Desde o chamado do Papa Francisco para a realização da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, vários encaminhamentos têm sido feitos, envolvendo leigos e leigas, juntamente com o episcopado, clero, religiosos e religiosas.
Por Edelson Soler*
Foram produzidos dois belos documentos preparatórios para a Assembleia: o Documento para o Caminho e o Guia Metodológico, além do Questionário para o tempo de Escuta Sinodal.
Ao sugerir uma grande amplitude de “aspectos importantes” e “tópicos relevantes” a serem considerados, o Questionário demonstra querer auscultar o coração de amplos setores da Igreja. Porém, os belos documentos preparatórios ignoram as questões ligadas à mais que urgente necessidade de desenvolver Pastorais da Diversidade no continente.
Assim como todas as populações vulnerabilizadas, as pessoas LGBTQIA+ não podem estar ausentes ou ser colocadas na “periferia” dos documentos eclesiais.
A Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe dará um grande passo rumo a uma Igreja sinodal, reconhecendo-se inspirada desde a base pelo Espírito Santo, ao acolher efetivamente as pessoas LGBTQIA+ e os grupos nascentes ligados à Diversidade, bem como reconhecendo e apoiando as iniciativas de sucesso que se espalham pela maioria dos países latino-americanos.
As questões ligadas ao acolhimento, ao cuidado e ao protagonismo de pessoas afetiva e sexualmente diversas colocam-se como uma exigência pastoral do mesmo nível da defesa dos povos indígenas, da população negra e das mulheres. É preciso, sem ignorar as especificidades de cada questão, reforçar uma visão sistêmica e interseccional, reconhecendo que pessoas LGBTQIA+ negras ou indígenas, especialmente as mulheres trans e travestis dessas etnias, estão nos lugares mais violentados e sofridos de nossa pirâmide social. São as mais pobres entre os pobres, devendo constar, portanto, no rol de opções preferenciais da Igreja latino-americana e do Caribe.
Os grupos católicos da Diversidade têm crescido ao redor da Palavra, da Mesa Eucarística, da partilha de vida e da abordagem de temas que, muitas vezes, são deixados de lado ou até mesmo tratados com preconceito e sem o devido embasamento científico e teológico pela Igreja institucional.
Sempre protagonizados pelas próprias pessoas LGBTQIA+, na sua maioria jovens, com ou sem apoio das lideranças hierárquicas, esses católicos e católicas retomam sua identidade religiosa, após uma longa história de discriminação e até mesmo de violência institucional. Muitas delas passaram por processos de violência emocional e de exclusão de suas comunidades, mesmo após uma infância e adolescência vividas no seio das igrejas. Muitas delas conheceram outras que se suicidaram.
Na contramão desse processo perverso e anti-cristão, centenas de grupos católicos e ecumênicos têm se transformado num dos movimentos eclesiais que mais crescem no continente e em várias partes do mundo todo. Já existe atualmente uma Rede Mundial de Católicos da Diversidade (Global Network Rainbow Catholics), com ramificações em vários continentes. A Rede Latino-americana reúne atualmente dezenas de representantes de países de fala espanhola e portuguesa. No Brasil, 23 grupos integram oficialmente a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBTQIA+.
A Igreja sinodal vislumbrada por Francisco, certamente inspirado pelo Espírito Santo, precisa assumir a interseccionalidade, já vivida por Jesus de Nazaré, como um dos pilares de uma espiritualidade nova, porque o Evangelho é uma Boa Nova permanente, que nos inspira, questiona e faz ansiar pela chegada do Reino de Deus.
*Edelson Soler é professor e escritor, membro do Grupo de Ação Pastoral da Diversidade – GAPD SP – e da Comissão Regional para o Diálogo com a Diversidade, órgão ligado à Região Sé da Arquidiocese de São Paulo.
Artigo publicado no site do CNLB: https://www.cnlb.org.br/?p=7987