A Procuradoria Geral do Estado ficou sabendo nesta quarta-feira que a área retomada em janeiro por famílias de índios Mbya Guarani já foi deles.
Portanto, deixou de considerar uma invasão ao terreno onde funciona a recém-extinta Fepagro Litoral Norte, em Maquiné, e também passou a entender como uma retomada.
Mais: se a terra for devolvida aos índios, o valor do terreno pode até ser abatido da dívida do Estado com a União.
Presidida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT), a Comissão visitou os Mbya Guarani em Maquiné na semana passada.
Vai solicitar ao procurador-geral do Estado, Euzébio Fernando Ruschel, a prorrogação do prazo para reintegração de posse da área, inicialmente marcada para 4 de abril, para que melhor se entenda a questão.
“Vamos trabalhar por uma solução para que a comunidade indígena possa retomar parte de seu território original sem prejuízo a eventuais pesquisas.Em visita ao local, constatamos que os indígenas convivem em total harmonia com a natureza e com os servidores da Fepagro, que ainda lá permanecem”, frisou o parlamentar na abertura da audiência pública.
O governo Sartori chegou a obter uma liminar que estabelece o dia 4 de abril para a saída pacífica dos ocupantes, contando que, depois disso, pode até mandar a Brigada Militar retirá-los à força, mesmo havendo crianças e idosos.
“O governo do Estado busca o despejo, o Judiciário respalda e o mercado imobiliário se beneficia. Os ricos ficam cada vez mais ricos, e os índios são mais uma vez expulsos de suas terras”, lamentou o deputado Pedro Ruas (PSOL) .
Retomada pacífica
“Fomos expulsos da terra e esquecidos na beira das estradas. Nossa retomada é pacífica e vai beneficiar toda a sociedade. A natureza precisa de nós. E nós precisamos fortalecer nossa cultura, resgatando rituais que começam a se perder”, explicou o cacique Cirilo, uma das lideranças presentes na reunião.
O antropólogo José Otávio Catafesto de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, informou que há na área de 367 hectares elementos de ocupação tradicional, constatados por imagens de satélites e já informados em laudo preliminar. “O elemento de tradicionalidade é inquestionável, Além disso, há sete anos os guaranis querem criar uma aldeia no lugar”, frisou.
Ele afirmou ainda que os moradores de Maquiné encaram com simpatia a presença dos índios no município. “Ao contrário do que acontece na imensa maioria das áreas de demarcação, lá não há conflito. Há uma situação de harmonia e de entendimento de que os indígenas ajudam na preservação ambiental e no resguardo do patrimônio da Fepagro”.
O procurador federal Guilherme Mazzoleni, que representou a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), confessou: não sabia que havia litígio envolvendo a área. Foi ele quem lembrou que, se as terras forem consideradas território tradicional, há a possibilidade de que o valor da área seja abatido do montante da dívida do Estado com a União.
O cacique André Benites denunciou que, sem demarcação há mais de dez anos, o Rio Grande do Sul condenou os índios a viver na beira das estradas. Segundo ele, a maior parte das áreas destinadas à comunidade indígena no Estado é degradada e não serve para o plantio. Para serem cultivadas, seriam necessários grandes investimentos em recuperação do solo.
Resolução construtiva
A procuradora Fabiana Azevedo da Cunha Barth, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria-geral do Estado, ressaltou que a competência demarcatória é da União, que deve ser envolvida na busca de uma solução para a área em Maquiné. Segundo ela, é preciso analisar, antes de qualquer decisão, a possibilidade de convivência entre a comunidade indígena e os projetos de pesquisa agropecuária existentes no local.
Para o procurador André Casagrande Raupp, do Ministério Público Federal, a audiência pública “produziu informações que precisam ir para os autos do processo para que o juiz tenha conhecimento completo da situação”. Ele defendeu também a reunião de órgãos e agentes políticos que desejam contribuir para uma resolução construtiva.
Além de pedir à Procuradoria-geral do Estado a prorrogação de prazo para a reintegração de posse, a CCDH pretende entrar em contato com o secretário da Agricultura, Ernani Polo, que não mandou representante à audiência pública.
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Fonte: Jornal Já, 22/03/2017. Com informações da Agência AL.
Imagem em Destaque: Cacique Cirilo: “Fomos expulsos da terra e esquecidos na beira das estradas. Nossa retomada é pacífica e vai beneficiar toda a sociedade” /Foto: Guerreiro/Agência AL