Uma palavra de reflexão neste dia de finados de 2020
pela Pastora Lusmarina Campos Garcia*
Neste dia de finados, me dirijo a vocês, irmãos, irmãs, amigos, amigas, para refletir sobre a morte e entregar as nossas pessoas amadas, que morreram, nos braços de Deus.
Começo lembrando de um fragmento de um poema escrito por Cesar Vallejo, o poeta peruano que diz: “sobre o seu corpo morto habitavam mundos”.
Um “corpo morto sobre o qual habitam mundos” é um corpo que, no silêncio da morte, pronuncia palavras, conta estórias, faz gestos, e afirma a sua presença em meio à ausência. É um corpo de se recusa a ser esquecido ou negligenciado. E quando não estiver mais lá, os mundos que o habitam, permanecem. Esta é a razão porque, quando alguém morre, os seus pertences e o espaço no qual esta pessoa habitava, continua cheia da sua presença.
Uma pessoa não é só o corpo que conhecemos e amamos. Ela é uma gama imensa de complexidades que se expressam através de relacionamentos, encontros, percepções, sentimentos, palavras, silêncios, energias intercruzadas, conexões profundas. Assim, as pessoas amadas que perdemos são mais do que os corpos que aprendemos a amar e a respeitar, elas são o que acontece dentro de nós quando pronunciamos os seus nomes, quando dizemos palavras que contam o que elas foram, do que gostavam, o que lhes interessava. Ao contarmos, fazemos memória, e ao fazermos memória, estas pessoas continuam vivas em nós. Cada vez que cada um e cada uma de vocês contarem histórias ou lembrarem das suas pessoas amadas que morreram, elas estarão lá. Toda vez que vocês chorarem de saudade, elas estarão lá, porque elas permanecem conosco, em nós.
A morte penetra a vida, mas a vida também penetra a morte. É esta a perspectiva que eu convido vocês a acolherem neste momento. Nós queremos pensar na morte como o outro lado da vida; um lado indecifrável, para nós, mas que, de acordo com a tradição cristã, foi adentrado e conhecido por Jesus Cristo. Em Cristo, “corpos mortos cheios de mundos” são transformados em corpos vivos cheios de mundos novos numa dimensão completamente restaurada. Jesus disse para Maria, a irmã de Lázaro: “o seu irmão viverá outra vez”. E em Romanos 14:7-8 lemos: “ningém vive para si mesmo e ninguem morre para si mesmo. Se vivemos, vivemos para Deus e se morremos, morremos para Deus. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos de Deus”.
Neste dia de finados, quando o Brasil conta mais de 160 mil mortos pela COVID19, nós queremos afirmar que as pessoas que morreram por COVID e por outras razões, vivem na presença de Deus, que é amorosa, e acolhe a todas e todos sem distinção.
É a esta presença amorosa, ao abraço afável de Deus, que nós queremos entregar os nossos amados e as nossas amadas que partiram. Por isso pedimos: Recebe Deus os nossos amigos, amigas, pais, mães, filhos, filhas, maridos, esposas, namorados, namoradas, sobrinhas, sobrinhos, avós, cunhados, cunhadas, todas as pessoas a quem amamos e por quem fomos amados. Recebe-as. Em teus braços as entregamos. Amém.
Que Deus dê a todos vocês e a todas nós, um tempo de lembrança e de saudade, mas também de esperança, para saber que algum dia nos encontraremos outra vez.
Um beijo no coração de todos e todas vocês.
* Teóloga eco-feminista, pastora luterana e pesquisadora de direito no Programa de Pós-Graduação de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro