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Baladas para estes novos dias

por José Luiz Possato*

“Que dias, senhoras e senhores! Que dias…” Parafraseando o Ira!, banda paulistana de rock, estes serão “Dias de Luta”.

Mas devo confessar… Minha primeira reação, findo o pleito presidencial, foi de desesperança e desejo de me exilar no mais profundo silêncio e ostracismo. Eu tive medo. Muito medo! Na verdade, trata-se de uma mistura de sentimentos: pavor, derrota, impotência… Principalmente após o primeiro pronunciamento do eleito, ou melhor (segundo o menino Harry Potter, o primeiro passo para vencer o inimigo é dizendo seu nome): Principalmente após o primeiro pronunciamento de Lord Voldemort.
Tenho filhas para criar, para ver terminar de crescer, tenho planos com minha esposa, tenho sonhos ainda por realizar…

Nada disso se concretizará se:

  1. Eu continuar me confessando socialista;
  2. Ele cumprir com sua palavra (ou ameaça?) de varrer os “extremismos” de esquerda.

Portanto, decidi me calar. Nem para a sala dos professores eu desci na primeira semana, na hora do recreio. Não queria ouvir falar nada sobre o assunto. Muito menos, olhar para a face de “colegas” eleitores (e o pior: eleitoras) dele.

Mas aí…

Voltando àquela música da banda paulistana… Ela começa assim:
“Só depois de muito tempo,
fui entender aquele homem.
Eu queria ouvir muito,
mas ele me disse pouco…”

Até aí, nada demais! Porém, uma colega me pediu para conversar com seu filho, que por acaso é meu educando. Ele não queria mais frequentar as aulas de um determinado professor porque este estaria fazendo campanha aberta para o eleito, digo, o Voldemort, lançando mão inclusive de notícias falsas, como por exemplo a distribuição do kit gay.

Enfim… Não poderia simplesmente dizer para meu pupilo que aquele educador estava errado. Ou melhor… Nada poderia comentar sobre aquele “colega”, sob pena de ser antiético. Então quis suscitar naquele jovem algo que o instigasse, que o fizesse querer ir às aulas, pois deixar de frequentá-las seria caminho certo para a reprovação.

— Você precisa lutar pelo seu espaço. Como estudante, a escola é o seu lugar. Se abrir mão disso, estará dando força às propostas excludentes do coiso.

Os olhos do guri brilharam:
— Entendi, sôr! Se eu desistir, é sinal que ele ganhou!

E lá se foi ele, bem determinado. Senti-me “aquele homem” da canção. Ao mesmo tempo, eu era o eu-lírico. Eu era aquele menino. Se o sinal bateu, ou alguém falou mais alguma coisa, não sei. Ouvia apenas uma música, que tocava em minha cabeça:

“Busca logo o teu espaço
e firma o pé na caminhada.
Pisa firme neste chão
e toma parte na jornada.”

E o som ficava ainda mais “alto” no refrão:

“Pois aqui tu tens o teu lugar!
Pois aqui tu tens o teu lugar!”

Sem querer, o conselho que dei serviu muito mais para mim do que para o estudante. O que eu lhe disse foi muito pouco, mas, conforme segue o rock “Dias de Luta”:

“Quando se sabe ouvir,
Não precisam muitas palavras.”

É isso mesmo! Pessoas amigas falavam, no dia do resultado, para não desanimar. Mas a tristeza era tanta que eu nada ouvia. Com o jovem, porém, eu deveria parecer sincero. Acontece que eu não sei como parecer sem ser. Então disse-lhe algo que eu mesmo precisava ouvir.

Naquele instante, percebi que não era o fim do mundo, que nada de novo iria… Nada de novo vai acontecer se ficarmos quietos, esperando os ventos mudarem.

