O salmo 139 diz:
“Não te eram ocultos os meus ossos,
Quando, em segredo, eu estava sendo formado,
E o meu corpo era tecido nas profundezas da terra (verso 15).”
Essas palavras refletem a convicção antiga do povo bíblico de que o ser humano era concebido no útero materno, depois era misteriosamente assimilado pela terra que lhe assegurava os ossos e devolvido ao útero materno quando o ventre começava a crescer.
Apesar de que esta crença nos pareça mítica e distante, contém esta intuição que a ciência contemporânea descobriu que nossos ossos contêm elementos químicos que estão na terra e em outros planetas.
As espiritualidades indígenas, de tal forma, retomam esta visão que afirmam que, ao sepultarmos nossos entes queridos, nós os plantamos na mãe Terra. E Pedro quis ser enterrado no cemitério indígena dos karajá às margens do Araguaia, debaixo de um imenso pequizeiro e diante de uma grande cruz de madeira, que nos traz o martírio de muitos povos indígenas, para os quais a Cruz trazida pelos conquistadores foi instrumento de morte, violência e genocídio cultural e religioso. Pedro viveu a maior parte de sua vida no cruzamento destas duas hastes, a vertical na qual Deus se identifica com as vítimas da colonização e do capital e a haste horizontal que exige como palavra divina: Fazer descer da cruz os oprimidos e descolonizar a fé e as religiões.
Pedro, querido irmão e mestre, não sei se conseguiria estar aí presente com os irmãos que plantam seu corpo. De todo modo, mesmo de longe, te planto para sempre em minha vida. E te ofereço não apenas simbolicamente minha pele, meus pés, meu pensamento e minha voz. Os dias que me restam viver quero consagrá-los a continuar a missão que nos é comum. Agora que estás na plenitude do reino, junto com meus outros mestres e mestras do coração, saibas que aprendi de ti a espiritualidade dos mártires da caminhada e quero ser um deles. Aprendi de ti a espiritualidade ecumênica e prometo viver cada palavra de fé nela mergulhado. E continuarei sim a lutar por uma Igreja profética do amor que não permite hierarquias sagradas e diferenças de consagração entre irmãos e irmãs batizados. Obrigado por me ensinar isso e seguimos juntos na comunhão dos santos e santas. Dá meu abraço a Tomás, a Dom Helder, Dom José Maria, Dom Fragoso, Dom José Gomes, Mãe Stella, as irmãs Agostinha e Maria Letícia e tantos outros da nossa família ampliada que estão juntos contigo.
Fico ruminando no coração a consolação de Jesus: “Filhinhos, no mundo sempre tereis aflições. Coragem. Eu venci o mundo” (João 16, 33)
Marcelo Barros é Monge Beneditino e assessora o CEBI