Artigos e Reflexões

Com nossos corpos fazemos teologias

Por : Juliana Henrique
Elinaide Carvalho
Jessica Silva
Glória Maria Carneiro

Teologia feminista ou Teologias Feministas? Como falar de uma pluralidade de experiências dentro de um universo que busca a dignidade das mulheres em sua diversidade? A teologia feminista se dá a partir da experiência dos corpos e da realidade de mulheres, difere de uma teologia distante, abstrata, apenas transcendente.

Quando as teologias feministas se articulam aos movimentos feministas e fazem de suas questões as questões cotidianas vividas pelas mulheres, se dá uma espécie de ruptura em relação às questões tradicionais da teologia e à sua forma de abordagem. Mais uma vez, essa maneira de fazer teologia não é institucional, no sentido de não ser assumida oficialmente pelas igrejas. Desenvolve-se à margem e por isso muitas vezes é difícil manter sua reprodução e crescimento, visto o caráter assistemático em que se apresenta. Nesse sentido, talvez precisaríamos criar formas de atuação mais organizadas para garantir uma vivência e uma teoria teológica que acompanhe o avanço dos movimentos feministas. (GEBARA, 2006)

Podemos falar do universo das teologias feministas, pois é possível encontrá-las em várias tradições religiosas, nos diferentes contextos e condições sociais, considerando: a transversalidade de gênero, a raça/ a etnia, o recorte geracional e as lutas sociais a partir das experiências dos corpos. Do fazer teológico surgem diversas teologias, seja a partir da vivencia das mulheres latino-americanas, das brancas europeias, das negras, das queer, das ameríndias, das campesinas, entre outras; porém todas tem algo em comum: um sistema que as (in)visibiliza, assim como a outros grupos sociais oprimidos.

Tal teologia “desvela como se estruturam as opressões e os jogos de poder que estabelecem as normas e controle sociais, que fundamentam as diferenças entre homens e mulheres.” (BENCKE; MOTTA, 2012)

Ora, não podemos falar de teologia feminista sem falar dos movimentos feministas que a precederam, pois foram às transformações provocadas a partir das lutas pelos direitos iguais principalmente na modernidade que ecoaram nas igrejas. Logo,

O movimento feminista na sua diversidade foi e é um movimento de ‘direitos humanos’ e se pauta fundamentalmente por uma agenda de direitos a partir do corpo como realidade singular e plural em busca de liberdade. Dizer corpo significa dizer, dos feminismos, direitos dos corpos. Todas nós vivemos, nos movemos, trabalhamos e amamos como corpos. O feminismo é um olhar crítico em relação aos lugares que ocupamos, às obrigações que nos impuseram e aos sonhos que nutrimos. Por isso, questões relativas à sexualidade, à maternidade voluntária, à luta contra a violência doméstica e à liberdade de opção sexual são reivindicações culturais, políticas e sociais que vislumbram outro tratamento e outra compreensão filosófica de nossos corpos. (GEBARA, 2017)

Assim como o movimento feminista, a teologia feminista inicia-se a partir do corpo submisso e silenciado no fazer teológico, nas interpretações misóginas da bíblia, na sociedade e na igreja. O termo teologia implica no estudo sobre Deus, um ser considerado exclusivamente espiritual, vale acrescentar que majoritariamente interpretado por homens nas igrejas, mas apesar de ser compreendido assim, jamais devemos esquecer que sua manifestação se dá em tudo que existe e na humanidade através de seres corpóreos, pois “nossas crenças começam em nossos corpos. É de nossas experiências físicas e psíquicas de diferentes tipos e intensidade que nascem as crenças. Essas podem se expressar de diferentes formas e nem sempre precisam ser afirmadas como crenças religiosas em alguém ou algo transcendente.” (GEBARA, 2006)

As crenças nascem e continuam a nascer em nossos corpos, mas tais experiências primordiais foram “relocadas” a partir de interpretações e interesses da dominação patriarcal na tentativa que deu certo, de obter o monopólio do sagrado, situando-o como “força distante de nós, forças abstratas, forças celestes, poderes desconhecidos, deuses e heróis masculinos.” (GEBARA, 2006)

E afinal, o que é essa dominação patriarcal ou patriarcado?

