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Para que servem os dons?

Segunda etapa do Curso de Formação de Assessores/as em Leitura Popular da Bíblia
Marisa Thozzi, biblista e assessora do CEBI na Grande Sã Paulo, comenta a intenção original de Jesus, ao contar a parábola dos talentos, proposta para a liturgia deste final de semana.

Uma foi a intenção original da parábola quando Jesus a contou. Outra foi a intenção das comunidades, feita posteriormente como catequese, quando fazem dela uma interpretação alegórica.

Originalmente, Jesus denuncia os gananciosos inescrupulosos e ávidos por lucro, dos quais a Palestina e todo o império romano estavam repletos. Jesus está denunciando a crueldade do sistema econômico, onde lucros eram sempre bem vindos, venham de onde vierem e custem o que custarem, até a liberdade do devedor ou mesmo a sua morte. A parábola testemunha o repúdio de Jesus ao sistema econômico violento e leva-nos, hoje, a tomar posição em relação ao capitalismo igualmente cruel, exigindo que o dinheiro se reproduza a todo custo, sem a mínima preocupação com a ética mais elementar.

O servo reprovado pelos poderosos é, sem dúvida, o único que teve coragem de não compactuar com o sistema. E, tal como difunde hoje a mídia empresarial, os mais ricos alimentam ódio contra o servo, levando-o à morte. Ao fazer essa dura denúncia àquele sistema cruel, não é difícil entender o porquê de Jesus de Nazaré incomodar tanto, a ponto de sua morte ser desejada por todos os poderosos de ontem e de hoje.

Na sequência, Ir. Mercedes, Fr. Carlos e Orofino comentam a interpretação alegórica da parábola, proposta pelas comunidades de Mateus.

1  Situando

  1. A “Parábola dos Talentos” (Mateus 25,14-30) faz parte do 5º Sermão da Nova Lei. Ela está situada entre a “Parábola das Dez Moças” (Mateus 25,1-13) e a “Parábola do Juízo Final” (Mateus 25,31-46). As três parábolas orientam as pessoas sobre a chegada do Reino. A “Parábola das Dez Moças” insiste na vigilância: o Reino pode chegar a qualquer momento. A “Parábola dos Talentos” orienta sobre como fazer para que o Reino possa crescer. A “Parábola do Juízo Final” diz que, para tomar posse do Reino, se deve acolher os pequenos.

 

  1. Uma das coisas que mais influi na nossa vida é a ideia que nós fazemos de Deus. Entre os judeus da linha dos fariseus, alguns imaginavam Deus como um Juiz severo que os tratava de acordo com o mérito conquistado pelas observâncias da lei. Isso produzia medo e impedia as pessoas de crescerem. Sobretudo, impedia que elas abrissem um espaço dentro de si para acolher a nova experiência de Deus que Jesus comunicava. Para ajudar a essas pessoas, Mateus conta a “Parábola dos Talentos”.

2  Comentando

  1. Mateus 25,14-15: A porta de entrada na história da parábola

A parábola conta a história de um homem que, antes de viajar, distribuiu seus bens aos empregados, dando 5, 2 ou 1 talento, conforme a capacidade de cada um. Um talento corresponde a 34 quilos de ouro, o que não é pouco. No fundo, cada um recebeu igual, pois recebeu “de acordo com a sua capacidade”. Quem tem copo grande, recebe o copo cheio. Quem tem copo pequeno, recebe o copo cheio. Em seguida, o patrão viajou para o estrangeiro e lá ficou por muito tempo. A história tem certo suspense. Nós não sabemos com que finalidade o proprietário entregou o seu dinheiro aos empregados, nem como vai ser o fim.

  1. Mateus 25,16-18: O jeito de agir de cada empregado

Os dois primeiros empregados trabalham e fazem duplicar os talentos. Mas o que recebeu 1 enterrou o dinheiro no chão para guardar bem e não perder. Trata-se dos bens do Reino que são entregues às pessoas e às comunidades de acordo com a sua capacidade. Todos e todas recebem algum bem do Reino, mas nem todos respondem da mesma maneira!

