Por Padre Soares *
A natureza tem reclamado muito sobre os estragos que estamos causando ao sistema do clima, do solo e, por isso, veem as enchentes, tsunamis, agora surge a nuvem de gafanhotos, o trágico vírus do COVID e por aí vai. Vai, vai a mãe terra, os oceanos e os animais e plantas – matamos o texto bíblico, “E Deus viu que tudo era muito bom” Gênesis 1, 10.12.18 – reclamando dos estragos que impomos a nossa Casa Comum. Para ser sincero, existem profetas e profetizas que nos ajudam a combater os males do tempo presente, mas não queremos escutá-los e ainda campanhas são produzidas para macular suas imagens (é o caso do papa Francisco, da menina Greta, de líderes indígenas e outros).
Por sua vez, nos tronos com suas almofadas e com seus “capatazes”, muitos reis durante a história de Israel provocaram desgraças na vida do povo. Rios sofreram e pessoas gemeram de fome e sede. Muitos foram exilados e até mortos como no caso de Nabot de Jezrael (1Rs 21,1-16) que foi arrancado e assassinado na sua própria terra. Uma imagem bíblica dolorida e que recorda as mortes por terra no Brasil. Neste caso, foi lastimosa a conduta do rei e sua esposa Jezabel, que no primeiro ou num dos primeiros casos de luta pela terra que a bíblia narra, levou um israelita a morte. Pura ambição e mal uso do poder em Israel, dando a entender rapidamente que a monarquia e a profecia não dariam certo. Neste caso de Nabot, Elias protestou e foi perseguido.
Violência contra os (as) escolhidos (as) de Deus perenizaram-se desde o Israel antigo – primeiro testamento – até chegar o tempo de Jesus. Nesse texto, queremos dar início a uma série de dois ou três pequenos artigos para evidenciar está dicotomia nefasta entre trono e palavra. Mostrar a carência que sofremos hoje de homens e mulheres com voz contundente e sem interesse pelo poder e pelo dinheiro. A carência de bocas místicas e corajosas que nos estimulem na redescoberta de nossa vocação profética. Todavia, reconhecemos que ainda existem aqui e acolá nomes que serão destacados mais a frente.
Fazendo uma leitura acurada de alguns episódios proféticos, desejava chegar a Elias e sua missão abissal que com muita coragem enfrentou os 450 profetas de Baal, numa epopeia de encher os olhos. Queria no dia passado de João Batista – foi 24/6 – confirmar que o primo de Jesus veio com “o espírito e a força de Elias” (Lc 1,17), para realizar a ponte extraordinária entre o primeiro e o segundo testamento. João, fruto de uma ação miraculosa de Deus, veio para preparar a chegada do Messias e Lucas narra assim o fato inusitado: Lucas 1,5-25.
Apaixonado por João Batista, colocamos no nosso lema diaconal o texto de sua palavra que diz: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (João 3,30). João, luzeiro e instigador, foi o grande profeta que precedeu Jesus no nascimento, batizou-o nas águas do Jordão – portanto começou a pregar primeiro – e foi assassinado antes do “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). E, nas pegadas de João e Elias deparei-me com este texto espetacular que apresento agora e depois comentarei fechando o primeiro artigo:
“Então o rei de Israel ordenou: Prenda Miquéias e o leve ao governador Amon e ao príncipe Joás Você dirá a eles: ‘Por ordem do rei, ponham esse homem na prisão e o tratem a pão e água, até que o rei volte vitorioso’. Miquéias disse: Se você voltar vitorioso, Javé não falou por minha boca” (1Rs 22, 26-28).
O profeta Miquéias foi chantageado e preso de modo violento por causa de sua conduta profética. A quem desagradou? Ao rei Acab e aos seus “capatazes”. E o texto inteiro – 1Rs 22,13-38 – dentro do seu contexto é de uma guerra atabalhoada que Acab queria realizar contra os arameus e contou com o apoio do rei de Judá, chamado Josafá (1Rs 22,2-4). Todos os profetas do rei aprovaram a iniciativa. “O rei de Israel reuniu os profetas, cerca de quatrocentos homens, e lhes perguntou: devo atacar Ramot de Galaad, ou não? Eles responderam: pode ir, porque Iahweh a entregará nas mãos do rei” (1Rs 22,6). Para eles, o rei sempre tinha razão e então uma pergunta se impõe: para que consultar o profeta? Para legitimar a decisão do trono? Por que usavam o nome de Deus nas guerras e outras iniciativas? A própria resposta de Miquéias de Jemla nos concede luzes e respostas:
“O rei de Israel comentou então com Josafá: Eu não disse a você? Ele nunca me profetiza boa sorte, mas sempre desgraça. Miquéias replicou: Ouça a palavra de Javé. Eu vi Javé sentado em seu trono, e todo o exército do céu estava em pé, à direita e à esquerda de Javé. E Javé perguntou: Quem poderá enganar Acab, para que ele vá e morra em Ramot de Galaad? (1Rs 22,18-20).
- a) O eterno desejo de manipulação. Deus não concede privilégios a reis e a seus filhos e filhas por ocuparem cargos de destaque. O fato de sentar-se num trono, não capacita o rei a ser dono de Deus e de suas decisões. Na época do primeiro testamento, evidencia-se o fato da escolha e proteção de Israel que na bíblia chama-se de Vinha do Senhor (ex. Salmo 79/80). Os reis escolhidos eram para proteger está propriedade e não tirar proveito dela e de Deus.
Nunca o desfecho da história dos reis foram favoráveis quando tentaram manipular em vão o nome de Iahweh. Se está consciência estivesse na cabeça dos cristãos e cristãs de hoje, não veríamos e não escutaríamos tantos desmandos no Brasil tanto nas campanhas eleitorais como nos mandatos dos governantes. Essa ideia de pátria livre e pseudo-cristã e de que Deus envolve-se nas decisões do executivo ou de qualquer poder hoje, é mais uma aberração dos malucos e fascistas de plantão.
- b) Uso indevido da religião. Normalmente isto acontece em contextos de vulnerabilidade por parte do povo, dos sacerdotes e da própria sociedade. Jeremias tem um texto que expressa bem está realidade (Jeremias 14,1-7.18-22). Buscar na religião o arco da legitimidade para explorar e destruir os direitos do povo, é próprio dos soberbos e gananciosos. O fio da religião que pode ser parecido com uma navalha – cortando de ambos os lados – consegue penetrar na medula e nos ossos de um povo que não possui memória histórica e nem consegue enxergar na religião a porta de sua liberdade. Maus pregadores também colaboram com este uso nefasto e o trono nunca aceitou a verdadeira profecia exatamente porque a palavra aguda de profetas como Amos, Jeremias, Sofonias e outros, não permitiam idolatrização das leis e mandamentos e nem de uma sadia vivência religiosa (Amós, 7,10-15; Jeremias, 26,1ss).
Nos próximos artigos ampliaremos a profecia no segundo testamento e como enxergamo-la nos dias atuais.
Padre em Aracaju, assessor das CEBs e do CEBI-SE