“Patriarcado é um termo legal, respectivamente político, que se refere ao domínio concreto do pater famílias sobre sua casa, isto é, não somente sobre sua família propriamente dita (esposa, filhos e filhas), mas também sobre seus assalariados/as e escravos/as. Isso indica, ao mesmo tempo, o componente econômico do conceito, respectivamente a correspondente realidade social. (…) o termo é apropriado para designar, de modo geral, o domínio de pais, com seus efeitos concretos da dependência jurídica, política e econômica de mulheres, crianças e pessoas não livres.” (WACKER, 2008)

Vale considerar que as mulheres sempre buscaram caminhos alternativos de resistência, e com isso vimos conquistando alguns espaços na sociedade, tais como na atuação profissional, nos cargos públicos, nas áreas de saberes/ciências/tecnologia e exercendo o sacerdócio em algumas correntes cristãs. Porém no catolicismo ainda está arraigada a dominação patriarcal, onde as mulheres não tem papel/atuação preponderante dentro da Igreja Católica Apostólica Romana, ficando seu exercício e participação relegada à pastoral, à catequese, às pequenas participações nas celebrações e aos cuidados com o espaço físico (limpeza, ornamentação e manutenção dos espaços físicos, a exemplo da economia doméstica, onde as mulheres exercem o papel primordial de garantir os cuidados e manutenção da família – cozinhar, lavar, limpar, educar, cuidar…), sendo assim o ambiente religioso um forte mantenedor das desigualdades de gênero e na sobrecarga dos cuidados com o doméstico.

Ao falarmos de teologia, sabemos que historicamente ela foi elaborada e institucionalizada pelos homens, pais/patriarcas da igreja, tendo uma ausência total das mulheres uma vez que estas eram consideradas seres inferiores pelos pais da igreja.

Navegando pela internet, deparamos com um coletivo de mulheres que enfrentaram o patriarcado diretamente, assumindo o poder de ler e interpretar as escrituras, em grego e em hebraico, línguas originais, questionando as interpretações de subserviência e obediência servil das mulheres aos homens. Vejamos,

A despeito disso tudo, no século XIX, temos a publicação da Bíblia da Mulher, livro composto de duas partes, a primeira publicada em 1895 e a segunda em 1898, escrito por Elizabeth Cady Stanton e uma comissão de 26 mulheres, que estabelece uma leitura crítica da perspectiva ortodoxa da religião cristã, numa leitura misógina da bíblia, em que a mulher deve ser subserviente ao homem. Ao produzir o livro, Elizabeth quis promover uma interpretação libertadora radical, que valorizava o desenvolvimento pessoal. A Bíblia da Mulher é considera um marco na reflexão da teologia, mesmo sendo composta pelos versículos bíblicos, dando ênfase à importância das mulheres ao longo da bíblia.

É nessa perspectiva que as teologias feministas retomam as experiências primordiais das mulheres, resgatando o verdadeiro fazer teológico a partir de seus corpos, conectadas com a natureza e a experiência profunda do bem viver em comunhão com os seres e criaturas, as matas, as águas, a terra; pois também somos a imagem e semelhança de Deus. Nosso fazer teológico bebe das fontes bíblicas, das tradições religiosas populares, das experiências com nossos corpos e da relação com o divino e nos impulsiona a desconstruir os sistemas de opressão e de desigualdade mantidos pela cultura machista, racista, androcêntrica e heteronormativa, que ainda se nega a dialogar com as realidades/diversidades vividas por nós/mulheres.

“A partir da história de certas experiências da vida humana (…) a partir de exemplos tirados de sua própria vida e da vida de outras pessoas, vamos descobrir, de forma breve, o caminho através do qual nós, mulheres e homens, construímos os sentidos das experiências marcantes de nossas vidas, o sentido das coisas que nos rodeiam e da relação com diferentes seres que convivem conosco. E, através desse caminho conhecido e desconhecido, vamos descobrir ‘o que é teologia’ .” (GEBARA, 2006)

O relato da jovemJéssica Silva, agente pastoral da CPT- Comissão Pastoral da Terra e membro da AJC, Associação de Articulação da Juventude Camponesa- a partir dos corpos, das construções de sentido, de resistência por uma vida digna.

“Deus pra mim é a força interior que carrego. É algo forte que surge da minha própria existência. Lembro-me da Jéssica Gaspar que canta: ‘Deus é uma mulher preta e por natureza sei que vou sobreviver, Deus é uma mulher preta benção minha mãe para lutar e escreviver’, estou falando dessa mulher preta. Mulher essa, que até hoje sofre sendo massacrada por “x” motivos.

Se olharmos para o aspecto religioso, nossas matrizes africanas cultuam Deusas e Deuses, nosso relativo de divindade é plural e atende as especificidades dos corpos. Porém, o marco histórico da segregação racial tentou destruir isso com várias ações, a escravidão separou-nos de nossos costumes, famílias, território e espiritualidade. Colonizaram-nos com uma teologia branca, como se fosse a única verdade, tentaram destituir as crenças em nossas divindades, que por causa disso até hoje sofre perseguição e violências em nome de Deus. Que Deus é esse? Para certas divindades, que geram a morte… Afirmo-lhes que sou ateia.

