por Magali do Nascimento Cunha via Novos Diálogos*
Nas reflexões e análises relacionadas ao mundo evangélico, tenho insistido que não é possível referirmo-nos aos evangélicos brasileiros como um grupo único.
O amplo apoio deste segmento religioso à eleição do presidente da República Jair Messias Bolsonaro e a participação de algumas lideranças na composição do governo acabou servindo para confirmar um certo senso comum de que evangélicos são sinônimo de conservadorismo.
Quem se interessa em refletir e dialogar com este complexo segmento, precisa, no entanto, enxergar além desta equação. Se houve e ainda há amplo apoio a um governo ultraconservador da parte de evangélicos, há também uma significativa reação a ele no mesmo grupo, com uma oposição que não pode ser desprezada.
A polarização entre evangélicos conservadores e evangélicos progressistas é histórica (tenho escrito muito sobre ela aqui) e se concretiza não apenas em disputas discursivas. Nos contextos de hegemonia conservadora, passados e presentes, há episódios de confrontos, perseguições e expurgos.
No tempo presente, pesquisas do Datafolha indicaram que sete em cada dez evangélicos votaram em Bolsonaro, embora apenas quatros entre dez ainda lhe reservem apoio após três meses de um governo marcado por críticas. Entretanto, seguindo as trilhas históricas, o polo progressista garante sua expressão, evidenciando a polarização. Dois eventos ocorridos na última semana ilustram bem o que estou dizendo.
Em 4 de abril, foi realizado o Segundo Encontro de Intercessão (Oração) pela Nação. O evento, realizado em um hotel de Brasília, reuniu 140 líderes evangélicos, entre pastores, empresários e magistrados (uma nova e significativa elite do segmento que merece ser refletida). Lá participaram os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Damares Alves (Mulher, Direitos Humanos e Família), o advogado-geral da União, André Mendonça, mais quatro secretários-executivos do governo, o presidente da Bancada Evangélica, Pastor Silas Câmara (PRB/AM), e o presidente da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do MEC), Anderson Correia.
Contrapontos
Os temas centrais foram o apoio à chamada Reforma da Previdência, críticas ao STF e a estabilização do Ministério da Educação. Os organizadores avaliaram como bem sucedido o evento de apoio ao governo federal por ter reunido líderes influentes de várias denominações evangélicas entre tradicionais e pentecostais.
No dia seguinte, sexta-feira, 5 de abril, teve início o I Encontro Nacional de Evangélicos e Evangélicas do Partido dos Trabalhadores (PT), com a participação de cerca de 100 pastores e leigos de 12 estados do Brasil.
Com programação até o dia 6 de abril, o evento, realizado num centro de formação católica em São Paulo, avaliou criticamente o distanciamento do PT não só dos evangélicos, mas das bases populares e pensou formas de o partido se aproximar deste segmento religioso e de retomada dos trabalhos de base.
Participaram do encontro a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a deputada federal evangélica Benedita da Silva e outras lideranças do partido e de movimentos de esquerda.
No fim, os participantes apresentaram um documento enviado à direção nacional do partido, com suas ponderações, e uma Carta Aberta às Evangélicas e Evangélicos e ao Povo Brasileiro Pela Libertação do Presidente Lula, em defesa da Democracia e pelos direitos do povo trabalhador Brasileiro.
Como qualquer outro eleitor
O cientista da Religião Edin Sued Abumanssur, convidado para um estudo, afirmou: “Os evangélicos não são nem de direita nem de esquerda. Dizer que os evangélicos elegeram Bolsonaro é um equívoco. Quem os evangélicos ajudaram a eleger no Maranhão? Um governador do PCdoB. As razões para o evangélico votar em A ou B são as mesmas razões para qualquer um votar em A ou B. O evangélico não votou no Bolsonaro porque é evangélico, votou porque 57 milhões votaram no Bolsonaro”.
Este é um dos muitos encontros realizados, frequentemente, Brasil afora, com evangélicos vinculados a partidos de esquerda e movimentos sociais. Como era de se esperar, a divulgação gerou muitas críticas de lideranças religiosas, relacionadas ao evento de Brasília, alegando que evangélicos “de verdade” não apoiam a esquerda, pois “são conservadores”.
Esta afirmação é falaciosa, pois busca, no grito, negar e silenciar a pluralidade própria dos diferentes grupos religiosos, que se dá na variedade de teologias e doutrinas, na diversidade das vivências em comunidades religiosas e nas múltiplas formas de atuação social que a fé estimula.
É urgente superar a apresentação dos evangélicos como um grupo homogêneo, rechaçando tendências unificantes de um segmento religioso que é mais do que plural.
A homogeneização dos evangélicos só interessa a quem age para instrumentalizar a religião para projetos de poder. Ao contrário disso, exercer a fé na política exige fidelidade aos princípios do Evangelho do amor, da paz com justiça, da misericórdia, do despojamento e da tolerância em meio às diferenças.
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Fonte: Carta Capital, coluna Diálogos da Fé (10/04/2019). Magali é jornalista, educadora, e membro da Igreja Metodista. É doutora em Ciências da Comunicação, mestre em Memória Social e graduada em Comunicação Social (Jornalismo). É autora de “Explosão Gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico contemporâneo”, pela Editora Mauad. É integrante do Grupo de Referência da Peregrinação de Justiça e Paz do Conselho Mundial de Igrejas. É colunista da Carta Capital. Artigo retirado do site Novos Diálogos.