por Thiago Ventura*
Prisão do padre Amaro revela realidade de perseguição a movimentos sociais. Coordenador da Comissão Pastoral da Terra no Pará diz que corte de políticas públicas amplia conflitos. Leia entrevista com padre Padre Paulo Joanil da Silva:
O sonho de um país mais igualitário, com garantia de direitos para as populações de baixa renda motiva milhares de integrantes de movimentos sociais no Brasil, em especial os grupos que defendem a Reforma Agrária. Contudo, a prisão do padre José Amaro Lopes de Sousa, em Anapu, no sudoeste do Pará, revela que tal trabalho incomoda setores do agronegócio. Considerado braço direito da irmã Dorothy Stang, SNDdeN, (1931-2005), padre Amaro é investigado por diversos crimes, incluindo associação criminosa, ameaça e lavagem de dinheiro, dentre outros. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), as acusações são falsas, devido à ausência de provas e serem baseadas em depoimentos de fazendeiros contrários à atividade do religioso no local.
Essa posição é corroborada pelo padre Paulo Joanil da Silva, mais conhecido como padre Paulinho, coordenador da CPT no Pará. Natural de Carmo do Rio Claro (MG), o religioso pertence à congregação dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada (OMI) e desde a década de 1970 vive e defende os povos na região Amazônica. Ao trabalhar nas comunidades, pe. Paulinho prega o Jesus Cristo revolucionário, que nunca cruzou os braços diante das injustiças sociais.
“Sentimos que nossa missão é exigência da própria Fé. Não é possível pensar o Reino de Deus sem a Justiça e a garantia dos Direitos à Terra para os pobres da terra”, afirma padre Paulinho. O religioso denuncia decisões recentes que prejudicam pequenos agricultores ante o poderio de latifundiários, como a mudança da ouvidoria do INCRA de Marabá para Santarém, praticamente fechando o canal oficial de denúncias no Sudoeste do Pará.
Padre Paulinho atesta os resultados positivos dos assentamentos, formando comunidades organizadas e foco na produção sustentável. “A forma de se organizarem em comunidades, tendo a terra de forma coletiva, tendo suas próprias escolas e postinhos de saúde; têm sido alternativas importantes, que provam que a Reforma Agrária dá certo”, aponta o religioso.
Confira a entrevista completa:
O que está por trás da prisão do Padre Amaro?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – O contexto generalizado em Anapu (PA), da grilagem de terras, de forma violenta por parte de um grupo de poderosos latifundiários, não tem dado trégua desde o assassinato de Irmã Dorothy Stang. O que está por trás é o mesmo que esteve no período em que trabalhava em Anapu a nossa Irmã Dorothy. Os latifundiários buscam, a todo custo, expulsar as famílias assentadas e ficarem com suas propriedades, tendo em vista a grande quantidade de madeiras nos PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), além do subsolo, rico em minérios.
O senhor teve contato ou notícias do padre Amaro após a prisão? Como o religioso está enfrentando a situação?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – Pessoalmente não tive contato com o Pe. Amaro, mas a equipe da CPT de Marabá teve e relata que ele tem consciência de ser um perseguido político e de ter sido preso por mentiras elencadas contra ele, e que todas já foram desmascaradas como falsas pelos advogados. Os dois Bispos do Xingu têm visitado padre Amaro frequentemente.
Além do sacerdote, as irmãs da Congregação de Notre Dame de Namur (SNDdeN) também sofrem perseguição. Como estão as lideranças leigas e religiosas que atuam na região?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – Toda equipe de Pastoral de Anapu tem sofrido há anos todo tipo de perseguição. As lideranças leigas das Comunidades, igualmente são perseguidas, intimidadas. Com difamações tais como: “invasões de terra”. Toda aquela terra é terra pública. Os PDS são terras públicas.
Os conflitos fundiários no Brasil voltaram ao foco da mídia nacional após pelo menos quatro massacres ocorridos em 2017, revelando um Brasil desconhecido nas grandes cidades do Sul e Sudeste. Qual é a realidade dos pequenos agricultores nestas regiões?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – A realidade dos camponeses tem piorado muito após o golpe do ano de 2016. Por exemplo: Foi extinta a Ouvidoria Agrária Nacional (que mediava conflitos) era uma pequena porta que ao menos amenizava a situação. Os latifundiários sempre odiaram a Ouvidoria. O único escritório do INCRA na Região ficava em Altamira (a 137 km de distância de Anapu). O mesmo foi transferido para Santarém (a 697 km). De modo que, os camponeses estão à deriva de qualquer apoio oficial, onde possam encaminhar as denúncias. Houve vários assassinatos de camponeses no último ano e quase nada foi feito para apurar esses crimes.