  1. Mateus 25,19-23: Prestação de contas do primeiro e do segundo empregados, e a resposta do Senhor

Depois de muito tempo, o proprietário voltou. Os dois primeiros disseram a mesma coisa: “O senhor me deu 5/2. Aqui estão outros 5/2 que eu ganhei!” E o senhor dá a mesma resposta: “Muito bem, servo bom e fiel. Sobre pouco foste fiel, sobre muito te colocarei. Vem alegrar-te com teu senhor!”

  1. Mateus 25,24-25: Prestação de contas do terceiro empregado

Ele chega e diz: “Senhor, eu sei que és um homem severo que colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. Assim, amedrontado, fui enterrar teu talento no chão. Aqui tens o que é teu!” Nesta frase transparece uma ideia errada de Deus que é criticada por Jesus. O empregado vê Deus como um patrão severo.

Diante de um Deus assim, o ser humano sente medo e esconde-se atrás da observância exata e mesquinha da Lei. Ele pensa que, assim, a severidade do legislador não vai poder castigá-lo. Desse modo pensavam alguns fariseus. Na realidade, uma pessoa assim já não crê em Deus, mas crê apenas em si mesma e na sua observância da Lei.

Ela se fecha em si, desliga-se de Deus e já não consegue preocupar-se com os outros. Torna-se incapaz de crescer como pessoa livre. Esta imagem falsa de Deus isola o ser humano, mata a comunidade, acaba com a alegria e empobrece a vida.

  1. Mateus 25,26-27: Resposta do Senhor ao terceiro empregado

A resposta do senhor é irônica. Ele diz: “Empregado mau e preguiçoso! Você sabia que eu colho onde não plantei, e que recolho onde não semeei. Então você devia ter depositado meu dinheiro no banco, para que, na volta, eu recebesse com juros o que me pertence!” O terceiro empregado não foi coerente com a imagem severa que tinha de Deus. Se ele imaginava Deus severo daquele jeito, deveria ao menos ter colocado o dinheiro no banco. Ou seja, ele sai condenado não por Deus, mas pela ideia errada que tinha de Deus e que o deixou mais medroso e mais imaturo do que devia ser. Nem seria possível ele ser coerente com aquela imagem de Deus, pois o medo desumaniza e paralisa a vida.

  1. Mateus 25,28-30: A palavra final do Senhor que esclarece a parábola

O senhor manda tirar o talento e dar àquele que tem 10, “pois a todo aquele que tem será dado, mas daquele que não tem até o que tem lhe será tirado”. Aqui está a chave que esclarece tudo. Na realidade, os talentos, o “dinheiro do patrão”, os bens do Reino, são o amor, o serviço, a partilha. É tudo aquilo que faz crescer a comunidade e revela a presença de Deus. Quem se fecha em si com medo de perder o pouco que tem, este vai perder até o pouco que tem. Mas a pessoa que não pensa em si e se doa aos outros, esta vai crescer e receber de volta, de maneira inesperada, tudo que entregou e muito mais. “Perde a vida quem quer segurá-la, ganha a vida quem tem coragem de perdê-la”.

3  Alargando

A moeda diferente do Reino

Não há diferença entre os que recebem mais e os que recebem menos. Todos têm o seu dom de acordo com a sua capacidade. O que importa é que este dom seja colocado a serviço do Reino e faça crescer os bens do Reino que são amor, fraternidade, partilha. A chave principal da parábola não consiste em fazer render e produzir os talentos, e sim em relacionar-se com Deus de maneira correta. Os dois primeiros não perguntam nada, não procuram o próprio bem-estar, não guardam para si, não se fecham, não calculam.

Com a maior naturalidade, quase sem se dar conta e sem procurar mérito, começam a trabalhar, para que o dom dado por Deus renda para Deus e para o Reino. O terceiro tem medo e, por isso, não faz nada. De acordo com as normas da antiga Lei, ele estava correto. Manteve-se dentro das exigências. Não perdeu nada e não ganhou nada. Por isso, perdeu até o que tinha. O Reino é risco. Quem não quer correr risco, perde o Reino!

Fonte: Reflexão do evangelho de Mateus 25,14-30, por Marisa Thozzi, Lopes, Mesters e Orofino.

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