Por Francisco Orofino *
“Sempre tereis pobres entre vós.”
Mc 14, 7
No próximo dia 12 de novembro, o papa Francisco irá, mais uma vez, peregrinar até a cidade de Assis. Lá, na pequena capela da Porciúncula, preservada dentro da grande Basílica de Nossa Senhora dos Anjos, na periferia da cidade, manterá um encontro fraterno com mais de 500 pobres. Esta é a maneira que o papa encontrou para celebrar a 5ª Jornada Mundial dos Pobres, que acontecerá em 14 de novembro próximo, no 33º Domingo do Tempo Comum. Ao criar o Dia Mundial dos Pobres, Francisco busca retomar o sonho de João XXIII que, em setembro de 1962, um mês antes da abertura do Concílio Vaticano II, manifestou assim sua esperança: “A Igreja agora apresenta-se como ela é e como ela quer ser: a Igreja de todos mas, particularmente, a Igreja dos Pobres”.
No dia 13 de junho deste ano, festa de Santo Antônio de Lisboa, o papa Francisco lançou seu convite para mais este Dia Mundial dos Pobres. Ele escolheu como lema aquela frase de Jesus que sempre serve de fundamente fatalista sobre a manutenção da desigualdade entre as pessoas: “Pobre sempre tereis entre vós” (Mc 14,7). Ao trazer o episódio em que Jesus diz esta frase, o papa quer nos lembrar de que a o momento em que vivemos, acentuado pela desgraça da pandemia, aumentou a desigualdade entre as pessoas e os povos. A concentração de renda e o aumento da pobreza e da fome não será resolvido com esmolas, mas com a implantação do projeto do Reino de Deus trazido por Jesus.
O episódio do evangelho de Marcos em que aparece esta frase de Jesus (cf. Mc 14,1-11) é uma narrativa em que aparece claro que Jesus será morto. Esta morte é fruto de uma conspiração das elites religiosas (Mc 14,1-2) mancomunadas com a traição de Judas, um dos apóstolos escolhidos pelo próprio Jesus (Mc 14,10-11). Jesus está na casa de Simão, o Leproso. Durante a refeição, uma mulher anônima se aproxima de Jesus e derrama sobre a cabeça dele um frasco inteiro de um perfume caríssimo. Alguns dos presentes reagem com raiva, denunciando o gesto de mulher como um desperdício. Afinal, o perfume tem o valor de um ano de salário de um trabalhador. Tal quantia poderia ser dada aos pobres. No evangelho de João, quem faz esta crítica é o próprio Judas. E João acrescenta que a preocupação de Judas não é com os pobres, “mas porque era um ladrão. Ele tomava conta da bolsa comum e roubava do que era depositado nela” (cf. Jo 12,6). Tanto o evangelho de Marcos quanto o de João deixam claro que as falsas preocupações com os pobres, o roubo e a avareza são traições ao projeto do Reino trazido por Jesus.
Jesus defende o gesto desta mulher anônima. Ele diz: “Deixem-na. Por que vocês a aborrecem? Ela está me fazendo uma coisa muito boa. Vocês terão sempre os pobres com vocês e poderão fazer-lhes o bem quando quiserem. Mas eu não vou estar sempre com vocês” (Mc 14,7). Jesus tenta colocar na cabeça dos discípulos que as opções que ele fez, sua proposta, seus gestos e palavras vão levá-lo à morte. O que aquela mulher está fazendo é muito mais importante que dar esmolas aos pobres. Ela está ungindo o Messias pobre, fraco e indefeso. Não adianta atender aos pobres sem deixar clara a opção pelo Reino trazido por Jesus, o Messias Servo. Sem a implantação do Reino, pobres sempre haverá. Por isso Jesus conclui: “onde o Evangelho for pregado, também contarão o que esta mulher fez e ela será lembrada” (Mc 14,9).
Tanto a mensagem do Evangelho que serve de lema deste Dia Mundial dos Pobres quanto à própria instituição deste Dia de lembranças e compromissos deveriam acordar nossas instituições eclesiais para o ponto central da questão da pobreza. Não fazer a opção pelos pobres é atraiçoar o Evangelho de Jesus. Mas os pobres não podem ser a desculpa para que estas mesmas instituições arrecadem dinheiro e enriqueçam em nome da luta contra a pobreza, usufruindo destas quantias para levar uma boa vida, garantindo aos seus membros altos índices de consumo. Tudo em nome dos pobres. Esta é a atitude crítica de Judas Iscariotes diante do gesto gratuito daquela mulher anônima. Tudo porque era um “ladrão”. Roubava a esmola dos pobres.
Mas ao ungir Jesus, aquela mulher revela o verdadeiro rosto de um pobre. Jesus é agora o grande Pobre a ser eliminado pelos poderes deste mundo. A um crucificado não poderiam ser dados enterros, lamentos nem cuidados. Ficariam na cruz enquanto seus corpos caíssem aos pedaços. A mulher se antecipou e ungiu o corpo de Jesus antes de sua crucificação. Com este gesto ela diz que aceita e acolhe o Messias pobre e servidor. Jesus aceitou, acolheu e aprovou o gesto dela. O rosto do crucificado transparece até hoje no rosto da massa incontável dos pobres. Os pobres são os crucificados de hoje, verdadeiros sacramentos da presença de Jesus no meio de nós.
Fonte : Portal das CEBs: https://portaldascebs.org.br/