Como o senhor avalia as atuais políticas públicas e a atuação dos órgãos fundiários no Brasil?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – Como já afirmei acima, em Anapu não tem políticas públicas. Essa situação também se estende para outras partes do país. Vários órgãos foram sucateados, como o órgão do MPT que fiscaliza a prática do trabalho escravo. Não há recursos para os deslocamentos dos fiscais do trabalho. Tudo isso foi denunciado.
O senhor acredita que esse tema será debatido nas eleições 2018 e que algo poderá ser modificado?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – No atual cenário, não creio que esse tema venha a ser debatido, a não ser pelos partidos de esquerda que têm pautado a Reforma Agrária como tema fundamental.
O que motiva o senhor e outras lideranças a abraçar essa missão junto a população sofrida dos rincões do país?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – A principal motivação é o Evangelho. Em consequência é o compromisso com as causas dos Pobres e Oprimidos, dentro das Orientações da Doutrina Social da Igreja. Desde o Documento da CNBB: IGREJA E PROBLEMA DA TERRA, sentimos que essa Missão é exigência da própria Fé. Não é possível pensar o Reino de Deus sem a Justiça e a garantia dos Direitos à Terra para os pobres da terra. Ao mesmo tempo, sabemos que a terra é dom de Deus para todos e não para um pequeno grupo que só tem o interesse da cobiça para fins de mercado e exploração.
É possível ver resultados práticos nas comunidades assistidas?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – Em muitas comunidades de camponeses desse país, podemos provar os resultados práticos. Segundo dados oficiais, 70% dos alimentos consumidos no Brasil, vem da agricultura camponesa, dos pequenos agricultores. Ou seja, a agricultura familiar. Além do mais, são os que trabalham e produzem de forma sustentável. Mesmo sem apoio de créditos e outros, ainda teimam permanecer na terra. Nos assentamentos também, a forma de se organizarem em comunidades, tendo a terra de forma coletiva, tendo suas próprias escolas e postinhos de saúde; têm sido alternativas importantes, que provam que a Reforma Agrária dá certo. Em muitos casos, as formas de trabalho em mutirão, a partilha dos resultados, demonstram a grande capacidade de organização e sustento.
A atuação religiosa em movimentos sociais é muitas vezes criticada por setores conservadores da igreja. É possível vislumbrar um maior entendimento e atuação em conjunto de vários movimentos e pastorais católicos?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – A atuação de religiosos(as) em Movimentos Sociais é um fato histórico na caminhada pastoral da Igreja. As críticas vêm de setores conservadores que se fecham em teorias e conceitos abstratos, e ignoram por completo os critérios do Evangelho. Muitas vezes, pregam o ódio aos Pobres e a quem os defendem. As Pastorais Sociais se fundamentam também na Doutrina Social da Igreja, que esses setores conservadores ignoram por completo. Não querem nem tomar conhecimento dos ensinos do Magistério da Igreja. As Diretrizes da CNBB desde sua fundação, só para um exemplo. Claro que deveria ter mais religiosos, cristãos leigos e leigas atuando mais nas questões sociais.
Da mesma forma, a defesa dos direitos humanos é muitas vezes ironizada como ‘defesa de bandido’ e os movimentos de direito à terra são acusados de invasão de propriedade privada. Como conscientizar a população dos direitos expressos na Constituição?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – A Defesa dos Direitos Humanos não é compreendida como a defesa da vida dos mais fracos. Essa confusão vem de um setor da mídia e da sociedade que só veem a criminalização e não as pessoas em seu contexto de perda de direitos e de possibilidades. Os Direitos Humanos são Direitos sagrados. A vida é um direito inviolável. Mesmo os que erram, tem direito à vida e a possibilidade de recuperação. Quanto à acusação de que os Trabalhadores Rurais fazem a tal de “invasão de terra”, não tem nenhum fundamento. Ocupar a terra de forma legítima, é um direito, quando o Estado não cumpre sua função de regularização fundiária. Como nos ensina Santo Tomás de Aquino: “Sobre toda propriedade privada, pesa uma hipoteca Social”.
Qual procedimento para quem deseja ajudar a CPT?
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – A Comissão Pastoral da Terra, organismo da CNBB, existe há 43 anos. Sim, necessitamos muito de apoio. A maioria quase absoluta dos Agentes pastorais da CPT são voluntários. Qualquer contribuição para dar continuidade a essa Missão é muito importante e bem vinda. Procure no site da CPT a forma de contribuir. A CPT tem um Centro de Documentação em Goiânia, onde também está o Secretariado Nacional, aberto a visitas e a pesquisadores.
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Texto e entrevista de Thiago Ventura, via Dom Total. (Re)publicado no site da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 25/04/2018.