Dentro deste contexto, a teologia negra surge como alternativa à segregação e à omissão do limite à indiferença da igreja predominantemente branca. Que por sua vez defende a ideia de um único Deus, o todo poderoso, que tem uma imagem patriarcal e elitizada.

Hoje reafirmamos que a teologia negra tem vários rostos, então, não podemos falar só na teologia negra sem especificar quem fala e de que lugar fala (favela, quilombo, comunidades rurais, periferias, lugares marginalizados, …). Assim sendo, para as mulheres pretas, a teologia feminista também deve partir de uma hermenêutica negra, que permite às mulheres o resgate de sua dignidade, o acesso aos bens e serviços que promovem o enfrentamento do racismo em suas diversas faces, a promoção da cidadania plena, a visibilidade e a participação social efetiva”.

Acreditamos e nos movemos a partir de um fazer teológico feminista que objetivamente promove nossa (in)submissão de mulher, que nos coloca no lugar de fala, que respeita nossos corpos marcados por cicatrizes de violências físicas, psicológicas e simbólicas, que nos possibilita decidir, querer e estar em diversos espaços de poder, na sociedade, nas igrejas e na teologia.

Acreditamos no Deus de Jesus Cristo que não quer corpos das mulheres e meninas aprisionadas, escravizadas, estupradas e exploradas.

Considerando tais relatos, questionamos: onde e como nasce o fazer teológico? Afinal, não conhecemos e nos relacionamos com Deus? Ora, sendo parte da criação, então por que ao longo da história humana fomos excluídas, negligenciadas, instigadas à submissão e à obediência servil?

Infelizmente, ainda persiste no cristianismo uma hermenêutica e exegese interpretada pelo olhar masculino nas igrejas, que não leva em consideração as diversidades, que exclui as mulheres de espaços sagrados, que não acolhe as diversidade das culturas e não promove ritos e celebrações que respeite os anseios, as dores e as conquistas do povo/comunidade.

Sendo assim, almejamos uma teologia que:

  • devolva a dignidade dos corpos como um lugar de manifestação do sagrado, respeitando suas escolhas e preservando sua dignidade;

  • respeite as manifestações culturais e os universos simbólicos, tais como a dos povos indígenas, os povos de matriz africana e outros, enfatizando suas relações com as divindades e o cuidado com a natureza;

  • denuncie os abusos vividos pelas crianças, mulheres, pessoas em situação de vulnerabilidade;

  • construa espaços para ouvir as dores mais emergentes do nosso povo, que muitas vezes carece das condições mínimas de sobrevivência e acesso a cidadania;

  • instrua e empodere o povo a lutar pelos direitos e a construir políticas públicas.

  • respeite as diversas e diferentes formas de relacionamentos, vivência da sexualidade e expressões do amor;

  • construam espaços de vida e promova a dignidade e o respeito aos corpos;

  • que promova a comunhão fraterna, a vivência comunitária e muito mais!

Somos muitas, os nossos passos e a nossa resistência vem de longe, vem das mulheres presentes na bíblia, das nossas ancestrais, das mulheres das pequenas comunidades inseridas, de mulheres consagradas à vida religiosa, das teólogas e intelectuais, das mulheres inseridas nos movimentos sociais, das comunidades tradicionais, dos grupos de mulheres e de homens marginalizadas/os e excluídas/os.

E tantas outras que ao longo da história humana abrem brechas/espaços e vão minando o sistema patriarcal, parindo novas formas de (re)existir, de (re)viver, de sobreviver e de se relacionar com a grande ciranda da criação, abençoadas e ungidas pelas matriarcas, as diaconisas das comunidades primitivas, as mães da igreja e todas as mulheres do povo de deus.

Referências

BENCKE, Márcia Romi; MOTA, Sônia Gomes. Ecumenismo e feminismo: parcerias da casa comum. São Leopoldo: CEBI, 2012.

GEBARA, Ivone. Mulheres, religião e poder: ensaios feministas. São Paulo: Edições Terceira Via, 2017.

O que é teologia. São Paulo: Brasiliense, 2006.

SCHOTTROFF, Luise. Exegese feminista: resultados de pesquisas bíblicas na perspectiva de mulheres. São Leopoldo: Sinodal/EST;CEBI; São Paulo: ASTE, 2008.

 

Fonte : Site do Teologia Nordeste- X Semana TeológicaPe.José Comblin: https://www.teologianordeste.net/

 

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