Por: Cláudio Márcio Rebouças da Silva *
Jesus mesmo disse que gostaria de acolher a Jerusalém, tal como uma galinha que abraça e reúne os seus filhotes, mas o povo rejeitou-O e não quis (Mateus 23:37)
Um dia desses fomos (eu e Jussi) entregar uma lembrança a uma amiga que estava fazendo aniversário e ela ao nos encontrar disse sorrindo: obrigado e não precisava. O que quero mesmo é um abraço! Fiquei sem jeito pelo contexto pandêmico, porém, já que estávamos de máscara, dei um rápido e simbólico abraço.
Simbólico pelo fato que além de amigo, do afastamento-isolamento social e da saudade que não tem fim, mesmo morando na mesma cidade, estava ali também a representação do líder religioso dando-recebendo afeto e expressando a face cheia de amorosidade de Deus. O abraço em nossa cultura é tão forte que criaram o abraçaço. Gostamos de sentir a pele e o cheiro do outro, isto é, faz parte de nossa socialização esse modo de ser no mundo.
Aqui em Muritiba existe uma expressão “fulano(a) deu um abraço de crocodilo”, isto é, foi falso, assim sendo, não se deve confiar nele(a). É possível que em sua região existam outros nomes com um significado bem semelhante. O que estou tentando dizer é que o abraço também é lugar de ambivalência entre a vida e a morte. Não é apenas a prática do ato, mas, quem, como, onde e porque se abraça alguém. O pensar sociológico pode ser chato para quem gosta de simplificar as relações sociais.
Há situações em nosso cotidiano que o abraço (a depender de quem oferece e do contexto) é sinal de potência de vida que nos faz ficar em silêncio, emocionado e cheio de esperança. Veja que o abraço do aniversário, da aprovação no vestibular não é o mesmo quando estamos em um sepultamento (sem a pandemia).
Suspeito que a ausência real no que tange às práticas litúrgicas ligadas ao templo não é apenas uma percepção de Deus no templo e das carências de símbolos sagrados. O que temos falta é da comunhão, é do encontro, do beijo no rosto, do dengo do outro, da criança que corre se joga em nossos braços, da refeição feita em conjunto acompanhada de resenhas do cotidiano dos outros e de nós mesmos.
Temos falta do cantinho do café depois do culto. Temos falta do “segundo culto” quando acaba o oficial com risos e planejamentos de coisas sérias que precisaremos comunitariamente resolver. Deus habita nos diversos momentos do templo e no pátio do templo e na nossa cozinha. Deus é o mesmo que nos acolhe em casa e nas ruas e praças da cidade.
A falta que temos não é de Deus. Temos falta de uns dos outros, pois, no nosso riso o Senhor se alegra. No nosso choro ele também derrama lágrimas. O Deus da vida em Cristo Jesus nos abraçou e nos reconciliou. Recebemos nova oportunidade de viver sobre a orientação do Espírito Santo que nos envia a falar e revelar o amor de Deus sem palavras, apenas com um abraço. Você acredita no poder deste ato que acolhe e não julga? Que compreende e sustenta quem necessita?
Quando acabar a pandemia e se sobrevivermos a essa dura realidade, precisaremos desenvolver uma teologia e uma espiritualidade do abraço, ou seja, a relação da Igreja e Sociedade pode ser mais próxima do que propôs Jesus ao “pegar as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou” (Marcos 10:16). Não se iluda, a bênção é tocar e acolher, ou seja, é uma relação demasiadamente humana. Deus é esse mistério que se mostra com muitos rostos humanos e diversos nas expressões culturais. A falta que temos de Deus é justamente nessa dimensão do encontro com o humano.
* Reverendo da IPU de Muritiba (cidade serrana no recôncavo baiano).