Lembrei, então, de Elias. Ele viveu no tempo de Acab, rei de Israel [874 a 853 a.C.], cuja idolatria levou o povo à fome e à miséria (1Rs 17,1.7; 18,1-2). Após uma verdadeira epopeia no monte Carmelo (cf. 1Rs 18,20-46), em que o projeto de morte do monarca parecia ter sido definitivamente derrotado, entra em cena a rainha Jezabel e resolve endurecer o cerco contra o profeta de Javé. Jurado de morte, ele se retira para o deserto e esconde-se debaixo de uma árvore, onde pede para morrer e, depois disso, “deita e dorme” (1Rs 19,1-5a).

Impressiona a semelhança, se pensarmos em Acab como o eleito, e Jezabel representar o juiz de Curitiba. Lula não foi para o deserto (autoexílio em países como o Uruguai, que à época abriram as portas para o ex-presidente) e deu no que deu. A fuga de Elias foi providencial.

Mas Javé não o queria dormindo debaixo do junípero. Era preciso que a retirada fosse (ou se tornasse) estratégica. Por isso, um anjo o acorda e diz: “Levanta-te e come!” (v. 5b). Como ele não entendesse bem o recado, o mensageiro repetiu: “Levanta-te e come, pois do contrário o caminho te será longo demais!” (v. 7).

Ficar parado só alimenta o medo. É preciso levantar, sair do ponto de inércia, colocar-se em movimento, ou nada mudará.

Elias é convocado a ir para o monte Horeb (v. 8). O que tem esse lugar de especial? Ele representa o ponto alto de outra caminhada, que não durou 40 dias e 40 noites (como a de Elias), mas 40 anos: a libertação do povo hebreu. Foi no Sinai (= Horeb; cf. Ex 19,1-20,21; Dt 4,10-11) que Moisés recebeu as leis para a organização de uma nova sociedade, totalmente livre do poder opressor do Egito.

É preciso voltar à origem, ao primeiro amor. Eis a questão, não só para o PT, mas para os movimentos sociais. Não esquecer por que existimos. Por outro lado, é preciso entender também os tempos, fazer a correta leitura do cenário. A Moisés, Javé falou pelo trovão (Ex 19,19), com fogo, relâmpago e tremores de terra (Ex 16.18). O povo tinha se libertado, vivia um tempo de autonomia, caminhava perdido no deserto, mas sem o opressor por perto. Elias tinha a Polícia Federal, isto é, o Exército de Jezabel em seu encalço. Deus passou por ele. Entretanto, não estava no furacão, nem no terremoto, nem no fogo; sua voz era uma brisa suave (1Rs 19,11-12).

A noite está começando. É tarde… Um novo dia virá, porém. Agora é hora de se recolher. Dormir será sonhar, e como diria Raul Seixas:

“Sonho que se sonha só
é só um sonho que se sonha só.
Mas sonho que se sonha junto é realidade.”
Talvez por isso algumas pessoas encarem sonhar como o momento em que a gente finalmente se desperta. Parafraseando, ainda, o roqueiro baiano:
“Justamente acordei
No dia em que a terra parou.”

Precisamos lutar pelo nosso espaço. O Brasil é o lugar de todas as brasileiras e de todos os brasileiros. Nesses tempos em que a máxima “ame-o ou deixe-o” parece ressuscitar, é preciso dizer: “Eu o amo sim e, por isso, quero-o livre!”

Vejo muitas de minhas educandas – e educandos – frequentando igrejas que apoiaram a candidatura vencedora. Como educador, sinto que preciso disputar espaço com elas. Mas sozinho não dá!

É por essas e outras que, para mim, o hino “O Teu Lugar”, cântico luterano, parece o mais adequado para este momento, inclusive pelos seguintes versos:

“Vem sarar tuas feridas
e buscar mais liberdade.
Descansar as tuas cargas
sobre a nossa amizade.”

De fato, é hora de sarar as feridas, o que implica buscar apoio nas amizades, nas parcerias, nas redes. Precisamos nos reagrupar, cuidar uns dos outros, descansar e, passo seguinte, reavaliar e repensar a caminhada. A hora é de nos reorganizarmos, de nos reinventarmos. É hora de sonhar!

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