por Marcos Aurélio dos Santos*
O caminho de Jesus de Nazaré até a cruz foi pontuado por seu amor libertador a um povo vítima da opressão político-religiosa. Um fato histórico e revolucionário que nos desafia a refletir a páscoa a partir de uma nova leitura do texto bíblico, no contexto da realidade da vida hoje. A páscoa, que celebra a ressurreição do Cristo crucificado não é para ontem, não é para dois mil anos atrás, a páscoa é para o nosso tempo.
Urge repensar nosso velho conceito do que é a páscoa, do seu significado bíblico-histórico, a partir de uma nova lente. Certamente transcende o entendimento reducionista-dicotômico de que a morte e a ressurreição de Jesus se limitou a remissão do pecado pessoal sem levar em conta sua caminhada de libertação e amor entre os pobres e excluídos do seu tempo. Em meio a um contexto sócio-político, o homem da Galileia foi vítima do sistema opressor de seu tempo. Jesus foi preso, torturado e assassinado por se opor ao templo e tudo que ele representava; foi julgado pelos tribunais, religioso e político. Fez oposição ao estado romano, operador da opressão, foi vítima dos mecanismos perversos reservados aos inimigos políticos dos romanos e dos religiosos fundamentalistas(fariseus, escribas e saduceus), o que lhe custou execução como inimigo subversivo.
O livro do Êxodo nos conta sobre a libertação do povo de Deus, que por quatrocentos anos esteve sob opressão no Egito – um período marcado pela escravidão, sofrimento e dor (Êxodo 12). A Páscoa segundo o Êxodo é o povo de Deus em saída, é a celebração da luta de um povo que se levanta com resistência para lutar por sua liberdade, pelo direito à terra, pela comunhão, de um ajuntamento para partilha do pão e defesa da vida de todos/as. O Deus Javé desce para caminhar com o seu povo, que em meio a dor aponta um caminho de amor e esperança para prosseguir na luta libertária com os pobres.
Em uma ligação profunda e concreta com a crucificação e ressurreição do Cristo, muitos estão crucificando Jesus pelo mundo hoje. Em uma linguagem simbólica, podemos falar dos que são crucificados todos os dias, vítimas da exclusão e opressão de um sistema excludente. Corpos vitimados por um sistema injusto, corpos crucificados sob o silêncio dos “cidadãos de bem”. Um silêncio que legitima a morte de negros, de LGBTs, de crianças pobres, de favelados, de moradores das periferias, de mulheres, de líderes que lutam pela terra e moradia, de indígenas e de imigrantes. São milhares de crucificados sob aplausos de uma classe média alienada. O sangue das vítimas clama nas calçadas, nas vielas, nas partes baixas, em uma resposta ao silêncio dos “cidadãos de bem”.
A Páscoa é amor libertário, é vida em abundância, é comunhão e vida comunitária, é compaixão.
Todos e todas nós somos chamados à fraternidade em uma demonstração concreta de amor pelos excluídos, não de palavras em meio a discursos vazios, mas no fazer. A ressurreição dos corpos banhados de sangue pela violência emerge de maneira forte e simbólica nas falas e ações daqueles que decidiram lutar pela libertação dos pobres, ressurreição que deve se concretizar na vida, no dia a dia de cada um de nós.
A ressurreição do Cristo é a libertação dos oprimidos, de vítimas de um sistema institucional perverso e dominador. Que nossa páscoa transborde em amor, compaixão e misericórdia, que possa gerar vida em abundância, assim como fez o Jesus de Nazaré no caminho da cruz.
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Enviado pelo autor.
Ilustração de capa: Jesus Mafa.