por Nilton Júnior*
A igreja de Jesus é um só corpo e essa é a vontade de Deus.
Essa afirmação é muitas vezes respondida quando indagamos sobre o racismo na igreja. No entanto, facilmente se percebe que, apesar da Igreja ser um único corpo, ela não é um corpo único. Ela é diversa.
Não se pode esconder a desigualdade que existe e estrutura esse mundo. Mundo no qual a igreja está inserida e ainda reproduz suas injustiças. É fato: irmãos negros e, sobretudo, irmãs negras, tem sua existência marcada pelo silenciamento, segregação e até demonização, ou seja, são submetidos a mais profunda desumanização. Uma afronta à vida em abundância prometida por Jesus.
A igreja como “um só corpo” deve responder a isso com Verdade, reconhecendo esse pecado estrutural, do qual muitas vezes é promotora e chamar ao arrependimento individual, coletivo e institucional. Não se trata de uma nova norma de conduta, é um urgente rompimento com sistemas de opressão que continuam invisibilizando a pessoa negra.
A nossa fé nos estimula a olhar este mundo em sua concretude, não apenas no horizonte que almejamos. Os dados de mortalidade da juventude negra, de encarceramento e de adoecimento psicossocial já são motivos suficientes para nos desvendar os olhos e nos mostrar que ainda não nos percebemos como um só corpo. Existe parte deste corpo de Cristo que está caído na periferia e, assim como Jesus, está sob a mira de um aparato político que extermina os que considera descartáveis.
Então, sim, somos todas/os filhas e filhos de Deus. Mas, o racismo faz distinção entre nós. Culpar a negritude por isso é como culpar um médico pelo diagnóstico. Essa culpabilização é mais uma forma de promover racismo.
Em novembro, mês da consciência negra, costumamos fazer momentos de debate e denunciar o racismo.
Especialmente no dia 20, dia que rememoramos a páscoa do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, martirizado por causa da sua resistência à escravidão e de sua liderança entre o povo negro.
Zumbi, juntamente com suas companheiras e companheiros, foi voz profética da liberdade, numa época em que os cristãos elaboraram desculpas teológicas para perpetuar a exploração do povo africano. Mas a estrutura racista é tão persistente que esse grande líder ainda hoje é perseguido por quem tenta reescrever sua história deturpando seu legado.
Precisamos avançar! Essa temática não cabe em apenas um feriado. O povo negro que constrói esse país e é a maior parte nos espaços religiosos não pode ser ouvido apenas numa única data. Temos muito a falar, muito a contribuir e mostrar como somos e seremos resistência.
O tempo é chegado.
Vivamos a fé em Jesus, lembrando que Ele não é aquele loirinho de olhos azuis que nos impuseram. O Nazareno está muito mais perto da nossa fisionomia e, infelizmente, também poderia ser alvo do racismo que atinge seu povo.
Se calarem a voz dos profetas, mil pedras clamarão.
Em memória de Zumbi, Dandara e de Jesus.
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Texto de Nilton Júnior (Natal/RN), membro da Igreja Batista do Coqueiral (PE), Ecólogo, Biólogo e professor da educação básica.