Leia a reflexão do evangelho para o dia 24 de dezembro, véspera de Natal. O texto fala sobre Lucas 1,67-79, e a reflexão pertence a Edmilson Schinelo.
Boa leitura!
Festa agradável é a visita de um parente ou amigo que, apesar de próximo, às vezes mora distante. Melhor ainda, quando essa visita traz boas notícias! Em tempos de Natal, muitos desses reencontros acontecem. Na nossa tradição, Natal é tempo de matar saudade, de reforçar os laços e saber das novidades.
O povo de Israel fala muito das “visitas de Deus”, sempre acompanhadas de algum presente. Não de presentes como o mercado apregoa, para aumentar o lucro e o consumo. O presente que Deus traz é graça e libertação.
Quando Deus visita Sara, mesmo em sua velhice ela fica grávida (Gn 21,1-2). No final de sua vida, José diz a seus irmãos, no Egito: Certamente Deus vos visitará e vos fará subir desta terra para a terra que jurou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó (Gn 50,24). Ao conversar com Moisés na sarça ardente, Deus afirma que visitou o seu povo, viu o sofrimento e, por isso, vai libertá-lo (Ex 3,7-10.16; 4,31). O profeta Jeremias havia anunciado que o cativeiro da Babilônia teria seu fim com a visita de Deus (Jr 29,10). Rute e Noemi viram a visita de Deus no pão que sacia a fome (Rt 1,6). A chuva refrescante é visita de Deus a regar a terra, dizia o salmista (Sl 65,10). E, nas suas orações, o povo sempre clamava: Lembra-te de mim, Senhor, por amor do teu povo; visita-me com a tua salvação (Sl 106,4).
De acordo com a narrativa de Lucas, quando Zacarias recebeu a visita de Deus, a novidade foi tão grande que ele chegou a ficar mudo, não acreditava no que ouvia! Isabel e Zacarias teriam um filho: Terás alegria e regozijo e muitos se alegrarão com o seu nascimento (Lc 1,13-14). E mudo Zacarias permanece até o dia do “batizado” (circuncisão) do menino, que recebe o nome de João (Lc 1,63-64). Desatando a falar, repleto do Espírito Santo, Zacarias louva mais uma visita de Deus: Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e libertou o seu povo (Lc 1,68). Graças ao misericordioso coração do nosso Deus, pelo qual nos visita o Astro das alturas (cf. Lc 1,78). E mais duas vezes, os autores de Lucas afirmam que, em Jesus de Nazaré, Deus visitou o seu povo (7,16; 19,44).
Um poema em duas partes
Se em Mateus Jesus é comparado com Moisés, em Lucas a comparação se dá entre João Batista e Jesus. A comunidade lucana vai pintando os quadros quase sempre em paralelo: anuncia-se o nascimento do Batista (Lc 1,5-25) e na sequência o de Jesus (Lc 1,26-38); descreve-se o nascimento e a circuncisão do menino João (Lc 1,57-66) e logo adiante o nascimento e a circuncisão de Jesus (Lc 2,1-21). Um belo canto é colocado na boca de Maria, a mãe de Jesus (Lc 1,46-55); também na boca do pai de João Batista encontra-se outro canto (Lc 68-79).
O poema proclamado por Zacarias (seu nome significa “Javé se lembra”, “memória de Javé”), recheado de citações do Primeiro Testamento, especialmente dos Salmos, está dividido em duas partes. A primeira faz memória da promessa e da aliança (v. 68-75). A segunda parte (76-79) anuncia a missão de um menino: ir à frente do Senhor preparando-lhe o caminho.
Na primeira parte, Deus é proclamado como bendito porque se preocupou em resgatar/redimir seu povo. Israel esperava pelo Senhor, assim como o vigia noturno espera pelo amanhecer, pois sabe que a misericórdia é coisa divina, Deus é generoso em sua redenção (cf. Sl 130,7-8). O que Deus prometeu pela boca dos profetas, ele começa agora a cumprir.
Para ajudar o povo a perceber que o tempo chegou, o poema se dirige, em sua segunda parte, a João Batista: E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, pois caminharás à frente do Senhor, preparando-lhe o caminho (Lc 1,76). Para quem conhece bem os textos de Isaías, as imagens se renovam, ganhando novo sentido: A voz que clamava “no deserto, preparai um caminho para o nosso Deus” (Is 40,3) agora poderá dizer: não é mais necessário caminhar na escuridão, pois o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, que brilha até para quem vivia nas sombras da morte (Is 9,1). Mesmo machucados por espinhos e pedras, como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz! (Is 52,7).
Convite à ação: você também pode visitar alguém
O canto de Zacarias começa e termina evocando a imagem da visita. Enquanto o primeiro versículo (Lc 1,68) bendiz a Deus porque visitou o seu povo e o libertou, os dois versos finais revelam que, graças ao coração misericordioso do nosso Deus (literalmente, suas misericordiosas entranhas, seu útero, seu seio materno), o Sol Nascente das alturas vem nos visitar. E sua visita encaminha nossos passos por um caminho de paz (Lc 1,78-79).
O canto é, portanto, um convite: movamos nossos pés em direção ao nosso irmão! Visitemos nossos parentes, nossos vizinhos! Saiamos ao encontro, especialmente daquelas pessoas que correm o risco de não receber sequer um abraço neste natal. Assim, daremos eco ao Canto de Zacarias. É assim que Deus visita e liberta o seu povo!
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Texto de Edmilson Schinelo, biblista popular e assessor do CEBI.
Ilustração de capa: JESUS MAFA (1973)