas
O lema escolhido pela CNBB para nos acompanhar na leitura comunitária da carta de Paulo aos Gálatas é esta frase: “Pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d). O lema é uma boa chave para revelar a riqueza da mensagem destes sete temas centrais da carta.
Em seu escrito, Paulo ressalta os seguintes assuntos:
- A salvação em Cristo que nos é oferecida gratuitamente por Deus (Gl 3,23-29)
- A liberdade em Cristo: é para a liberdade que Cristo nos libertou (Gl 5,1-6)
- A liberdade cristã não se confunde com libertinagem. O conflito entre “carne” e “espírito” (Gl 5,15-26)
- Jesus é o centro da vida cristã. Viver a Tradição judaica a partir da novidade cristã (Gl 2,15-21)
- Existe apenas um Evangelho. A unicidade da salvação em Cristo (Gl 1,6-10)
- Gloriar-se apenas na cruz de Cristo. Conviver no amor no meio de calúnias e mentiras (Gl 6,11-18)
- A liberdade é vivida no amor. Vida em comunidade (Gl 6,1-10).
Fonte: publicado no site Portal das CEBs:https://portaldascebs.org.br/